Robert Dodaro, OSA (ed.),
Remaining in the Truth of Christ,
Ignatius Press,
San Francisco, 2014, 275p.
Tradução do primeiro capítulo
(texto provisório)
Resumo da argumentação
Robert Dodaro, OSA
Os ensaios
deste volume representam a resposta de cinco Cardeais da Igreja Católica Romana
e quatro outros especialistas ao livro Evangelho da Família, publicado anteriormente este
ano pelo Cardeal Walter Kasper. O livro de Kasper contém o discurso feito por ele,
durante o consistório extraordinário de cardeais celebrado nos dias 20-21 de
fevereiro de 2014. Um tema importante daquele encontro foi a preparação das
duas sessões do Sínodo dos Bispos, convocadas pelo Papa Francisco para 2014 e
2015, com o tema “Desafios Pastorais para a Família no Contexto da
Evangelização”. Quase no final de sua colocação o Cardeal Kasper propôs uma
mudança no ensinamento e na disciplina sacramental da Igreja, que permitisse,
em casos limitados, que católicos divorciados e recasados civilmente fossem
admitidos à comunhão eucarística, depois de um período de penitência. Ao
defender esta proposta, o cardeal usou como argumento a prática primitiva dos
cristãos assim como a longa tradição ortodoxa oriental de aplicar a
misericórdia às pessoas divorciadas, dentro de uma fórmula na qual as segundas
núpcias seriam “toleradas” – uma praxe geralmente chamada pelos ortodoxos de oikonomia. Kasper espera que seu livro
venha a fornecer “uma base teológica para uma ulterior discussão entre os
cardeais”, e que a Igreja Católica encontre um caminho de harmonizar
“fidelidade e misericórdia em sua prática pastoral”.
A
finalidade da presente obra é responder ao convite, feito pelo Cardeal Kasper,
de uma ulterior discussão. Os ensaios publicados neste volume refutam a sua
proposta específica de uma forma católica de oikonomia,para alguns casos de pessoas
divorciadas e civilmente recasadas, tendo como fundamento o fato de que tal
proposta não pode ser harmonizada com a doutrina católica da indissolubilidade
do matrimônio e que, com isto, ela fortalece uma concepção equivocada seja de
fidelidade, seja de misericórdia.
Depois
deste capítulo introdutório, o volume examina os principais textos bíblicos a
respeito do divórcio e do segundo casamento. O capítulo seguinte trata do
ensinamento e da praxe que predominavam na Igreja primitiva. Em nenhum
dos dois âmbitos, seja bíblico, seja patrístico, os autores encontraram
fundamento para o tipo de “tolerância” de casamentos civis após divórcio como
advogado por Kasper. Em seguida, o capítulo quarto examina o fundamento
histórico e teológico da praxe ortodoxa oriental da oikonomia, enquanto o quinto capítulo
traça o plurissecular desenvolvimento da atual doutrina católico romana a
respeito do divórcio e do segundo casamento. A urgência destes capítulos se
torna clara com a afirmação do Cardeal Kasper de que com relação à
doutrina da indissolubilidade do matrimônio, “a tradição em nosso caso não é de
forma alguma convergente, com se costuma afirmar”, e que “há questões
históricas e opiniões discordantes de sérios especialistas, que não podem ser
facilmente desconsideradas”. Dada a gravidade da questão doutrinal envolvida,
estas suposições históricas exigem uma resposta acadêmica.
À luz dos
dados bíblicos e históricos desta primeira parte deste volume, os autores dos
quatro capítulos restantes reafirmam o arrazoado teológico e canônico a favor
de se manter a coerência entre a doutrina e a disciplina sacramental católicas
a respeito do matrimônio e da sagrada comunhão. Assim, os estudos contidos
neste livro levam à conclusão que a longa fidelidade da Igreja à verdade do
matrimônio constitui o fundamento irrevogável de sua misericordiosa e amorosa
resposta ao indivíduo que seja divorciado e civilmente recasado. Sendo assim,
este livro contesta a premissa de que a doutrina tradicional e a prática
pastoral contemporânea se encontram em contradição.
A
finalidade deste primeiro capítulo é resumir e salientar os principais
argumentos contra a proposta de Kasper, tais como são apresentados neste livro.
Divórcio e segundo casamento nas Sagradas
Escrituras
O Novo
Testamento documenta o fato de o Cristo condenar um outro casamento após o
divórcio como sendo adultério. Nas passagens do Evangelho nas quais se trata do
divórcio, a condenação de um outro casamento é sempre absoluta (veja Mt 5,
31-32; 19, 3-9; Mc 10, 2-12; e Lc 16, 18; cf. Lc 5, 31,32). São Paulo repete
este mesmo ensinamento e insiste que não é seu, mas de Cristo: “Aos que estão
casados, tenho uma ordem. Aliás, não eu, mas o Senhor” (1 Cor 7, 10; ênfase nossa). O
texto bíblico chave de Gênese 2, 24 (“Por isso, um homem deixa seu pai e sua
mãe, e se une à sua mulher, e eles dois se tornam uma só carne”) estabelece a
verdade de que o casamento é entre um homem e uma mulher, de que ele só pode
acontecer com alguém de fora da família de origem da pessoa, de que o
matrimônio requer intimidade física e proximidade, e de que tem como resultado
que os cônjuges se tornam “uma só carne”. Que este texto representa a
verdadeira definição cristã do matrimônio torna-se claro quando Jesus o cita em
sua resposta aos fariseus dizendo que Moisés teria permitido o divórcio como
uma concessão “por causa da vossa dureza de coração... Mas não, no início não era
assim” (Mt 19, 8; cf. Mc 10, 5-6; ênfase nossa). E em sua explicação aos
fariseus, nesta ocasião (Mc 10, 6-9), Jesus faz alusão tanto a Gênesis 1, 27
(do princípio da criação, “E Deus criou o homem à sua imagem,... e os criou
homem e mulher”) como a Gênesis 2, 24. Tomados juntos, estas duas passagens
descrevem o casamento no estado original como Deus o criou. O que Jesus quer
ensinar aqui é que a indissolubilidade do matrimônio entre um homem e uma
mulher está fundamentada em uma lei divina, que está acima das normas
judaicas contemporâneas a respeito do divórcio: “Portanto, o que Deus uniu, o
homem não deve separar” (Mc 10, 9).
As cláusulas de exceção no evangelho de Mateus
Se o
ensinamento de Jesus a respeito do divórcio e do segundo casamento é tãoclaro,
como devemos interpretar as duas passagens no evangelho de Mateus que parecem
permitir o divórcio em caso de porneia (Mt 5, 32; 19, 9)? Dois autores
neste volume enfrentam a questão. Paul Mankowski, SJ, sugere, com base na
filosofia, que porneia não diria respeito a adultério, como se supõe
comumente, mas a incesto, e talvez também à poligamia (um prática então comum
entre os gentios). Neste caso, Mankowski argumenta que estas duas passagens
representam “condições dirimentes” na medida em que não se trata de exceções à
regra, mas de condições sob as quais a regra não se aplica, dado que a
separação entre um homem e um mulher em qualquer um destes dois casos não
constitui um “divórcio”, não havendo um matrimônio real a ser dissolvido.
John
Rist, em seu ensaio neste volume, oferece uma explicação diferente. Ele
interpreta porneia nestas passagens como “adultério” por parte da
mulher. A lei judaica não somente permitia o divórcio neste caso, como a exigia
(Dt 24, 4; Jer 3,1). Nas sociedades antigas, hebreia e pagã, o adultério por
parte da mulher era um risco de introduzir filhos de estranhos no patrimônio
familiar, já que a propriedade passava do pai para seus herdeiros. Jesus
rejeita claramente esta lógica, que ele diz Moisés ter permitido por causa de
“vossa dureza de coração”, e indica o mandamento divino original sobre o
matrimônio como um compromisso para toda a vida. Por isto, o segundo casamento
depois do divórcio não é permitido por quanto o outro esposo continue vivo.
Os dados patrísticos
O Cardeal
Kasper procura fundamentar o seu argumento na praxe da Igreja primitiva. No
entanto, os poucos exemplos citados por ele não são capazes de sustentar sua
conclusão, e a vivência vastamente documentada da Igreja primitiva a contradiz
totalmente. Sua apresentação dos dados patrísticos é breve; ele envia seus
leitores a três estudos publicados a respeito do divórcio e do segundo
casamento na Igreja primitiva. Mesmo assim, fica claro que ele se baseia, para
os casos especificamente mencionados por ele, em um único autor e ignora os contra-argumentos
dos outros. Ele diz, por exemplo, que “há boas razões para presumir” que
o cânon 8 do Primeiro Concílio Ecumênico celebrado em Nicéia no ano 325 d. C.
confirma uma praxe pastoral já existente na Igreja primitiva “de tolerância,
clemência e indulgência” para com os cristãos divorciados e recasados. Mas a
evidência histórica para que se tire esta conclusão, que foi apresentada por
Giovanni Cereti, é profundamente equivocada, como foi demonstrado há décadas
por Henri Crouzel, SJ, e por outro eminente especialista em patrística, Gille
Pelland, SJ. No terceiro capítulo deste volume, John Rist revê cuidadosamente
este e outros casos e faz notar que Cereti, até o dia de hoje, ainda não
conseguiu responder adequadamente às sérias objeções feitas contra seu
argumento. Não ficou claro se Kasper tem consciência nível de detalhes das
objeções acadêmicas, não somente da interpretação de Cereti sobre este cânon,
mas também dos outros textos patrísticos que ele cita. Mesmo assim, o Cardeal
os utiliza como provas para sua proposta.
Embora
Rist aceite que a solução “misericordiosa” proposta por Kasper não era
desconhecida na Igreja primitiva, ele afirma que que tal posição geralmente era
condenada como “não escriturística” e que praticamente nenhum dos
escritores que chegaram até nós e consideramos como autoridades a defendem”
(pg. 82). Rist acusa Kasper de usar “uma prática infelizmente bastante comum em
alguns ambiente acadêmicos”, através da qual “bem poucos casos” são
selecionados com a finalidade provar a existência de um costume, mesmo quando
as provas históricas contrárias são “esmagadoramente superiores” (pg. 92).
Quando esta tática não consegue convencer, acrescenta Rist, argumenta-se então
que a insuficiência das provas “ao menos deixa a solução em aberto”.
Procedimentos acadêmicos com estes, conclui Rist, “só podem ser condenados como
metodologicamente defeituosos”(pg. 92). Pelland apresenta uma ideia semelhante:
Para
que se possa falar de uma “tradição” ou “praxe” da Igreja, não é suficiente
apresentar um certo número de casos espalhados por um período de quatro ou
cinco séculos. Dever-se-ia demonstrar, o quanto possível, que estes casos
correspondem a uma praxe aceitada pela Igreja da época. Do contrário, teríamos
apenas a opinião de um teólogo (por renomado que seja), ou uma informação a
respeito de uma tradição local em um momento específico da história – o que,
obviamente, não tem o mesmo peso.
A Doutrina e a Praxe Oriental Ortodoxa
Fora do
ambiente limitado de uns poucos especialistas, a praxe ortodoxa oriental da oikonomia
tal como
é aplicada ao divórcio e às segundas núpcias não é bem compreendida, até mesmo
em termos gerais. O Cardeal Kasper cita-a como um estímulo para a Igreja
Católica. No capítulo quatro deste volume, o Arcebispo Cyril Vasil’, SJ,
oferece uma narrativa rara e atualizada da história, da teologia e do direito
por trás desta praxe. Ele identifica a diferença fundamental entre a posição
ortodoxa oriental e posição católica sobre o divórcio e segunda união em uma
divergência da compreensão de Mateus 5, 32 e 19, 9. Historicamente, as
autoridades ortodoxas interpretaram porneia como adultério e ler estas
passagens como apresentando uma exceção à proibição de Cristo sobre o divórcio.
As interpretações católicas, por outro lado, sustentam que Cristo pretendia o
vínculo matrimonial permanecesse intacto mesmo se, por causa do adultério, o
casal devesse se separar.
Durante o
primeiro milênio a Igreja, tanto no ocidente como no oriente, resistiu às
tentativas de imperadores de introduzir o divórcio e a segunda união no direito
e na praxe eclesiástica. O Concílio Trulano de 692 marca o primeiro sinal de a
Igreja aceitar motivos de divórcio e de novo casamento (motivos, no entanto,
que podem ser resumidos na ausência ou morte presumida de um dos esposos). Uma
mudança ainda maior acontece em 883 quando sob o Patriarca Fócio I de
Constantinopla um código de leis eclesiásticas incorpora uma lista muito mais
longa de razões que permitem o divórcio e um novo casamento. Um outro fator que
complica ainda mais é o aparecimento em 895 do Imperador Bizantino Leão VI que,
para obter o reconhecimento legal de seu casamento, precisa da bênção da
Igreja. Por volta de 1086 no Império Bizantino, somente os tribunais
eclesiásticos tem a permissão de investigar os casos matrimoniais, e eles devem
fazê-lo com base no direito civil e imperial que permite o divórcio e o novo
casamento para um número grande de razões que muito além do adultério. Sendo
assim, a partir do século nono a Igreja Oriental cai progressivamente debaixo
da influência dos líderes políticos bizantinos, que convencem os bispos a
aceitarem o divórcio liberalizado e as regras de um novo matrimônio. O
Patriarca Aléxio I de Constantinopla (1025-1043) permitiu pela primeira vez um
cerimônia eclesial (um bênção) para segundas núpcias no caso de uma mulher que
tenha divorciado um marido adúltero. Com o esforço missionário que levou o
cristianismo a outras nações, estes e outros costumes e éticas matrimoniais
semelhantes se desenvolveram dentro das Igrejas Ortodoxas naquelas terras.
O
Arcebispo Vasil’ ilustra estes desenvolvimentos olhando de perto a Rússia,
Grécia, e o Oriente Médio, e observando as semelhanças e diferenças entre
aquelas igrejas. Ele nota a falta de uma base coerente – ou até mesmo de uma
terminologia comum – para que se faça uma comparação da lógica que está por
trás da praxe teológica, canônica e pastoral associada com a oikonomia
entre as
diversas Igrejas Ortodoxas. Este contexto confuso explica, em parte, a
dificuldade de se encontrar escritos teológicos maduros a respeito da oikonomia
entre os
escritores Ortodoxos Orientais. Vasil’ conclui que não é possível
determinar um “posição Ortodoxa” uniforme a respeito do divórcio e das segundas
núpcias, e por consequência, a respeito da oikonomia. Ele teme que, na melhor das
hipóteses, possa se falar de praxes dentre de uma Igreja Ortodoxa específica –
embora nem mesmo neste caso a praxe seja muito consistente – ou pode-se falar a
respeito da opinião comum a alguns bispos, ou do ponto de vista de um teólogo
específico. Existem claras discordâncias entre os bispos e teólogos ortodoxos a
respeito da teologia e do direito a respeito desta matéria.
No
coração do problema encontra-se o problema da indissolubilidade do matrimônio.
A teologia católico romana, seguindo Santo Agostinho, vê a indissolubilidade no
sentido seja legal, seja espiritual como uma aliança (sacramentum) que vincula os esposos
mutuamente em Cristo por quanto eles viverem. No entanto, os autores ortodoxos
evitam o sentido legal desta aliança e veem a indissolubilidade do
casamento em termos de uma aliança espiritual. Como já foi afirmado, as
autoridades ortodoxas geralmente interpretam Mateus 5, 32 e 19, 9 como uma
permissão de divórcio em caso de adultério, e elas insistem que existem
fundamentos patrísticos para fazê-lo. Se existe um ponto de vista comum entre
os bispos e os teólogos do oriente ortodoxo, é este. Mas daqui em diante, os
autores ortodoxos começam a tomas posições diferentes. Por isto, enquanto
alguns sustentam a posição relativamente estrita de que o divórcio e as
segundas núpcias são permitidos somente em casos de adultério, alguns, como
John Meyendorff, sugerem que a Igreja possa conceder um divórcio baseada no fato
de que o casal se recusou de aceitar a graça que lhes foi conferida no
sacramento do matrimônio. O divórcio eclesiástico, no ponto de vista de
Meyendorff , é simplesmente o reconhecimento da Igreja de que esta graça
sacramental foi recusada. Paul Evdokimov modifica esta tese , afirmando que já
que o amor recíproco constitui a imagem do sacramento, um fez que o amor se
esfria, as comunhão sacramental, que é expressada pela união sexual do casal,
se perde. Como resultado, a relação se deteriora numa forma de “fornicação”.
Outros escritores ortodoxos falam da “morte” moral ou espiritual do
casamento e a relacionam à morte física de um dos cônjuges, com a consequente
dissolução do vínculo que torna um novo casamento possível.
À luz da
compreensão que estes autores da indissolubilidade, John Rist pergunta que
relação os ortodoxos encontram entre o primeiro e o segundo casamento no caso
de divórcio. Rist acredita que seja difícil responder a esta pergunta de forma
coerente porque a visão que os ortodoxos possuem de indissolubilidade deixa o
papel de Deus na sacramento ambíguo. Se a ação má de qualquer um dos cônjuges
(adultério, abandono, etc.) pode realmente destruir o vínculo, de tal forma que
um segundo matrimônio deva ser celebrada com menos cerimônia e até mesmo com um
espírito penitencial, então existem dois graus de casamento no pensamento
ortodoxo? Considerando o fato que a teologia católica indica um papel claro
desempenhado por Deus na indissolubilidade do vínculo matrimonial, Rist sugere
que seriam ainda mais difícil para os católicos encontra o sentido teológico de
uma segunda núpcia (uma observação que trás à mente a observação do Cardeal
Kasper sobre “uma disposição de tolerar algo que, em si mesmo, é inaceitável”).
A doutrina e a praxe católica na idade média
No quinto
capítulo o Cardeal Walter Brandmüller esboça um breve apanhado do ensinamento
da Igreja ocidental a respeito do casamento e do divórcio desde o sínodo de
Cartago (407) até o concílio de Trento (1545-1563) que completa a narrativa do
Arcebispo Vasil’ do desenvolvimento da Igreja oriental. Brandmüller nota que
até mesmo durante a evangelização dos povos franco-germânicos, entre os quais o
costume matrimonial autóctone estavam em desacordo com as normas cristãs, os
bispos agindo através dos concílios eclesiásticos estabeleceram gradualmente o
princípio da indissolubilidade do matrimônio. A pesar deste desenvolvimento,
Brandmüller reconhece que houve ocasiões na Idade Média nas quais os sínodos e
os concílios eclesiásticos permitiram um segundo casamento após o divórcio, é
famoso, por exemplo, o caso do Rei Lotário II (835-869). No entanto, ele
examina alguns destes casos e encontra neles um contexto de negociações, tais
como a aplicação de uma pressão política externa, o que enfraquece o
significado doutrinal das decisões tomadas por tais concílios. Ele defende que
o resultados dos concílios gerais e dos sínodos particulares podem encarnar um paradosis
ou
tradição “se eles mesmos corresponderem às exigências de uma autêntica tradição
tanto no âmbito da forma como do conteúdo” (p. 141). Assim, durante a Idade
Média, com também na era patrística, a existência esparsa de exceções altamente
duvidosas àquilo que é o ensinamento e a prática costumeira da Igreja com
relação à indissolubilidade do matrimônio é muito mais indício de anomalias do
que de tradições paralelas ou alternativas que possam ser eventualmente
recuperadas na atualidade.
O atual ensinamento católico
O atual
ensinamento da Igreja a respeito do divórcio, segunda união e Santa Comunhão
pode ser apreendido de forma bastante concisa concentrando-se em partes da
Exortação Apostólica Familiaris consortio (parágrafo 84), publicada por São
João Paulo II em 1981, e Sacramentum caritatis (parágrafo 29) publicada por Papa
Bento XVI em 2007. Estes pontos são sumariamente apresentados pelo Cardeal
Gerhard Ludwig Müller no sexto capítulo deste volume. Este último documento
desmente a afirmação de que a doutrina da Igreja relega os católicos
divorciados e recasados a uma pertença de segunda categoria. Bento XVI exorta
expressamente que eles “cultivem, quanto possível, um estilo cristão de vida,
através da participação na Santa Missa ainda que sem receber a comunhão, da
escuta da palavra de Deus, da adoração eucarística, da oração, da cooperação na
vida comunitária, do diálogo franco com um sacerdote ou um mestre de vida
espiritual, da dedicação ao serviço da caridade, das obras de penitência, do
empenho na educação dos filhos”. O Cardeal Kasper argumenta que esta afirmação
demonstra um amolecimento da atitude para com os católicos divorciados e
recasados e uma tendência de revisão da atual disciplina. Mas o Cardeal Müller
explica, citando a Familiaris consortio (n. 84), a natureza irreformável
do ensinamento a respeito dos fieis cujo “estado e condições de vida
contradizem objetivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja,
significada e atuada na Eucaristia”. O Cardeal continua:
A
reconciliação através da confissão sacramental, que abre o caminho para a
recepção da Eucaristia, somente pode ser concedida no caso de arrependimento
sobre o que aconteceu e que estão “dispostos a uma forma de vida não mais em
contradição com a indissolubilidade do matrimônio” (pg. 155).
Mesmo
assim, como salienta Müller, longe de tratarem os divorciados e civilmente
recasados com um frieza condenatória e distância, os pastores são obrigados
pelo magistério “a acolher as pessoas em situações irregulares com abertura e
sinceridade, a estar ao seu lado com simpatia e disposição de ajudar, e a fazer
com que eles tenha consciência do amor do Bom Pastor” (pg. 165).
Casamento e a pessoa individual hoje
O Cardeal
Müller retorna a um tema que já havia sido introduzido em um ensaio anterior
deste volume por John Rist: a natureza da pessoa individual que procura o casamento
nos dias de hoje. Ambos autores levantam a questão das intenções ou da
“mentalidade” dos esposos antes, durante e depois da troca de consentimento
matrimonial. O que eles compreendem como sendo matrimônio? Eles compreendem que
o matrimônio é indissolúvel, ou eles somente querem experimentá-lo para ver se
vai dar certo? Como eles compreendem a questão da geração de filhos neste
mundo? Eles compreendem que a abertura à geração de filhos é necessária para um
casamento sacramental válido? E, ainda mais importante, dada a superficialidade
dos relacionamentos nos dias de hoje, os jovens católicos são capazes de
compreender a linguagem da Igreja a respeito dos sacramentos, da fidelidade, da
indissolubilidade, e da abertura à geração da prole?
John Rist
também se preocupa que as pessoas estejam tomadas pelo conceito de Si-mesmo
“sequencial” ou “serial” que foi desenvolvido na filosofia contemporânea. Este
conceito estimula uma mudança na ideia tradicional de natureza humana;
especificamente ele promove uma visão na qual a identidade pessoal muda durante
o tempo de vida de uma pessoa. Rist observa que “muitos têm dificuldade em crer
que são a mesma pessoa da concepção até a morte” porque “estão sujeitos a
variações contínuas e psicologicamente radicais ao longo de suas vidas” (pg.
67). Sendo assim, estas pessoas poderiam concluir “eu não sou a mesma pessoa
que eu era quando me casei, e também a minha mulher não é mais a mesma pessoa”,
o resultado disto é uma crença de que o próprio casamento se tornou “um relacionamento
fictício” (pg. 68).
O Cardeal
Müller concede que “a mentalidade atual é bastante oposta à compreensão cristã
de casamento, no que tange a sua indissolubilidade e a abertura à prole”, e
que, como consequência, “os casamentos hoje me dia são provavelmente inválidos
com uma frequência maior do que antigamente”. Ele sugere “a avaliação da
validade do casamento é importante e pode ajudar a resolver problemas” (pg.
157).
Mesmo
assim, numa Igreja onde o termo “profético” se tornou uma palavra chave nos movimentos
que se opõem abertamente à corrente cultural dominante, Müller convida a Igreja
a se opor a “uma resignação pragmática ao supostamente inevitável” e a
proclamar “o evangelho da santidade do matrimônio” com “profética simplicidade” (pgs. 160-161);
ênfase nossa). A dificuldades de aceitar o ensinamento de Cristo a respeito da
santidade do matrimônio foram primeiro notadas, não pelo Sínodo dos Bispos, mas
pelos próprios apóstolos que, quando ouviram este ensinamento diretamente do
Senhor, responderam com incredulidade: “se tal é a condição do homem a respeito
da mulher, é melhor não se casar”! (Mt 19, 10). No entanto, tanto o Cardeal
Müller como Paul Mankowski, SJ, em seus respectivos ensaios neste volume,
reconhecem que juntamente com este “duro” ensinamento a respeito da
indissolubilidade do matrimônio, Cristo também prometeu, nas palavras de
Mankowski, “um novo e superabundante derramamento da graça, do auxílio divino,
de tal forma que ninguém, por mais frágil que seja, pense se impossível realizar
a vontade de Deus”(pg. 63).
Misericórdia e as normas da Igreja
Mas, o
que dizer então da falência do relacionamento conjugal, da separação e do
divórcio? Será que o ensinamento e a prática atual da Igreja a respeito
dos católicos divorciados e recasados demonstra a qualidade de misericórdia que
Jesus mostrou aos pecadores? O Cardeal Müller responde que, para se evitar uma
visão incompleta da misericórdia de Jesus devemos olhar para a sua vida e seu
ensinamento como um todo. A Igreja não pode apelar para a “misericórdia divina”
(pg. 163) como uma forma de descartar os ensinamentos de Jesus que ela achar
difíceis.
Toda
a economia sacramental é uma obra da misericórdia divina, e não pode
simplesmente ser varrida de lado fazendo-se apelo à mesma misericórdia. Um
apelo objetivamente falso à misericórdia corre também o risco de trivializar a
imagem de Deus, dando a entender que Deus não teria outra alternativa senão
perdoar. O mistério de Deus inclui não somente sua misericórdia, mas também sua
santidade e sua justiça. (pg. 163)
No oitavo
capítulo deste volume, o Cardeal Velásio De Paolis, C. S., reitera o ponto de
vista do Cardeal Müller: “Muitas vezes a misericórdia é apresentada com
sendo oposta à lei, até mesmo a lei divina. Mas colocar a misericórdia de Deus
em oposição à sua própria lei é uma contradição inaceitável” (pg. 203). De
Paolis nota que Kasper não propõe “misericórdia” como um caminho para a
Comunhão Eucarística para todos os católicos divorciados e civilmente
recasados, mas somente para os que preencham certas condições. Ele é da opinião
que o raciocínio por trás das condições de Kasper é ilógico. Ele se pergunta o
que haveria no casamento civil que o qualifique como moralmente mais saudável do
que a coabitação. A Igreja não considera o casamento civil após o divórcio como
sendo um casamento válido. Sendo assim, os católicos que, nesta situação, se
encontram casados de acordo com as leis do Estado não fazem com que o seu
comportamento seja moralmente mais respeitável do que um casal vive junto fora
do casamento. Ao argumento de Kasper segundo o qual a educação dos filhos de
esposos em um casamento civil faz deste casamento uma opção moral melhor ( um
“mal menor”) do que outras alternativas, De Paolis responde que matrimônios
fictícios desgastam os princípios básicos do matrimônio e da família assim como
a moralidade sexual em geral, e ele se pergunta que tipo de educação moral o
casal nestas condições possa dar aos seus filhos:
O
respeito pela lei moral que proíbe uma vida marital entre pessoas que não
são casadas não pode admitir exceções. A dificuldade que alguém encontre em
respeitar a lei moral não autoriza esta pessoa de dar volta a violar a mesma
lei moral. (pg. 195).
Disciplina e doutrina
O Cardeal
De Paolis também observa que “frequentemente se faz a distinção entre doutrina
e disciplina para então se dizer que na Igreja a doutrina não muda, enquanto a
disciplina muda” (pg. 206). No entanto, uma mudança na prática da Igreja que
tenha em vista que católicos divorciados e civilmente recasados recebam a
eucaristia implica necessariamente uma mudança doutrinal. Que ninguém se iluda
a este respeito. De Paolis salienta que, na teologia católica, a “disciplina”
se refere a algo mais amplo do que as leis humanas. Por exemplo, “a disciplina
inclui a lei divina, como os mandamentos, que não estão sujeitos à mudança,
embora não sejam diretamente de natureza doutrinal... A disciplina com
frequência inclui tudo aquilo ao qual o crente deve se sentir comprometido em
sua vida se desejar ser um discípulo fiel de Nosso Senhor Jesus Cristo” (pg.
206). Por isto, a distinção entre a disciplina dos sacramentos e a doutrina
católica não é tão clara como muitos pensam que seja ou gostariam que fosse.
No sétimo
capítulo deste volume, o Cardeal Carlo Caffarra salienta as razões pelas quais
a proposta de Kasper necessariamente envolve uma mudança doutrinal e não
somente na disciplina sacramental. Ele nota que de acordo com “a tradição da
Igreja, fundada nas Escrituras (veja 1Cor 11, 28), ... a comunhão com o Corpo e
com o Sangue do Senhor requer que os que dela participarem não encontrem em
contradição com o que recebem”. O Cardeal conclui que “o status [ênfase no original] do
divorciado e civilmente recasado está em contradição objetiva com o vínculo de
amor que une Cristo e a Igreja, que é significado e atualizado na
Eucaristia”(pg. 175).
Caffarra
explica que na visão católica, o matrimônio consiste num vínculo que não é
simplesmente moral, mas ontológico, porque o Cristo é integrado dentro
matrimônio. “A pessoa casada está ontologicamente... consagrada a Cristo,
conformada a ele. O vínculo conjugal é colocado em existência pelo próprio
Deus, através do consentimento dos dois (esposos)”. Caffarra concede que, se o
vínculo marital fosse somente moral e não ontológico, ele poderia ser
dispensado. No entanto, dada a natureza ontológica do vinculo sacramental, “o
cônjuge permanece integrado em um tal mistério, mesmo se o cônjuge, por uma
decisão posterior, atacasse o vínculo sacramental entrando em um estado de vida
que o contradiga”(pg. 175; ênfase no original). Como consequência, a admissão
de católicos divorciados e recasados ao sacramento da penitência e à Eucaristia
significaria não somente uma mudança na prática sacramental e na disciplina;
ela introduziria uma contradição fundamental na doutrina católica a respeito do
matrimônio, e por consequência também a respeito da Eucaristia.
Caffarra
vê na proposta de Kasper outras consequências para a doutrina da
indissolubilidade do matrimônio. Ele argumenta que a admissão de católicos
divorciados e civilmente recasados ao sacramento da penitência e da Eucaristia,
mesmo sob as condições restritas sugeridas por Kasper, iria essencialmente
“reconhecer a legitimidade moral do convívio more
coniugali [como
marido e mulher] com uma pessoa que não é o verdadeiro cônjuge” (pg. 176) e
“convenceria, não somente o fiel, mas qualquer pessoa que prestasse atenção da
ideia que, no fundo, não existe casamente absolutamente indissolúvel, [e] que o
‘para sempre’, ao qual aspira todo verdadeiro amor, é um ilusão”(pg. 179).
Em seu
livro Kasper levanta duas outras opções para que se permita aos católicos
divorciados e recasados se aproximem do sacramento da penitência e da
Eucaristia: um apelo à epikeia (presunção de que a lei não deveria ser aplicada em
um caso particular por causa das circunstâncias atenuantes), e a aplicação do
princípio moral da prudência. No entanto, o Cardeal Caffarra levanta a objeção
que um apelo à prudência não pode ser feito neste caso, porque “aquilo que em
si mesmo é... intrinsecamente ilícito nunca pode ser objeto de juízo
prudencial”. Em outras palavras, “não pode existir um adultério prudente”.
Caffarra defende que “também a referencia à epikeia é sem fundamento” (pg. 177). Como
uma virtude, a epikeia só pode ser aplicada às leis humanas. Mas as leis
que dizem respeito à indissolubilidade do matrimônio, a proibição do adultério,
e o acesso à Eucaristia são leis divinas (veja Mc 10, 9; Jo 8, 11; 1Cor 11,
28). A Igreja não pode isentar o fiel da obrigação de obedecer a lei de Deus.
Os procedimentos canônicos que regem a declaração
de nulidade
O Cardeal
Kasper também sugere que no caso dos fieis que sejam divorciados e recasados
civilmente, o processo jurídico da Igreja que rege a declaração de nulidade
sejam simplificados. Especificamente, Kasper sugere a adoção de “procedimentos
mais pastorais e espirituais”. Ele propõe que, no lugar de tribunais diocesanos
para o matrimônio, “o bispo poderia confiar esta tarefa a um sacerdote com
experiência espiritual e pastoral como um penitenciário ou um vigário
episcopal”. No capítulo nove deste volume o Cardeal Leo Raymond Burke se serve
da extensa legislação e comentários dos Papas , assim como da experiência da
Signatura Apostólica, para explicar porque a sugestão de Kasper, se adotada,
enfraqueceria o esforço da Igreja de garantir a justiça para com os fieis.
Burke faz
notar que os fieis são mal servidos pelos tribunais que caem “em um tipo de
pragmatismo pseudo-pastoral”, e então cita São João Paulo II, que “chamou a
atenção exatamente que se evitasse a tentação de explorar o processo canônico
‘para poder alcançar o que talvez seja uma finalidade “prática”, que talvez
poderia ser considerada “pastoral”, mas isto em detrimento da verdade e da
justiça’” (pg. 215). Burke enfatiza que se os tribunais derem a impressão de
que sua principal finalidade é capacitar as pessoas com matrimônios falidos
possam se casar outra vez na Igreja, oferecendo explicações superficiais ou
errôneas, ou até mesmo utilizando procedimentos incorretos, os fieis ficarão
“desedificados ou até mesmo escandalizados” (pg. 217).
No
coração do procedimento canônico que tem por finalidade estabelecer a verdade a
respeito de uma demanda de nulidade em um caso específico de matrimônio é um
processo dialético conhecido com o nome de contradictorium. Ele encarna o princípio et
audiatur altera pars (e que a
outra parte seja ouvida). Burke explica que este princípio determinou
historicamente os procedimentos canônicos atualmente em uso nas declarações de
nulidade, incluindo a necessidade de um defensor do vínculo e de uma dupla
sentença conforme. Ele defende que estes avanços contra a acusação de “pesado
juridicismo” (pg. 226) tendo como base o fato de que eles fortificam o processo
dialético que, por sua vez, garante que o tribunal possa chegar a uma “certeza
moral” (pg. 229) de que a nulidade do matrimônio foi comprovada. Burke afirma
que os defensores do vínculo com muito frequência foram negligentes em cumprir
suas obrigações, tendo como resultado uma falta de integridade no processo
jurídico. Se todos os ministros do tribunal, incluindo os juízes, fossem mais
escrupulosos no desempenho de suas responsabilidades, “o processo de se
alcançar uma dupla sentença concorde, com o grau de ratificação, não levaria
muito tempo” (pg. 236).
Sentido dos Fieis (Sensus fidelium)
Perto do
final de seu livro, o Cardeal Kasper cita famoso ensaio do Bem-aventurado John
Henry Newman “Sobre a Consulta dos Fieis em Matéria de Doutrina”, e ele se
refere à anedota atribuída a Newman “que, na crise Ariana do IV e do V
séculos, não foram os bispos, mas ao contrário os fieis que perseveraram na fé
da Igreja”. Kasper celebra Newman como um “precursor do Concílio Vaticano II” e
relaciona o seu ensaio com a afirmação do Concílio a respeito do “sentido da fé
que é dado a cada cristão por força do Batismo”. A maior parte dos
comentaristas do ensaio de Newman toma erroneamente a compreensão que Newman
tinha de “fieis” como referindo-se somente ao “laicato”. Mas como faz notar Ian
Ker, um eminente especialista em Newman, o beato incluía os sacerdotes e os
monges entre os “fieis” de seu argumento, de tal forma que a distinção que ele
fazia não era entre clero e laicato, como muitos hoje creem. Além do mais, os
historiadores discordam da versão de Newman daquela controvérsia e insistem
que, porquanto nos é dado conhecer a posição dos fieis da Igreja primitiva
durante a questão ariana, em sua maior parte eles tendiam a aderir à visão de
seu bispo local, qualquer que fosse sua posição. Não foi, portanto, o laicato o
responsável pela vitória da fé nicena sobre a ariana. Mesmo assim, Kasper forja
uma analogia o “fiel” de Newman e o laicato casado na atual Igreja, que ele
contrasta com os Cardeais “celibatários” no Consistório, porque os leigos
“vivem a sua fé no evangelho da família em famílias concretas e algumas vezes
em situações difíceis”. Ele então pede à Igreja que “escute o seu testemunho” e
não permita que a questão dos divorciados e recasados “seja decidida somente
por cardeais e bispos”.
No
entanto, o “sentido dos fieis” não pode ser compreendido na teologia católica
como uma expressão da opinião majoritária dentro da Igreja, e a ele não se
chega através de pesquisas de opinião. Ele se refere a um instinto pela fé
autêntica possuído pelos fieis, compreende-se aqui tanto a hierarquia como o
laicato, como o único corpo de Cristo. Newman se referia a esta dinâmica como
uma conspirativo, uma respiração conjunta de pastores e leigos. Por
isto, enquanto seria errôneo sugerir que os fieis leigos carecem de um instinto
da fé autêntica, é um abuso empregar o conceito numa tentativa de contrapor uma
suposta “voz dos leigos” seja contra os bispos, seja contra os ensinamentos da
Igreja. Estes princípios não constituem uma visão conservadora isolada. Cada um
deles foi articulado pelo Concílio Vaticano II e pelos papas posteriores desde
então, mais recentemente pelo próprio Papa Francisco em seu discurso de Dezembro
de 2013 à Comissão Teológica Internacional.
Conclusão
Os
autores deste volume, juntos, defendem que o Novo Testamento apresenta Cristo
que inequivocamente proíbe o divórcio e o segundo casamento tendo como
fundamento o plano original de Deus para o matrimônio em Gênesis 1, 27 e 2, 24.
A solução “misericordiosa” de divórcio advogada pelo Cardeal Kasper não é
desconhecida “na Igreja antiga, mas virtualmente nenhum dos escritores que
chegaram até nós ou que nós consideramos como fonte de autoridade a defendem;
ao contrário, quando a mencionam é para condená-la como sem base nas
Escrituras. Não há nada de surpreendente nesta situação; abusos podem acontecer
ocasionalmente, mas a sua mera existência não é garantia de que não sejam
abusos, quanto menos que sejam modelos a serem seguidos” (pg. 82). A atual
prática Ortodoxa oriental da oikonomia em casos de divórcio e novo
casamento tem, grosso modo, sua origem no segundo milênio e surgiu como
resposta a uma pressão política na Igreja por parte dos Imperadores bizantinos.
Durante a Idade Média e também depois, a Igreja Católica no Ocidente resistiu a
estes esforços com bastante sucesso e o fez pagando o preço do martírio. A
praxe Ortodoxa oriental da oikonomia não é uma tradição alternativa à qual a Igreja
Católica possa apelar. Oikonomia, neste contexto, tem como base uma visão de
indissolubilidade do matrimônio que não é compatível com a teologia católico
romana, que compreende o vínculo matrimonial como enraizado ontologicamente em
Cristo. Assim, o casamento civil após o divórcio envolve uma forma de
adultério, e isto faz com que a recepção da Eucaristia seja moralmente
impossível (1Cor 11, 28), a não ser que o casal pratique a continência sexual.
Estas não são uma série de regras confeccionadas pela Igreja; elas constituem
lei divina, e a Igreja não pode mudá-las. À mulher flagrada em adultério,
Cristo disse, “Vai e não peques mais”(Jo 8, 11). A misericórdia de Deus não nos
dispensa de seguir os seus mandamentos.
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Fonte: Robert DODARO, OSA (ed.), Remaining in the Truth of Christ, Ignatius
Press, San Francisco, 2014, The Argument in Brief. Tradutor: Padre Paulo Ricardo
(tradução não revisada)
Disponível em: Apologistas Católicos
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