Os Estados mais
pobres do país são os que mais gastam com seus parlamentos. Um levantamento
feito pela ONG Transparência Brasil mostra que quanto menor o Produto
Interno Bruto (PIB) do local, maior é o gasto com as Assembleias
Legislativas. O mesmo vale para as Câmaras Municipais das capitais.
Dessa forma,
cada cidadão de Roraima acaba pagando anualmente 352 reais para garantir o
funcionamento de sua principal casa de Leis, que tem 24 deputados estaduais. O
valor é 15 vezes maior do que em São Paulo, onde há 94 parlamentares e o
contribuinte paga, por meio dos impostos, 23 reais anuais.
A explicação
para essa disparidade está, conforme especialistas, na estrutura semelhante
para Estados completamente distintos. Por exemplo, o salário dos parlamentares
é igual em 25 das 27 unidades da federação, independentemente de quão pobre é a
região. Algo que não ocorre no mercado formal. O valor é de 25.322 reais, 75%
do que recebe um deputado federal, conforme prevê a legislação, que define um
teto salarial. Além disso, esses parlamentares também recebem uma série de
benefícios que eles mesmos estipulam para si e acabam inflando seus
vencimentos. “Parece que há alguma distorção. A pergunta que a gente faz é: por
que em Estados e municípios pobres um deputado estadual e um vereador precisam
receber uma verba tão grande que é maior do que um representante de um Estado
mais rico? Será que é necessário para as atividades parlamentares usar essa
verba toda ou será que isso ocorre porque há menos fiscalização e pressão
nesses Estados e municípios?”, analisa a diretora-executiva da Transparência Brasil,
Natália Paiva.
Verbas
indenizatórias sem controle
Em alguns casos,
esses benefícios não precisam nem mesmo de comprovação do gasto, apesar da
rubrica denominada para pagar esse valor se chamar verba indenizatória. No Mato
Grosso e no Ceará os deputados recebem, respectivamente, 65.000 e 33.000 reais
diretamente em suas contas para gastar como bem entenderem, segundo o relatório
da ONG. Eles não precisam apresentar nenhuma nota fiscal ou comprovante, como
em outras Assembleias, para gastar esse dinheiro que geralmente é utilizado em
deslocamento, com passagens ou com hospedagem, entre outros.
"É
extremamente grave o uso dessas verbas sem controle, inclusive porque elas não
são tributáveis. Sem uma fiscalização, alguns políticos podem acabar utilizando
esse dinheiro para turbinar a atividade política pessoal. Os limites entre o
público e privado ficam muito cinzentos", ressalta o cientista político da
FGV Marco
Antônio Teixeira.
Na Assembleia
mato-grossense há um agravante, até funcionários com cargos comissionados, como
consultores de jurídicos, podem usar a verba indenizatória, que chega aos
15.000 reais. “O funcionamento do trabalho legislativo demanda muitas situações
que o senso comum não observa. Talvez o recurso seja necessário, mas se não
precisa prestar contas, como vamos saber se a sociedade precisa mesmo pagar uma
conta tão alta?”, pondera o professor de ciência política Cleber Ori Cuti Martins,
da Universidade Federal de Santa Maria.
Um outro caso
que chamou a atenção das pesquisadoras da Transparência Brasil foi no
Rio Grande do Norte. Lá os deputados estaduais podem destinar 24.000 reais
anuais para qualquer entidade cultural ou social do Estado. É um benefício sem
nenhum tipo de concorrência ou licitação. É uma clara atitude de
“apadrinhamento e compra de apoio político”, na visão de Paiva. “É uma deturpação da atividade
parlamentar”, afirma.
Se não bastassem
todos esses gastos, deputados de ao menos outras cinco Assembleias ainda
recebem gratificações por simplesmente fazerem o seu próprio trabalho. Em
Roraima e em Rondônia, por exemplo, participar de comissões parlamentares rende
um acréscimo salarial que varia de 20% a 80% dos vencimentos.
Para Teixeira,
em termos jurídicos, é bastante questionável receber um extra por empenhar
funções em comissões. "Como parlamentar já se espera que a pessoa ocupe
outras atividades. Ela pode virar líder da comissão, da bancada, mas ter uma
verba adicional não faz o menor sentido. Todas as funções fazem parte da
atividade parlamentar", pondera o cientista político.
Ilhados
Em seu
relatório, a Transparência
Brasil caracterizou a diferenças dos gastos dos parlamentos
mais pobres como irracionais. Na comparação entre as Câmaras, ele cita: Natal,
tem a metade do PIB per capita de Curitiba, mas empenha com seus vereadores o
dobro da capital paranaense.
De acordo com o
levantamento, a média do PIB das 13 capitais mais ricas é de 35.306 reais por
ano. A quantia é mais do que o dobro das 13 capitais mais pobres, (que tem
média de 15.953 reais). As Câmaras Municipais destas, no entanto, gastam por
vereador 16% a mais com salários, auxílios e verbas indenizatórias do que as
capitais com os maiores índices de PIB per capita.
A disparidade
contribuiu para aumentar um descrédito da classe política. “O que fica bastante
claro é que os gastos desproporcionais dos parlamentares brasileiros acabam
contribuindo para o desgaste da classe política”, avalia Paiva.
Martins,
por sua vez, acredita que o parlamento brasileiro esteja isolado da sociedade
que ele representa. “Os Legislativos operam como uma ilha que não tem relação
com a sociedade. Em geral, estão isolados porque poucos sabem detalhes sobre o
funcionamento e sobre o que fazem os deputados. Há um senso comum muito
depreciativo. Só a fiscalização e a participação popular pode mudar isso”.
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Por Afonso Benites e Heloísa Mendonça
Fonte: El País
Disponível em: Instituto Humanitas Unisinos
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