Os terroristas que assassinaram na França gritavam
ao matar: Alah akibah - Deus é grande! O Deus dessa gente é apenas um deus, um
ídolo maldito, simulacro que deforma a verdadeira face de Deus! O Deus
verdadeiro é o Autor e Mantenedor de toda a vida, o Deus verdadeiro é Vivo e
Vivificante!
Nenhuma religião verdadeiramente monoteísta - que
confesse e adore ao Deus único, transcendente, santo, soberano, poderoso,
infinito, misericordioso - pode reduzir o Deus verdadeiro a um idolozinho que
se compraz com o derramamento de sangue: sangue por sangue, morte por morte,
violência por violência!
Já deveríamos ter aprendido com a história de
nossos erros que nunca se deve matar em nome de Deus - morrer sim, matar nunca!
Quem grita "Deus é grande" deve testemunhar o que já dizia Santo
Irineu no século II: "A glória de Deus é o homem vivo!". Qualquer
crente que verdadeiramente tenha uma percepção da santidade e infinitude do
Único pode e deve subscrever as comoventes palavras do Livro da Sabedoria:
"Teu grande poder está sempre ao Teu
serviço,
e quem pode resistir à força do Teu
braço?
O mundo inteiro está diante de Ti
como esse nada na balança,
como a gota de orvalho que de manhã cai
sobre a terra.
Mas Te compadeces de todos, pois tudo
podes,
fechas os olhos diante dos pecados dos
homens,
para que se arrependam.
Sim, Tu amas tudo o que criaste,
não Te aborreces com nada do que fizeste;
se alguma coisa tivesses odiado, não a
terias feito.
E como poderia subsistir alguma coisa,
se não a tivesses querido?
Como conservaria sua existência, se não a
tivesses chamado?
Mas, a todos poupas, porque são Teus:
Senhor, Amigo da vida!" (Sb
11,21-26)
Na verdade, não foi em Nome de Deus que esses
assassinaram! Foi em nome de um fanatismo, de revertidas ideias totalitárias,
que sempre matam, sejam em política - como na Coreia do Norte ou Cuba ou
Venezuela -, seja em religião - como os fanáticos de quaisquer religiões -,
seja em qualquer outro âmbito da existência.
As convicções que cada um tenha - e deva ter -,
devem dar-se no limite da convivência respeitosa com os que pensam de modo
diverso. Jamais se pode ferir a consciência de alguém, o direito à livre
expressão das opiniões e a liberdade de ação, desde que dentro do respeito mútuo
numa sociedade que se deseje realmente pluralista e democrática, na qual a
pessoa seja o valor central.
A questão é: o Islã está preparado para isto?
A resposta, por enquanto, deveria ser clara,
serena, respeitosa e realista: NÃO! O Islã ainda não está pronto para as
liberdades democráticas e a liberdade religiosa! Enquanto o mundo ocidental
tiver medo de enxergar e admitir isto claramente, estaremos todos em perigo!
O Islã e o
Ocidente
Recomendo a todos a leitura da aula do Papa Bento XVI em Ratisbona, em 2006. Naquela ocasião, as palavras do então Papa foram
deturpadas, tiradas do seu contexto e truncadas na sua intenção.
Na verdade, numa análise profunda e abrangente,
entre outras coisas importantes, o Papa queria chamar atenção para a absoluta
necessidade de manter conexas a noção da transcendência de Deus com o Logos, do
qual o logos humano é pálido, mas real reflexo.
Bento XVI chamava atenção para o perigo existente
no Islã de considerar Deus-Alah tão transcendente que está para além da noção
de bem e de mal. Alah poderia, então, ordenar o mal, a perversidade, o arbítrio
cego e basta: porque é transcendente, porque é Deus deve ser cegamente obedecido...
O Papa previne: tal concepção termina por negar
Deus! Se Deus é transcendente e absoluto, é também "lógico", tem em
Si um Logos divino, uma razão divina, que pode ser percebida como por reflexo
nas noções em nós presentes como a bondade, a beleza, a justiça, a verdade...
Certamente em Deus tais noções são infinitamente perfeitas e plenamente
presentes. Uma transcendência que pensasse Deus para além do bem e do mal,
somente chegaria a um monstro, um ídolo sedento de sangue! Eis o que vimos em
Paris!
Bento XVI estava correto! Ao Islã falta passar,
como o cristianismo passou, pelo caldo das universidades medievais, do
humanismo, da reforma protestante, do racionalismo, da Revolução Francesa, da
crítica da religião...Tudo isto foi purificando a nossa consciência religiosa,
o nosso modo de viver a fé! No célebre diálogo com Habermas, em janeiro de
2004, em Munique, Ratzinger deixava claro precisamente isto, dito por mim agora
de modo um tanto livre: que a razão - até a razão ateia - ajuda a religião a
purificar continuamente a imagem que tem de Deus, enquanto a religião - ou a
razão religiosa - convida e provoca a razão ateia a que se abra ao
transcendente e não fique presa numa imanência castradora.
O Islã é totalmente teocrático; suporta com
impaciência uma laicidade da sociedade, ainda quando esta é sadia e não
degenerada em laicismo. Assim fica muito difícil pensar a integração de
multidões de muçulmanos na sociedade ocidental. As consequências serão
imprevisíveis...
O Ocidente:
uma civilização em declínio
Neste triste momento desses atentados terroristas -
não os primeiros, não os últimos, infelizmente -, é preciso que se diga
claramente que aparece, exposta como uma ferida supurante, a decadência
ocidental.
A Europa - e pouco a pouco, as outras nações
ocidentais - renega suas raízes cristãs, sua matriz cultural. Depois, num
criticismo doentio, menospreza-se a si mesma, deixando-se sufocar por uma
ideologia politicamente correta, na qual se recrimina de modo inclemente toda a
história da civilização ocidental e se exalta artificialmente tudo que é de
fora.
Hoje, vê-se uma Europa cansada, frágil pela falta
de uma identidade cultural, atada ao politicamente correto que lhe foi
sorrateiramente imposto, refém de uma ideologia imanentista, hedonista,
consumista e indiferente ao cristianismo que a constituiu na sua identidade. A
liberdade individual depauperada em libertinagem e arbítrio da subjetividade, a
busca egoísta de um bem-estar que chega a construir a vida sem compromisso com
valores como família, matrimônio, procriação, prática religiosa efetiva... Tudo
isto vai tornando a Europa e a civilização ocidental numa presa fácil daqueles
que a odeiam e desejam destrui-la. Triste mesmo, porque este processo, já avançado na
Europa e a passos largos nos Estados Unidos, vai também abrindo estrada por
aqui, entre nós...
Ai da civilização que renega suas raízes e trai
seus valores fundantes: perde a identidade, perde a perspectiva e se degenera
até o desaparecimento...
Dom Henrique
Soares
Bispo de
Palmares - PE
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