A
misericórdia exige um processo de educação. Ela é resultado do seguimento de
Jesus Cristo, como um discípulo que, à medida que caminha com seu Mestre,
aprende dele seu jeito de viver. Neste processo, é importante discernir a
verdadeira misericórdia da falsa misericórdia. Isto porque a misericórdia pode
ser compreendida e também utilizada de modo errado. Ela pode servir de
“amaciador da ética cristã” (W. Kasper, A misericórdia, p.180), permitir um
estilo de vida descompromissado e sem limites, afinal, Deus sempre será bom e
compassivo.
A fé
cristã nos mostra Deus que continua a nos amar sempre, mesmo quando erramos,
pecamos. Isto não significa que Deus aprova o erro. “Não quero a morte do
pecador, e sim, que ele se converta e viva.” (Ez 18,23). Porém, Deus não
protege o pecador no seu erro ou se importa mais com o autor do que com a
vítima em casos de injustiça. A proteção das vítimas é o primeiro dever da
misericórdia. Pior ainda, quando em nome da misericórdia, os erros e até
delitos não são tratados com o rigor devido. Neste sentido, como em tudo na
educação, parte-se da verdade.
A
pseudomisericórdia pode, também, tomar as vestes da tolerância e da
complacência. Quando os pais, para agradar, cedem tudo para os filhos e
negociam os valores, então não estão sendo misericordiosos. Assim, também,
quando por aparente misericórdia e falsa bondade, na educação não se exige como
se deveria, consentindo até em pequenos ou grandes desvios de conduta. Não há
crescimento sem sério empenho, com limites. E quando se trata da necessidade de
conversão, normalmente é um processo exigente e com um longo percurso. A
misericórdia se manifesta na acolhida do pecador, ajudando-o a reconhecer sua
culpa, a confiar na misericórdia de Deus e acompanhá-la no caminho de
conversão. São Paulo nos diz que não podemos ser indiferentes diante dos
outros, mas por amor e misericórdia, somos responsáveis uns pelos outros:
“Ensinai-vos e admoestai-vos uns aos outros.” (Cl 3,16). Ser misericordioso é,
também, saber dizer “não” e corrigir. Disse Jesus à mulher pecadora: “Ninguém
te condenou. Eu também não te condeno. Vai e não tornes a pecar.” (Jo 8,11).
Quando,
falsamente, se compreende a misericórdia de maneira unicamente sentimental, com
facilidade pode-se transgredir a exigência da justiça. Por exemplo: diante da
dor de um doente terminal, ser misericordioso não é ajudá-lo a cometer
suicídio. A misericórdia não anula a justiça e a verdade. A Parábola do Juízo
Final (Mt 25,31-46) descreve de maneira muito real como não pode existir uma
falsa misericórdia. Ali, Jesus fala das exigências da misericórdia, sem
meio-termo.
Enfim,
ser misericordioso não significa ser “bonzinho”. Na verdade, é a medida máxima
da vida cristã e, por isso, exigente.
Dom Adelar Baruffi
Bispo de Cruz Alta
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