Jesus
exorta os discípulos: “Ficai preparados! Porque na hora em que menos pensais, o
Filho do homem virá”. O contexto, conforme o Evangelho da Missa - Mt 24, 37-44
- é de reflexão sobre a “Parusia”, isto é, sobre a segunda vinda de Jesus
Cristo à terra. A volta do Senhor na sua glória era esperada para logo pelos
cristãos da comunidade primitiva. Mateus conta que Jesus mesmo tratou com os
discípulos a questão do seu retorno ao mundo, usando três imagens. O dilúvio de
Noé; homens e mulheres trabalhando; o ladrão que vem sem avisar. O dilúvio veio
como surpresa quando todos comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento.
Dois homens estarão trabalhando no campo e um será levado o outro deixado, duas
mulheres estarão moendo no moinho e uma será levada e outra deixada. Quanto ao
ladrão, o dono da casa ficaria vigiando se soubesse a hora em que ele viria
arrombá-la. Por estas imagens, o dia do Senhor chegará de surpresa sem que se
saiba o dia e a hora, virá de forma imprevisível e em circunstâncias incertas.
Por isso, Jesus insiste com os discípulos, dizendo-lhes: “Vigiai!”.
Hoje, na Igreja, começa o ano
novo de 2017. É o primeiro domingo do Advento, uma palavra latina que significa
“chegada, vinda”. Durante as quatro semanas do Advento, a Liturgia nos ajuda na
preparação do Natal. Este é, portanto, um tempo de conversão e
purificação para bem celebrarmos o mistério da encarnação do Salvador, um tempo
de piedosa e alegre expectativa daquele que haverá de chegar. O Advento recorda
as duas vindas de Jesus Cristo: a sua primeira vinda na história, nascido de
uma Virgem, e a sua segunda vinda futura na glória, nascido desde a eternidade.
Este primeiro domingo do Advento como vimos acima foca a segunda vinda de
Cristo. Conforme Jesus conclui, precisamos andar sempre vigilantes para o
encontro com Deus e a recepção de Cristo no Natal, mas também em cada dia da
vida, pois o Senhor estará sempre perto de nós e bate à nossa porta. A nossa
oração deve resumir-se em insistente súplica: Vinde, Senhor Jesus, vinde nos salvar
e desenvolver neste mundo, fazendo-o florescer, o Reino de Deus, reino de
justiça, paz e amor que instaurastes desde a vossa primeira vinda entre nós.
Li na Folha de São Paulo,
terça-feira desta semana, um comentário de um livro em inglês sobre a “Inveja”
(Envy) feito por João Pereira Coutinho. O articulista elogia o livro, pelo que
não inveja Joseph Epstein que o escreveu. O comentarista resume o pensamento de
Joseph Epstein. Em poucas palavras lá está dito que a inveja é a ovelha negra
da alma. Quanto aos outros seis pecados capitais, vá lá que todos os humanos
neles caem ou deles gozam numa boa, menosprezando as quedas e relativizando o
seu valor. Mas, quanto à inveja, ninguém tem. Admiti-la seria reconhecer um
defeito grave de caráter insuportável que corta fundo na alma. Mas, a inveja
existe como invejar os amigos mais brilhantes, mais ricos, o prêmio que foi
para outros, o aplauso que não foi para mim, etc. Todo esforço para não
tropeçar na inveja é preciso. O livro recorda que Caim matou Abel por inveja.
Não li o livro, mas certamente o autor deve ter lembrado que o primeiro pecado
no paraíso foi de inveja. Nossos primeiros pais tanto invejavam a Deus que
queriam ser iguais a Ele. Foi por essa fresta que a serpente insidiosamente
entrou em sua alma e a incendiou, e eles comeram do fruto proibido. Deu no que
deu. O diabo continua a bagunçar a nossa alma instilando o desejo de ser como
os outros que invejamos ou de ter o que eles têm e nós não temos, constata o
escritor. Quando te vem essa pergunta na cabeça: “Por que não eu?”, é sinal que
o diabo da inveja está te atenazando. Ambos os escritores reconhecem que todos
nós temos os nossos momentos de inveja. Convém estarmos atentos. O articulista
do jornal comenta que o autor do livro não explica de onde vem o diabo da
inveja. Mas ele desconfia que venha do medo humano, do fracasso, da solidão e
do esquecimento. Talvez o princípio de salvação, segundo diz, seja “saber que
aquilo que nos humilha não é o sucesso dos outros, mas o covarde que há em
nós”.
Tenho duas observações a fazer.
Primeiro, os autores do livro e do comentário traduzem bem a mentalidade em
voga, o pensamento dominante em nosso mundo, hoje. Então, é preciso reagir a
essa situação. Dos sete pecados capitais parece que seis já não são tão “capitais”
assim como no passado. Orgulho, ganância, luxúria, gula, ira, preguiça. Todos
podem tê-los com orgulho e satisfação, como eles dizem. A inveja, porém, é
outra história, a qual não é tolerada “porque seria uma confissão de
inferioridade, uma revelação torpe de caráter”, pior ainda se for admitida por
covardia. Em outras palavras, é uma humilhação pública vergonhosa que corta a
alma. Como fica na fotografia um invejoso? Insuportável. De acordo com esse
pensamento, o critério, portanto, não é mais de ordem moral, ética, de pecado,
de virtude. O critério é estético. Inclusive o medo não é de infringir uma
norma moral, de ofender a Deus, mas é do fracasso, da imagem, da aparência
diante dos outros. Segundo, tendo em vista a convocação de Jesus feita no Evangelho
de hoje de “vigiar sempre”, de “estar preparados”, somos desafiados a contrapor
a estes tempos modernos, laicos e seculares, o testemunho de uma vida conforme
os valores da nossa fé e moral cristã. Vigiar é também reagir contra esse
espírito mundano que vem tomando conta de nossa sociedade e tornando-a
insensível ao sofrimento das pessoas. A verdadeira religião é amar a Deus acima
de tudo e ao próximo, especialmente, ao faminto, ao humilhado, ao pobre, ao
sofredor, como Jesus os amou. Eu, por mim, desconfio que o que nos humilha não
é o sucesso dos outros, nem a nossa covardia, mas, além da falta de humildade a
nossa pobreza em praticar as obras de misericórdia. Só a humildade e o amor
enfrentam o medo e a covardia, e afastam a humilhação.
Dom
Caetano Ferrari
Diocese
de Bauru, SP
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