Há,
nos evangelhos, uma exortação de Jesus que nos parece estranha, até mesmo
incompreensível para muitos: "Fazei amigos com o dinheiro iníquo, que vos
receberão nas moradas eternas" (Lc 16,9).
De que amigos o Senhor nos está falando?
E
esta coisa de dinheiro iníquo? Devemos nós, de algum modo, possuir dinheiro
iníquo?
Fazer
amigos com o dinheiro iníquo não é, precisamente, o que mais vemos nos
escândalos de corrupção que carcomem a política do nosso País?
Estaria
Nosso Senhor corroborando atitudes vis, mesquinhas, até maquiavélicas,
justificando meios tortos para fins proveitosos?
Primeiro
de tudo: de qual dinheiro está falando o Senhor?
Dinheiro, portanto, são minhas riquezas. Todos estes bens são chamados “dinheiro” porque são uma forma de riqueza: proporcionam segurança e apoio na vida. Todas estas coisas nos definem e nos dão o horizonte no qual vivemos nosso cotidiano, nos dão segurança, configuram nossa identidade.
Note que, de certo modo, todos temos alguns desses dinheiros, todos somos ricos de algo! Ninguém de nós pode, calmamente, ao escutar o Senhor falar em dinheiro, em riqueza, pensar: “Isto não diz respeito a mim, pois não sou rico!”
As palavras do Senhor sempre dizem respeito a todos nós!
Mas,
se é isto o "dinheiro", por que, então, Jesus o chama de iníquo?
Tenho culpa de ser jovem? Que iniquidade há num talento que tenho - aliás dado
pelo próprio Deus? E os bens materiais que ganhei com meu trabalho, por que seriam
iníquos?
Jesus não chama nossos bens de desonestos; chama-os iníquos. E por quê? Porque tudo neste mundo é ambíguo, tudo neste mundo pode tomar o lugar de Deus no meu coração! Eu posso endeusar minha saúde, meus amigos, meus talentos; posso absolutizar meus bens materiais, meu trabalho, minha fama, meu sucesso. Assim fazendo, permitiria que coisas deste mundo fossem o sentido e o referencial da minha existência, desviaria minha vida da sua verdade: vivemos por Deus e para Deus; cairia na mentira, numa vida de ilusão!
Não esqueçamos, não sejamos ingênuos: as realidades deste mundo – todas elas –
são ambíguas, pois trazem a séria ameaça de se tornarem um absoluto, a ponto de
alguém chegar mesmo a pensar: Meu trabalho é minha vida; minha família é minha
vida! Toda riqueza que possuamos nos deve colocar em estado de alerta para a
ela não apegarmos de modo escravizador o coração.
Por isso tais realidades são chamadas de “injustas" pelo Senhor, ainda que em si mesmas nada tenham de desonestas ou pecaminosas.
Por
tudo isto é que no mesmo contexto do Evangelho, somente alguns versículos
depois (v. 13), Jesus afirma que ninguém pode servir a dois senhores: ou coloco
minha vida no Deus verdadeiro ou, ao invés, transformo bobamente em deus o que
não pode me dar a vida verdadeiramente. Isto mesmo: Quem é o Deus da minha
vida, quem é o Absoluto do meu coração: O Senhor ou estas coisas? Note, meu
Amigo paciente, que esta questão é fundamental na nossa vida. Dela depende
vivermos na verdade ou numa triste mentira!
Ainda
seguindo a exortação do Senhor, podemos perguntar: Como fazer “amigos” com esse
“dinheiro”? Como usar os bens deste mundo, os talentos que tenho, as chances
que a vida me concedeu, de modo a ser livre em relação a eles e não roubar o
lugar no meu coração que somente a Deus pertence por direito e por verdade?
Eis a resposta: usando todas estas realidades de modo livre e libertador, sem
absolutizar o que é relativo, sem endeusar o que é passageiro, o que é fugaz, o
que não pode preencher totalmente o coração; sabendo utilizar para o bem dos
outros aquilo que o Senhor e a vida me concederam; em outras palavras: passar
por esta vida fazendo o bem aos que nos rodeiam, sendo generoso no uso dos dons
que o Senhor nos concedeu! São estes os “amigos”, por nós beneficiados, que
darão testemunho de nós diante do Cristo juiz, recebendo-nos, assim, nas
moradas eternas.
Estejamos atentos: que saibamos usar os bens que passam, de modo a abraçar os que não passam, pois é bem usando estas coisas pequenas que receberemos a grande coisa: a Vida eterna!
No
Evangelho, há o contraponto desta generosidade, que ilustra bem a loucura de
viver para si.
Recorda-se daquele rico da parábola de Lc 12,13ss? Ele teve boa colheita e pensou consigo mesmo: “Meu caro, tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, goza a vida”. Veja: esse homem não roubou, não explorou ninguém, trabalhou... E foi condenado! Por quê? Simplesmente porque não foi rico para Deus e para os outros! Não pensou em agradecer ao Senhor pelo que adquirira, não lhe passou pela mente dar uma mínima ajuda a quem necessitava, não cogitou das algo ao empregados que lhe serviram... Nada! Pensou somente nele! A sentença do Senhor é implacável: “Tolo! Ainda nesta noite, tua vida te será tirada. E para quem ficará o que acumulaste?” E o Senhor nos previne, a mim e a você: “Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não se torna rico diante de Deus!” (Lc 12,21).
Dom
Henrique Soares da Costa,
Bispo
de Palmares - PE
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