A primeira parte do Tempo Advento nos insere na dinâmica da espera da
segunda vinda de Cristo, da Parusia. Jesus há de vir pela segunda vez! Ele “tem
na mão a pá, limpará sua eira e recolherá o trigo ao celeiro. As palhas, porém,
queimá-las-á num fogo inextinguível” (Mt 3,12). Essas palavras em lugar de
infundir medo, são portadoras de esperança. Por outro lado, se na consumação do
fim dos tempos todos fossem tratados por igual, não se manifestaria a justiça
de Deus nem a importância que tem a liberdade humana. Não podemos dizer que o
trigo é a mesma coisa que a palha, pois isso iria contra a verdade. O mesmo se
diga da diferença entre uma pessoa que procura comportar-se de tal maneira a
ser trigo para Deus de outra cuja vida está cheia de palha.
Mas, como foi dito, tudo isso é motivo de esperança: podemos ser trigo
de Deus! Ainda que tenhamos errado muito na vida, enquanto vivermos o caminho
encontra-se aberto rumo à santidade. Não sei de quem é o ditado, mas sei que é
certo: “por um burro dar um coice não se lhe corta logo a perna”. Por mais coices dados na vida sempre podemos
utilizar as pernas para andar rumo a Deus. Quando? Agora!
O Advento é tempo de preparação para receber o Salvador. É tempo de
conversão! Daí o convite de João Batista a todos: “Convertam-se por que o Reino
do Céu está próximo!” (Mt 3,2). O tempo é agora: “Preparem o caminho do Senhor,
endireitem suas estradas!” (Mt 3,3).
João Batista prega a conversão. Esta significa colocar os passos nos
passos de Jesus. E isto é um aspecto que caracteriza a vida cristã inteira.
Quando acontece erro, um extravio, cumpre reconhecer o erro, dispondo-se a
receber o dom de Deus, que perdoa sempre, que é infinitamente misericordioso e
oferece a cura espiritual no Sacramento da Confissão.
Converter-se é renascer continuamente para a vida ressuscitada com
Cristo. A existência do cristão deve ser uma conversão contínua. Não é somente
purificar-se do estado de pecado, mas também progredir sempre. Ensina São
Paulo: “Rogamos e vos exortamos no Senhor Jesus Cristo a que progridais sempre
mais” (1Ts 4,1). O cristão convertido sabe que é um peregrino, como ser que
vive debaixo da tenda em condição provisória, como pessoa que jaz sob a lei
fundamental de uma mudança sempre mais profunda em busca de santificação
pessoal.
João foi chamado o Profeta do Altíssimo por que sua a missão foi ir à
frente do Senhor para preparar os seus caminhos, ensinando a ciência da Salvação
a seu povo. João não desempenhará essa missão à procura de uma realização
pessoal, mas concentrando-se em preparar para o Senhor um povo perfeito. Não se
dedicará a ela por gosto pessoal, mas por ter sido concebido para isso. E irá
realizá-la até o fim, até dar a vida no cumprimento da sua vocação.
Para sermos bons instrumentos nas mãos de Deus é preciso abandonar-nos
em suas mãos. Confiemos nesse bom agricultor, ainda que às vezes tenhamos a
sensação de que nos está triturando e de que sofremos muito: essa atividade é
necessária para que a nossa humanidade apareça como Deus sempre a quis,
transluzente da sua graça, que é antecipação da glória de Deus em nós. Somos
transformados para transformar, temos que alimentar os outros. A nossa vida
deve ser um reflexo dessa referência obrigatória a Deus e aos demais.
Diz João: “Eu sou a voz que clama no deserto: Preparai os caminhos do
Senhor, endireitai suas veredas” (Mt 3,3). Ele não é mais do que a voz, a voz
que anuncia Jesus. Essa é a sua missão, a sua vida, a sua personalidade. Todo o
seu ser está definido em função de Jesus, como teria que acontecer na nossa
vida, na vida de qualquer cristão. O importante da nossa vida é Jesus.
O mundo não se abriu nem converteu ainda ao Evangelho. Por isso, soa
ainda hoje, e mais atual do que nunca, a voz de João Batista que ecoa no
Advento: “Arrependei-vos…” (Mt3,2).
Olhemos em direção ao Menino Deus que está para chegar! Hoje o mundo,
muitas vezes, olha em outra direção, donde não virá ninguém. Muitos se acham
debruçados sobre os bens materiais como se fossem o seu fim último; mas com
eles jamais satisfarão seu coração. Temos que apontar-lhes o caminho. A todos.
Não é possível acolher “Aquele que vem “ se o nosso coração estiver
cheio de egoísmo, de orgulho, de autossuficiência, de preocupação com os bens
materiais. Não bastam aparências, apenas de que somos cristãos porque recebemos
o Batismo. A conversão deve ser comprovada pela ação.
Quais os caminhos tortos que devemos endireitar? Quais os frutos de
conversão que Deus está esperando de nós, neste Advento, em preparação ao
Natal?
Comentários aos textos bíblicos
Leituras: Is 11,1-10; Sl 71; Rm
15,4-9; Mt 3,1-12
Caros irmãos e irmãs, neste tempo de Advento,
enquanto nos preparamos para celebrar o grande mistério da Encarnação de Jesus
Cristo, somos chamados a redescobrir e aprofundar a nossa relação pessoal com
Deus. A palavra latina “adventus”, refere-se à vinda de Cristo e põe, em
primeiro plano, o movimento de Deus rumo à humanidade, ao qual, cada um está
chamado a responder com a abertura, a expectativa, a busca e a adesão.
Nos acompanham em nossa caminhada para o
Natal, para o jubiloso encontro com Jesus, grandes personagens. O primeiro deles é a Virgem Maria, depois o
profeta Isaías, que nos relata as distâncias dos tempos bíblicos, descrevendo
com clareza as perspectivas para a vinda do Messias. E, de modo particular, São João Batista, o
último dos profetas e o primeiro dos evangelistas. João Batista é, a cada ano,
uma grande figura deste tempo do Advento.
Ele preparou o povo, junto às margens do rio Jordão, para receber
Cristo, no início de sua vida pública.
E vem agora a nos ajudar a receber o Cristo no
Natal, conforme nos relata o Evangelho deste segundo domingo do Advento (Mt
3,1-12), que nos traz a figura de São João Batista, o qual, segundo uma
profecia do Profeta Isaías (cf. Is 40,3), se retirou no deserto da Judeia e,
com a sua pregação, convidou o povo a converter-se, para estar preparado para a
iminente vinda do Messias. O texto
evangélico escrito pelo evangelista São Mateus, nos narra: “Naqueles dias,
apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia: ‘Convertei-vos, porque o
Reino dos Céus está próximo’” (Mt 3, 1-2).
Enquanto continuamos o nosso caminho do
Advento, nos preparamos para celebrar o nascimento de Cristo, ressoa em nossos
ouvidos este chamado de João Batista à conversão. É um convite urgente a abrir
o coração e a acolher o Filho de Deus que vem entre nós para manifestar o juízo
divino.
A figura de São João Batista é uma figura
questionante e interpelativa. Ele aparece ligado ao deserto o lugar das
privações, do despojamento, mas também o lugar tradicional do encontro entre
Deus e Israel. Usa “uma veste tecida com pêlos de camelo e uma cintura de
cabedal à volta dos rins” (Mt 3,4) e a sua alimentação frugal, de “gafanhotos e
mel silvestre” (Mc 1,6), o caracterizam como um homem simples, humilde e
desapegado dos bens materiais.
O evangelista São Mateus resume o anúncio de
João Batista numa frase: “Convertei-vos, porque está perto o Reino dos céus”
(v. 2). Esta “conversão” é urgente, porque o “Reino dos céus” está próximo.
Neste texto aparece também, em relevo, um rito
praticado por João Batista. Consistia na imersão nas águas do rio Jordão as
pessoas que aderiam a esse apelo à conversão. Era, aliás, um rito praticado em
certos ambientes judaicos para significar a purificação do coração. Nos
ambientes essênios, os banhos quotidianos expressavam o esforço em direção a
uma vida pura e a aspiração à graça purificadora. O batismo de João Batista, por sua vez, significava o
arrependimento e o perdão dos pecados.
No entanto, João Batista avisa: “Aquele que
vem depois de mim… batizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo” (v. 11). De fato,
o batismo de Jesus vai muito além do batismo de João Batista, pois confere a
quem o recebe uma nova vida, tornando-o “filho de Deus”, o que implica, além
disso, uma incorporação na Igreja e uma participação ativa na sua missão (cf.
At 2,1-4). Não significa apenas o arrependimento e o perdão dos pecados;
significa um quadro de vida completamente novo, uma relação de filiação com
Deus e de fraternidade com Jesus e com todos os outros batizados.
Mas a questão dominante que o Evangelho de
hoje nos apresenta visa ressaltar que não é possível acolher “aquele que vem”
se o nosso coração estiver cheio de egoísmo, de orgulho, de pecado, de
preocupação com os bens materiais. É preciso, portanto, uma real conversão, uma
mudança da nossa mentalidade, dos nossos valores, dos nossos comportamentos,
das nossas atitudes, das nossas palavras; é preciso um despojamento de tudo o
que rouba espaço ao “Senhor que vem”.
E hoje, refletindo sobre São João Batista,
possamos ter consciência de que ele também nos indica o caminho que devemos
seguir. Ele é o caminho que nos conduz a Cristo, pela palavra, pelo exemplo,
pelo desejo sincero de levar todos a fugir do pecado e conseguir a salvação.
Através do Evangelho, João Batista continua
falando através dos séculos a todas gerações. Suas palavras duras e claras são
particularmente saudáveis para nós, homens e mulheres do nosso tempo, em que
inclusive a forma de viver e de perceber o Natal experimenta, infelizmente e
com frequência, uma mentalidade materialista. A “voz’ do grande profeta nos
pede que preparemos o caminho para o Senhor que vem, nos desertos de hoje,
desertos exteriores e interiores, sedentos da água viva que é Cristo.
No Tempo do Advento, também nós somos chamados
a ouvir a voz de Deus, que ressoa no deserto do mundo através das Sagradas
Escrituras, sobretudo quando são pregadas com a força do Espírito Santo. De
fato, quanto mais a fé se deixa iluminar pela Palavra divina, tanto mais se
fortalece a nossa esperança (cf. Rm 15,4).
Muitas famílias, segundo uma consolidada
tradição, começam a preparar o Presépio, como que para reviver, juntamente com
Maria, aqueles dias repletos de trepidação, que precederam o nascimento de
Jesus. Montar um Presépio em casa pode revelar um modo simples, mas eficaz de
apresentar a fé e às novas gerações. O Presépio nos leva a contemplar o
mistério do amor de Deus, que se revelou na pobreza e na simplicidade da gruta
de Belém. Com efeito, ele também nos leva a compreender o segredo do verdadeiro
Natal, porque fala da humildade e da bondade misericordiosa de Cristo que,
“embora fosse rico, se tornou pobre por nós (2Cor 8,9).
PARA REFLETIR
A liturgia do Tempo do Advento não somente nos
faz recordar as promessas de Deus sobre o Messias, mas também nos vai mostrando
os traços da missão desse Salvador tão prometido e tão esperado.
O profeta Isaías usa uma imagem
impressionante: do velho tronco de Jessé, isto é, da dinastia já antiga de
Davi, nascerá uma hastesinha, modesta, frágil, pequena: um rebento! Querem
coisa mais frágil, mais débil? Qualquer criancinha pode, travessa, quebrar,
estiolar uma haste… E, no entanto, sobre este rebento tão frágil repousará o
Espírito do Senhor. Esta haste é o ungido pelo Espírito, é o Messias, o Cristo
de Deus, brotado da Casa de Davi! João, o Batista, dirá no Evangelho de hoje
que “ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo”, isto é, com o fogo do
Espírito! Só ele pode fazer isso, porque somente ele é pleno do Espírito:
“Espírito de sabedoria e discernimento, Espírito de conselho e fortaleza,
Espírito de ciência e temor de Deus”. Como é Santo o Messias prometido pela
boca dos profetas! Porque pleno do Espírito, ele é justo: ele não julgará pelas
aparências nem decidirá somente por ouvir dizer, mas trará a justiça para os
humildes e uma ordem justa para os pacíficos”. Eis: ele vem para quem tem um
coração pobre, para os que têm consciência que, sozinhos, não poderão nunca
levar o peso da vida. Somente os pobres poderão acolhê-lo, reconhecê-lo,
alegrar-se com sua chegada: sua justiça é justiça para quem chorou, para quem
sentiu fraqueza física, moral, psíquica, econômica ou existencial… “Com justiça
ele governe o vosso povo; com equidade ele julgue os vossos pobres. No seus
dias a justiça florirá e grande paz até que a lua perca o brilho! Libertará o
indigente que suplica, e o pobre ao qual ninguém quer ajudar. Terá pena do
humilde e do infeliz, e a vida dos humildes salvará. Todos os povos serão nele
abençoados, todas as gentes cantarão o seu louvor!” Que Rei bendito! Que santo
Messias! Que esperança para o nosso coração cansado, para o nosso mundo
desiludido! Porque ele vem curar os corações, vem trazer o perdão de Deus,
aqueles que o acolherem conhecerão a paz verdadeira: “O lobo e o cordeiro
viverão juntos e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o bezerro e o leão
comerão juntos e até mesmo uma criança poderá tangê-los. A vaca e o urso
pastarão lado a lado, enquanto suas crias descansam juntas; o leão comerá palha
como o boi; a criança de peito vai brincar em cima do buraco da cobra venenosa;
e o menino desmamado não temerá pôr a mão na toca da serpente. Não haverá danos
nem mortes… porque a terra estará repleta da ciência do senhor quanto as águas
que cobrem o mar…” Que sonho: uma humanidade reconciliada, um mundo de paz, um
homem uma criação em harmonia… Eis o sonho do Messias, eis o dom que ele traz!
São Paulo diz, na Carta aos Romanos, que Cristo realiza este sonho prometido. A
primeira reconciliação que ele trouxe foi unir num só povo, numa só humanidade,
o que antes era dividido: judeus e pagãos. Quem o acolhe agora é parte de um
novo povo – a Igreja!
Mas, esta paz precisa ainda aparecer
claramente no mundo! E aqui, não nos iludamos: o mundo não conhecerá a paz de
verdade, o coração humano não conhecerá o sossego enquanto não acolher de
verdade o Cristo do Pai, o Senhor Jesus! O sonho que Deus sonhou para nós e
para toda a humanidade ao enviar Jesus, não poderá ser sonhado e realizado sem
o nosso “sim”. E o trágico é que o mundo vai dizendo “não”. Este Natal
encontrará o mundo mais pagão que o do ano passado… Que pena!
Nós, cristãos, temos, no entanto, uma missão
neste mundo, nesta situação atual. Escutemos o profeta: “Convertei-vos, porque
o Reino dos Céus está próximo! Raça de víboras! Quem vos ensinou a fugir da ira
que v ai chegar? Produzi frutos que provem a vossa conversão! O machado está na
raiz da árvore e toda aquela que não produzir fruto será cortada e lançada ao
fogo!” Caros irmãos, o Advento, tempo de alegre expectativa, é também tempo de
juízo. O mundo precisa do nosso testemunho, da nossa palavra de esperança, do
nosso modo de viver inspirado no Evangelho! Chega de um bando de cristãos
vivendo como todo mundo vive, pecando como todo mundo peca, medíocres como todo
mundo é medíocre! Se não dermos frutos, seremos cortados! Vivemos num mundo que
não somente é descrente como também zomba da fé: as porcarias das novelas, a
corrupção dos governantes, a imoralidade sexual, e dissolução das famílias, a
imoralidade da ciência prepotente que se julga senhora do bem e do mal, as
calúnias e mentiras contra a Igreja, o modo de viver de quem não tem esperança…
E muitos de nós, que nos dizemos crentes, não notamos isso, vivemos numa boa
entre os pagãos e como os pagãos… E ainda nos dizemos cristãos!
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