O entendimento do ministro Luís Roberto Barroso de que o aborto nos três primeiros meses de gravidez não é crime — vitorioso numa das turmas do Supremo
Tribunal Federal (STF) — está com os dias contados. Ao menos numa comissão
instalada na Câmara dos Deputados. Com discursos em defesa da família, de que o
aborto é crime e de que assim deseja a sociedade, parlamentares ligados a
setores católicos e evangélicos prevalecem, com amplíssima maioria, na comissão
especial que vai votar uma mudança constitucional no sentido contrário à
decisão da primeira turma do STF, do final de novembro. Esse grupo domina todos
os principais cargos desse colegiado: presidência, três vices e a relatoria.
A comissão foi instalada no último dia 7, e, dos 34 integrantes, 29 já
foram indicados. Destes, 25 parlamentares, pelo menos, querem derrubar o
entendimento do tribunal. São contrários ao aborto. Essa comissão, que conta
com só três parlamentares do sexo feminino, foi criada pelo presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no calor da decisão do STF e na madrugada da
sessão, em novembro, que desfigurou as dez medidas de combate à corrupção. Naquela
noite, o presidente da Câmara foi pressionado por parte desses deputados, que
usaram seus discursos para atacar o Supremo.
Para viabilizar o contra-ataque ao tribunal, e como precisavam de uma
medida que tenha poder de alterar a Constituição, usaram como pretexto uma
proposta de mudança constitucional que estende a licença-maternidade em caso de
nascimento prematuro à quantidade de dias que o recém-nascido passar internado.
Esse projeto foi apresentado em 2011, pelo deputado Doutor Jorge Silva (PDT-ES).
Mas, no debate, esses deputados vão incluir no texto que aborto, em qualquer
período da gravidez, é crime. E, assim, pretendem desfazer a decisão do STF.
O deputado Evandro Gussi (PV-SP) vai presidir. Ele foi o relator de
projeto do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ ) que restringia os casos de
aborto e acrescentou no seu relatório a exigência de boletim de ocorrência para
que vítimas de estupro fossem atendidas nos hospitais. O relator será Jorge
Tadeu Mudalen (DEM-SP), que disse ser preciso estar atento para “o que as ruas
estão falando, olhando para a vida”. Na sessão, os deputados já entravam no
mérito.
— O STF, todos respeitamos. Mas, quando decidiu pela legalidade da
interrupção da gravidez até o 3º mês, transformou-se, em vez de guardião da
Constituição, em um algoz e um inimigo da Constituição — afirmou Gussi.
João Campos (PRB-GO), coordenador da Frente Parlamentar Evangélica,
esteve no comando dessa mobilização. Foi ele quem procurou Rodrigo Maia e
“cobrou” que a Câmara desse uma resposta ao STF.
— O Supremo mais uma vez toma uma atitude de ativismo judicial exacerbado.
Ele usurpa o papel dessa Casa, altera a Constituição e contraria a sociedade
brasileira. Foi infeliz essa decisão — destacou Campos.
Integrante da mesa que comandará a comissão, a deputada Geovânia de Sá
(PSDB-SC), segunda vice-presidente, já antecipou ser contra a decisão do STF.
— Todos nós, um dia, tivemos três meses na barriga da nossa mãe. E
tivemos o direito de vir à vida. E que todas as crianças tenham esse direito
garantido. Se perguntarmos a um bebê que está na barriga... Todos querem — disse
Geovânia.
Esses parlamentares de segmentos
religiosos são itinerantes e estão sempre juntos em espaços que discutem temas
que envolvam conceitos de família, direitos de minorias e, mais recente, a
política nas escolas. Muitos deles estiveram juntos e venceram, na aprovação em
comissão do Estatuto da Família, que prevê núcleo familiar composto apenas por
homem e mulher. Juntos, atuam contra avanços nas relações homoafetivas. E, também
juntos, estão na comissão da Escola Sem Partido, que discute a inclusão na
grade escolar o respeito às “convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis,
dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar”.
Também do comando dessa comissão, o
deputado Flavinho (PSB-SP), comunicador católico da rede Canção Nova há mais de
20 anos, diz que o grupo se une mesmo nesses assuntos.
— Quando a temática passa por questão
ideológica, normalmente bandeiras defendidas do nicho religioso, e no sentido
contrário pela esquerda, estamos unidos. Fomos eleitos de forma legal e estamos
ali para defender esses valores, o que a sociedade, na sua maioria, defende —
disse Flavinho, que também foi relator do Escola Sem Partido e esteve na do
Estatuto da Família. — Tem excessos dos dois lados. Não só da esquerda. Tem uma
fala de um grande santo que diz que a virtude está no meio. Transito bem com a
esquerda, tenho excelente relação com Glauber (deputado Glauber Braga, do
PSOL-RJ), com o próprio Jean (Wyllys, do PSOL-RJ). Divergimos diametralmente em
muitos temas, igualmente com os da direita. Meu papel, como relator, é ouvir a
todos.
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