Anualmente,
a Universidade de Oxford elege uma palavra que defina aquele ano. No final de
2016, o termo escolhido foi “pós-verdade” (“post-truth”), empregado já em 1992
pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich. Nem o Aurélio, o Houaiss ou o
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras,
registra essa palavra. Por ela procuram-se definir circunstâncias nas quais os
fatos objetivos têm pouca importância. O que vale são os apelos à emoção e a
crenças pessoais. A verdade como tal estaria, pois, perdendo sua importância; o
fato torna-se secundário; importante são as reações – isto é, como o fato é
recebido e que emoções ele desperta.
É
grave uma situação em que se deixa de levar em conta a distinção entre o certo
e o errado, o bom e o mau, o justo e injusto, os fatos e as versões, a verdade
e a mentira. Entra-se, então, numa era em que predominam as avaliações fluidas,
as terminologias vagas ou os juízos baseados mais em sensações do que em
evidências. Passa a ser verdade aquilo de que gostamos, que escolhemos e
difundimos, torcendo para que tenha a maior repercussão possível.
O
que muito contribui para o avanço daquilo que a palavra “pós-verdade”
representa são as novas tecnologias de informação e comunicação. Tudo é
imediatamente transmitido, repartido e globalizado. Não há mais tempo para se checar
se o que recebemos é verdadeiro; o importante é que seja o quanto antes
partilhado e multiplicado. Mentiras são construídas de forma sofisticada, com
ares de verdade, e são difundidas por um exército de simpatizantes. Com isso, o
bom nome de muitos é destruído de forma rápida e cruel – pior, a difamação é
envolvida por um ódio que assusta. Voltaire entendia disso: “Menti, menti, que
alguma coisa permanecerá!”. Goebbels, chefe da propaganda nazista, dizia algo
semelhante: “Uma mentira repetida mil vezes vira verdade”. Não é segredo para
ninguém que as redes sociais são um campo aberto e fértil para a difusão de
histórias e “fatos” que não precisam ser comprovados; basta que sejam bem
apresentados.
Tendo
ouvido Jesus lhe afirmar “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar
testemunho da verdade; todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (Jo
18,37-38), Pilatos lhe perguntou: “O que é a verdade?”. Mas o governador romano
não estava interessado na resposta; tanto assim que, feita a pergunta, afastou-se.
Venceu a mentira e um inocente foi condenado.
Pode-se
aplicar à palavra “verdade” o que Cecília Meireles aplica à palavra
“liberdade”: “não há ninguém que a explique e ninguém que não a entenda”. O
mundo precisa de pessoas que sejam verdadeiras no agir e no falar – inclusive,
e principalmente, no uso das redes sociais.
Dom Murilo S.R.
Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil
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