Jesus está diante de uma multidão imensa! Esperam dEle a sua doutrina
salvadora, que dará sentido às suas vidas. Então Jesus subiu ao monte e começou
a ensinar-lhes (Mt 5, 1-12).
É esta a ocasião que Jesus aproveita para traçar uma imagem profunda do
verdadeiro discípulo.
Trata-se do Evangelho das bem-aventuranças que constitui um resumo do
Sermão da Montanha e de todo o Evangelho de Jesus Cristo.
“Bem-aventurado” significa feliz, ditoso, e em cada uma das
Bem-Aventuranças Jesus começa por prometer a felicidade e por indicar os meios
para consegui-la. Por que Jesus começa falando da felicidade? Porque em todos
os homens há uma tendência irresistível para serem felizes; esse é o fim que
têm em vista em todos os seus atos; mas muitas vezes buscam a felicidade no
lugar em que ela não se encontra, em que só acharão tristeza.
“Jesus começou a ensiná-los: Bem-aventurados os pobres em espírito,
porque deles é o reino dos céus” (Mt 5, 2-3).
A atitude fundamental exigida para participar do Reino dos Céus é a
pobreza em espírito. Pobre em espírito é todo aquele que tem a atitude de
confiança da criança em relação a seus pais. Pobre em espírito é quem coloca
toda a sua confiança no Senhor. É o que não coloca sua segurança nos bens
materiais, na glória e na fama, mas em Deus. O cristão considera-se diante de
Deus como um filho pequeno que não tem nada em propriedade; tudo é de Deus seu
Pai e a Ele o deve. A pobreza em espírito, quer dizer, a pobreza cristã, exige
o despreendimento dos bens materiais e austeridade no uso deles.
O espírito de pobreza, a fome de justiça, a misericórdia, a pureza de
coração, o suportar injúrias por causa do Evangelho são aspectos de uma única
atitude da alma: o abandono em Deus, a confiança absoluta e incondicional no
Senhor.
Com as Bem-aventuranças, o pensamento fundamental que Jesus queria
inculcar nos ouvintes era este: só o servir a Deus torna o homem feliz.
O conjunto de todas as Bem-aventuranças traça, pois, um único ideal: o
da santidade. Ao escutarmos hoje novamente essas palavras do Senhor, reavivamos
em nós esse ideal como eixo de toda a nossa vida. Como nos diz o Apóstolo S.
Paulo: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Ts 4, 3). Chama cada
um à santidade e a cada um pede amor: a jovens e velhos, a solteiros e casados,
aos que têm saúde e aos enfermos, a cultos e ignorantes; trabalhem onde
trabalharem, estejam onde estiverem.
Sejam quais forem as circunstâncias por que atravessemos na vida, temos
que sentir-nos convidados a viver em plenitude a vida cristã. Não pode haver
desculpas, não podemos dizer a Deus: “Esperai, Senhor, que se solucione este
problema, que me recupere desta doença, que deixe de ser caluniado ou
perseguido…, e então começarei de verdade a buscar a santidade”. Seria um
triste engano não aproveitarmos precisamente essas circunstâncias duras para
nos unirmos mais a Deus.
“Bem-aventurados sois vós quando vos injuriarem e
perseguirem…Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos
céus” (Mt 5, 11-12). Assim como nenhuma coisa da terra nos pode proporcionar a
felicidade que todos procuramos, assim nada nos pode tirá-la se estivermos
unidos a Deus. A nossa felicidade e a nossa plenitude procedem de Deus.
No coração de um filho de Deus há uma espécie de paradoxo irremediável,
pelo menos até que chegue a Parusia: por um lado, está sempre feliz e cheio de
paz, o sorriso está estampado no seu rosto; por outro, sente uma espécie de dor
pela situação presente. Entre a Trindade beatíssima, onde o cristão tem a
cabeça e o coração, e a miséria mundanal, onde tem a cabeça, o coração e os
pés, o cristão deve viver sempre levando a esse mundo e a todas as pessoas a
esperança, a misericórdia e a paz.
Peçamos ao Senhor que transforme as nossas almas, operando uma mudança
radical nos nossos critérios sobre a felicidade e a infelicidade.
Comentários dos textos bíblicos
Liturgia: Sf
2,3;3,12-13; Sl 145; 1Cor 1,26-31; Mt 5,1-12a
Caríssimos irmãos e irmãs, a liturgia da
palavra deste domingo nos traz um dos mais belos discursos de Jesus: o sermão
das bem-aventuranças. Em suas primeiras linhas o Evangelho relata que uma
imensa multidão, vinda de todos os lugares, rodeava o Senhor, para ouvir a sua
doutrina salvadora, que dá sentido à vida.
É esta a ocasião que Jesus aproveita para
traçar uma imagem do verdadeiro discípulo e proclama de bem-aventurados os
pobres em espírito, os que sofrem, os que têm fome e sede de justiça, os
misericordiosos, os puros de coração, os que promovem a paz e os perseguidos
por causa da justiça (cf. Mt 5,3-10).
Trata-se de um programa de vida para os
cristãos, com os traços característicos de quem quer seguir Jesus Cristo. São
normas sábias propostas para que o homem possa atingir a felicidade. A palavra
bem-aventurado, do latim “beatus”, significa “feliz”, por isto, todos os
bem-aventurados são felizes; na verdade, em todos os seres humanos existe uma
tendência irresistível para ser feliz. Todos querem a felicidade. É um desejo
que está plantado no mais profundo do ser humano. Todos tendem a atingir a
satisfação desse desejo inato. E neste domingo, o Evangelho nos diz que a
verdadeira felicidade só se realiza no encontro com Deus.
As bem-aventuranças iluminam as ações e
atitudes que caracterizam a vida cristã e exprimem o que significa ser
discípulo de Cristo (cf. CIgC, n. 1717). Ao mesmo tempo, elas são como que uma
biografia interior oculta de Jesus, um retrato da sua figura. Devemos olhar
como Jesus viveu estas bem-aventuranças. Os evangelhos são, do início ao fim,
uma demonstração da mansidão de Cristo, em seu duplo aspecto de humildade e de
paciência. Ele mesmo se propõe como modelo de mansidão para nós.
A primeira bem-aventurança nos fala que são
felizes os “pobres em espírito”, ou seja, os que souberam se posicionar
corretamente diante das riquezas do mundo. Jesus se identifica com os pobres.
Ele mesmo nasceu em uma manjedoura, em um lugar simples; e morre em uma cruz,
despojado de suas vezes. E, ao longo da sua vida, não tinha onde reclinar a
cabeça (cf. Mt 8,20). E para ser seu discípulo, ele mesmo aconselha renunciar a
todos os bens pessoais (cf. Mt 14,33). Por outro lado, nem todos os pobres são
bem-aventurados, é preciso ser pobre “em espírito”, ou seja, despojar de seus
bens para dividi-los com aqueles que mais necessitam. É o desapego dos bens
materiais e o despojar-se da arrogância e da ambição.
Os mansos também são felizes porque aprenderam
a fugir da agitação do mundo, das brigas, dos desentendimentos e irritações.
Nisto também encontramos no Cristo a prova máxima da mansidão, que está no
momento da sua paixão e morte de cruz. Mesmo diante da dor e do sofrimento não
encontramos nenhum gesto de ira, nenhuma ameaça: “Insultado, não respondia com
insultos; ao padecer, não ameaçava” (1Pd 2,23).
Essa característica da pessoa de Cristo ficou
gravado, de tal forma, na memória de seus discípulos que São Paulo escreve aos
coríntios: “Vos suplico pela mansidão e pela benignidade de Cristo” (2Cor
10,1). Mas Jesus fez muito mais que nos dar um exemplo de mansidão e paciência
heróica; fez da mansidão o sinal da verdadeira grandeza e deixou para nós uma
lição: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11,2s). E
seguindo este modelo, podemos dizer que os mansos são aqueles conformados com a
vontade de Deus, suportam com paciência e coragem as adversidades da vida.
Os que têm fome e sede de justiça precisam
lutar constantemente para que cada um receba o que lhe é devido. A fome e a
sede são os impulsos mais fortes que o homem experimenta. São necessidades
básicas para sobrevivência de qualquer ser vivo. Sem a ingestão de líquidos ou
alimentos é impossível que se conserve a vida biológica. Contudo, esta
bem-aventurança identifica como felizes os que têm sede e fome de justiça; e
justiça significa dar a cada um o que lhe é de direito. A Sagrada Escritura,
por sua vez, nos diz que Deus é o justo juiz (cf. Sl 7,11), portanto, dá a cada
um, de acordo com as suas obras. O texto nos desafia a ter sede dessa justiça
ou desse juízo divino e almejar em cada pessoa os seus direitos respeitados.
Os misericordiosos são aqueles que procuram em
tudo ajudar os mais necessitados. Enquanto o pecado obscurece o conhecimento
das coisas do céu, os puros de coração, sempre agindo por amor a Deus, pelas
virtudes infusas, verão a Deus; porque sabem guardar um coração puro para poder
assim ter olhos abertos para ver a Deus. A pureza de coração foi colocada por
Jesus entre as bem-aventuranças, pois, não pode faltar na vida de um santo. E
São Paulo faz eco às palavras de Jesus, ao dizer aos cristãos de Tessalônica:
“Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação; que eviteis a impureza, que
cada um de vós saiba possuir o seu corpo em santificação e honestidade, sem se
deixar levar pelas paixões desregradas como fazem os pagãos que não conhecem a
Deus…” (1Ts 4,3-7).
As bem-aventuranças também ressaltam que são
felizes aqueles que promovem a paz e, uma vez mais, podemos ver realizadas
todas essas exortações na vida do próprio Senhor Jesus. Seu nascimento é
revelado aos pastores com o anúncio: “Paz na terra aos homens que Deus ama!”
(Lc 2,14). E Ele mesmo disse aos seus discípulos: “Eu vos deixo a paz; eu vos
dou a minha paz” (Jo 14,27). Após a sua ressurreição Jesus aparece aos seus
apóstolos e os saúda: “A paz esteja convosco!” (Jo 20,19). Trata-se de algo
real, algo que é transmitido.
Neste sentido, a paz é quase um sinônimo de
graça e, de fato, os dois termos são usados em conjunto, como uma espécie de
binômio, no início das cartas de São Paulo: “Graça e paz a vós da parte de Deus
e de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 1,7; 1Ts 1,1). Mas a paz também indica a
harmonia com Deus, com os outros e consigo mesmo; e, neste sentido, todos nós
somos chamados a cumprir esta bem-aventurança, buscando todos os esforços para
construir um mundo no qual exista a paz para todos.
Cada uma das bem-aventuranças consiste de duas
partes: uma condição e um resultado. Em quase todos os casos, as frases são
familiares ao Antigo Testamento, mas o sermão de Jesus as eleva à condição de
um novo ensinamento. As bem-aventuranças apresentam um conjunto de ideais, com
foco no amor e na humildade, ecoando ensinamentos de espiritualidade e
compaixão.
Pode-se ainda dizer que o conjunto de todas as
bem-aventuranças traçam, pois, um único ideal: o da santidade. Ao escutarmos,
novamente essas palavras do Senhor, reavivamos em nós esse ideal como eixo de
toda a nossa vida. São orientações para seguir no caminho da perfeição. E o
evangelho conclui com uma mensagem de esperança: “Estejam alegres e contentes,
porque a vossa recompensa será grande no céu” (Mt 5,12).
Que o Senhor nos conceda entender as
bem-aventuranças, assimilá-las e vivê-las com determinação, para entrarmos no
seu Reino, cujo acesso é reservado para os humildes e para os que ouvem a sua
Palavra e se empenham para colocá-la em prática.
Invoquemos a Virgem Maria, aquela que todas as
gerações ao de proclamar “bem-aventurada”, porque acreditou na boa notícia que
o Senhor anunciou (cf. Lc 1,48), para que possamos seguir com alegria os
ensinamentos de seu Divino Filho, através do caminho das bem-aventuranças.
Assim seja.
PARA REFLETIR
A Liturgia da Palavra deste hoje apresenta-nos
as Bem-aventuranças, uma das mais belas páginas da Escritura e o que de mais
doce há nas palavras de Nosso Senhor. Mas, essas Bem-aventuranças são um
doloroso escândalo para nós! Sejamos sinceros: elas parecem um sonho lindo,
mais irreal e impraticável!
O texto de São Mateus nos diz que Jesus subiu
ao Monte, como Moisés, no Antigo Testamento, do Monte Sinai deu a Lei aos
judeus. Jesus senta-se, como um Mestre, não na cátedra de Moisés, mas na sua
própria cátedra… Os discípulos se aproximam para escutar; e o Mestre lhes
ensina, a eles, e a nós, que agora, sentados, buscamos compreender a Palavra do
Senhor.
Mas, o que Jesus ensina? Feliz quem é pobre,
feliz é quem chora, feliz quem tem fome e sede, quem é manso e puro, quem é
misericordioso e perseguido! Caríssimos, que contraste com a mentalidade do
mundo, do capitalismo! Que contraste com a nossa mentalidade! Que contraste com
a lógica da maldita “teologia” da prosperidade, que alguns pregam em nome de
Cristo, mas que de cristã não tem nada! Bem-aventurado quem é pobre, que chora,
quem tem fome! Como compreender isso? Como aceitar? Como viver essas palavras?
Na verdade, há uma só bem-aventurança; as
outras nada mais são que ressonância, eco dessa única: “Bem-aventurados os
pobres!” Deles – e só deles – é o Reino dos céus! Compreendamos o que Jesus
quis dizer! Na Bíblia, pobre é todo aquele que se encontra numa situação de
penúria, de impotência, de angústia e incapacidade Pobre é quem se sente
pequeno diante dos desafios da existência. Pobre é quem não tem o suficiente
para viver, não tem casa, não tem comida, não tem trabalhos; pobre é quem não
tem saúde; pobre é o humilhado, pobre é o aidético, pobre é o canceroso, pobre
é o discriminado; é o frágil psíquica ou fisicamente… Pobre é quem não tem voz,
não tem vez, não tem sua dignidade respeitada! Pobre é o solitário, o não
amado, o deprimido… Todos esses são os pobres da Bíblia.
Mas, por que Jesus os considera
bem-aventurados? Por um motivo só: porque, do fundo de sua miséria, eles tem
mais facilidade de perceber realmente o que nós somos e o que a vida é. Somos
todos pobres e dependentes, somos frágeis e a vida, sem Deus, nos traga como
uma onda gigante e impiedosa! O pobre, porque já não tem quem o possa socorrer,
levanta os olhos para o céu e reconhece o amor terno e presente de Deus. Por
isso ele é feliz: porque descobriu que somos todos pequeninos e amados por
Deus. Infelizmente, somos cegos, enganamo-nos facilmente, e quando estamos bem,
achamos que somos os donos de nossa vida, tendemos a colocar a confiança nas
coisas, nas pessoas, no prestígio e em tantas outras escoras… E, assim, vivemos
na ilusão da auto-suficiência e não nos abrimos de verdade para Deus. O pobre,
por não ter ninguém por ele, reza com toda a verdade e, de verdade, faz de Deus
o seu protetor, seu amparo, seu refúgio! É por isso que nas Bem-aventuranças
segundo Lucas, Jesus completa quadro dizendo: Aí de vós ricos, ai de vós que
estais saciados, ai de vós que agora rides, etc. Não é um mal ter dinheiro, não
é um mal estar contente, não é um mal ser querido… mas, o Senhor nos alerta aqui
para um perigo: no nosso contentamento, esquecer que tudo passa, esquecer que
nossa verdadeira riqueza, nossa alegria que não passa é Deus e o seu Reino!
Olhemos em torno de nós e veremos o quanto isso é real! Por que são os pobres
os que mais procuram a Deus e são mais generosos para com ele? Porque, não
tendo a quem recorrer, percebem que somente Deus é sua valia e sua riqueza.
Quanto aos ricos, têm sua poupança, seu plano de saúde, seu prestígio, seus
amigos… e confia neles… muitas vezes mais que no próprio Deus! Por que nos
países ricos a religião está sendo abandonada? Não é porque as pessoas são
alfabetizadas, como se religião fosse para ignorantes! É porque, do alto de sua
fartura, elas se tornam satisfeitas consigo mesmas, auto-suficientes achando-se
seu próprio Deus. Recordemos o que diz São Paulo na segunda leitura de hoje:
“Considerai, irmãos, como fostes chamados por Deus. Pois entre vós não há
muitos sábios de sabedoria humana nem muitos poderosos nem muitos nobres. Na
verdade, Deus escolheu o que o mundo considera como estúpido, para assim
confundir os sábios; Deus escolheu o que o mundo considera como fraco, para
assim confundir o que é forte!”
Meus caros, estejamos atentos à advertência de
Jesus! A verdade é que somente quem é pobre de verdade aceita que Deus é sua
riqueza e seu tudo. Cada um de nós e a Igreja inteira, somos todos chamados a
pensar nas palavras do Senhor! Terminemos com as palavras do Profeta Sofonias:
“buscai o Senhor, humildes da terra, que pondes em prática seus preceitos.
Deixarei entre vós um punhado de homens humildes e pobres. E no nome do Senhor
porá sua esperança o resto de Israel! Eles serão apascentados e repousarão, e
ninguém os molestará!” Que o Senhor nos conceda a graça de estar entre esses
pobres que vão colocando somente nele a sua esperança! Amém.
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