domingo, 19 de março de 2017

Testamento de Luís XVI, Rei de França


Em nome da Santíssima Trindade, do Pai, do Filho e do Espírito Santo, hoje no vigésimo dia de Dezembro de 1792, eu, de nome Luís XVI, Rei da França, estando com a minha família encerrado há mais de quatro meses na Torre do Templo de Paris, por aqueles que me estiveram sujeitos, e privado de toda a comunicação com outros, mesmo depois do 11 do decorrente com a minha família, e ademais implicado num processo cujo desenlace é impossível prever devido às paixões dos homens, e para o qual não se encontra pretexto e causa algumas segundo a lei existente, e não tendo mais testemunha dos meus pensamentos a Deus e a quem possa dirigir-me, declaro aqui em Sua presença as minhas últimas vontades e meus sentimentos.

Eu deixo a minha alma a Deus, meu criador; eu rogo-Lhe que a receba em Sua misericórdia, não julgá-la por méritos meus, mas sim pelos de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual, por nós homens, ofereceu-Se em sacrifício a Deus Seu Pai, por mais indignos que fossemos, a começar por mim.

Eu morro em união com a nossa Santa Madre Igreja Católica, Apostólica e Romana, detentora dos seus poderes provenientes de uma sucessão ininterrupta de S. Pedro, a quem Jesus os tinha confiado; firmemente eu creio e confesso tudo o que está contido no Símbolo dos Apóstolos e mandamentos de Deus e da Igreja, Os Sacramentos e os Mistérios tal como a Igreja Católica ensina e ensinou sempre. Não pretendi jamais fazer-me juiz nas diferentes maneiras de explicar os dogmas que desgarram à Igreja de Jesus Cristo; mas confiei e sempre confiarei, se Deus me prestar vida, nas decisões que os superiores Eclesiásticos unidos à Santa Igreja Católica, dão e deram conforme a disciplina da Igreja, seguida desde Jesus Cristo. Compadeço-me de todo o coração dos nossos irmãos que podem estar no erro, mas não pretendo julgá-los, e a todos eles em Jesus Cristo não amo menos, tal como a caridade cristã ensina. Rogo a Deus que me perdoe de todos os meus pecados; eu tentei conhecê-los escrupulosamente, detestá-los, humilhar-me na sua presença, e ao não poder servir-me do Ministério de um Sacerdote católico rogo a Deus receber a confissão que Lhe fiz e sobretudo o arrependimento profundo que tenho de ter colocado o meu nome (ainda que tivesse sido contra a minha vontade) em actos que podem ser contrários à disciplina e à crença da Igreja Católica à qual sempre permaneci sinceramente unido de coração, rogo a Deus receber a resolução firme na que me encontro se me outorga vida, servir-me prontamente como me seja possível do Ministério de um Sacerdote Católico para acusar-me de todos os meus pecados, e receber o sacramento da Penitência.

Eu rogo a todos aqueles a que possa ter ofendido por inadvertência (porque não recordo ter ofendido ninguém deliberadamente) ou àqueles a quem possa ter dado mau exemplo ou escândalo, que me perdoem o mal que creiam poder ter-lhes feito.

Eu peço a todos aqueles que têm Caridade unirem as suas às minhas orações, para obter de Deus o perdão dos meus pecados.

Eu, de todo o coração, perdoo àqueles que se fizeram meus inimigos, sem que eu lhe tenha dado razão alguma; e rogo a Deus que os perdoe, igualmente àqueles que por um falso zelo, ou por zelo mal entendido, muito mal me fizeram. 

Eu encomendo a Deus minha mulher, meus filhos, minha irmã, minhas tias, ao meus irmãos, e a todos aqueles cujos laços de sangue me unem, e de qualquer outra maneira que seja; eu rogo a Deus que, em particular, olhe com olhos de misericórdia minha mulher, os meus filhos e minha irmã, os quais sofrem comigo já há bastante tempo, que com a Sua graça os sustenha se chegarem a perder-me, e enquanto sigam neste mundo transitório.

Eu encomendo os meus filhos à minha mulher; jamais duvidei da sua ternura maternal para com eles, encomendo-lhe principalmente tudo o que deles faça bons Cristãos e homens honestos, que os faça ver as grandezas deste mundo terreno (caso os condenem a vivê-las) apenas como bens perigosos e passageiros e que voltem o seu olhar para a glória da Eternidade, a única solida e perdurável,à minha irmã rogo que continue terna para com os meus filhos, e que lhes faça as vezes de mãe caso tivessem a desgraça de perdê-la.

Eu rogo à minha mulher que me perdoe todos os males que por mim sofre, e as penas que pude ter-lhe causado no percurso da nossa união, pode também estar segura de que nada guardo em contrário, caso pensasse que eu tenha algo de que queixar-me.

Eu recomendo muito encarecidamente aos meus filhos, depois do que lhes é devido a Deus, o qual hão-de transmitir a todos, que permaneçam unidos entre si, submissos e obedientes para com a sua mãe, e agraciados por todos os cuidados e trabalhos que ela tem para com eles, e em minha memória rogo-lhes que olhe para a minha irmã como uma segunda mãe.

Eu recomendo ao meu filho, caso tenha a desdita de tornar-se Rei, que pense que deve dar-se por inteiro à felicidade dos seus concidadãos, que deve esquecer todo o ódio e todo o ressentimento e especialmente todo o que tem relação com as desditas e sofrimentos pelos quais agora passo, que não pode fazer a felicidade dos povos mais que reinando pelas Leis, mas ao mesmo tempo que um Rei não pode fazer respeitar, e fazer o bem que há no seu coração, mais que na medida que tem a autoridade necessária, e que de outra maneira ao estar ligado nas suas operações e ao não inspirar respeito, acaba por ser prejudicial que útil.

Eu recomendo ao meu filho cuidar de todos aqueles que me estimaram, tanto quanto as circunstâncias nas que se encontre o facultem para tal, pense que é uma dádiva sagrada que deve aos filhos e familiares daqueles que morreram para mim, e, em seguida, àqueles que estão descontentes comigo. Eu sei que há várias pessoas entre as que me tinham apreçoque não se comportaram comigo como deveriam, e que até mesmo mostram ingratidão, mas eu perdoo-os (muitas vezes nos momentos deturbulência e efervescência, não há controlo de si mesmo), e peço ao meu filho, se se der ocasião, deles não tenha em mente mais que o seu infortúnio.

Eu quisera poder dar aqui o testemunho do meu reconhecimento aos que me mostraram um verdadeiro e desinteressado apreço, ainda que por um lado só me tivesse afectado a ingratidão e deslealdade da gente à qual nunca manifestei mais que bondades, a eles, a seus pais e amigos; por outro lado tive o consolo de ver o apareço e interesse gratuito que muitas pessoas me mostraram; eu rogo-lhes que por isso recebam todo o meu agradecimento, na situação em que vemos que as coisas estão, dar-me-ia temor comprometê-los sem se falar mais explicitamente; mas a meu filho recomendo-lhe especialmente que procure as ocasiões de lhes dar reconhecimento.

Eu acreditaria estar a caluniar os sentimento da nação, se ao meu filho não recomendasse abertamente, os Senhores De Chamilly y Hue, cujo verdadeiro apreço por mim os levou a encerrarem-se comigo nesta triste morada, os quais pensaram em ser seus infelizes vitimas; também lhe recomendo a Clery, de cujos cuidados tantas vezes pude mostrar-me satisfeito desde que está comigo; e como é ele quem permaneceu comigo até ao fim rogo aos Senhores da Comuna que lhe entreguem a minha roupa, os meus livros, o meu relógio, o meu porta-moedas e os restantes pequenos efeitos que ficaram depositados no Conselho da Comuna.

Eu perdoo àqueles que me guardaram, também eles de muito boa disposição, dos maus tratos e os tormentos que cogitaram usar comigo; encontrei algumas almas sensíveis e compassivas, que seja elas as que gozem no seu coração a tranquilidade que deve dar-lhe o seu modo de pensar.

Eu rogo aos Senhores de Malesherbes, Tronchet e Deseze que recebam aqui todo o meu agradecimento e expressão da minha sensibilidade, por todos os cuidados e enfado que tiveram a meu respeito.

Eu termino declarando perante Deus, e disposto a comparecer diante d'Ele, que não assumo qualquer um dos crimes dos quais me apontam. Feito em dois exemplares, na torre do templo, no dia 25 de Dezembro de 1792.


LOUIS
Escrito por Baudrais, funcionário Municipal.
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