Nos primórdios da Igreja celebrava-se a Anunciação
do Senhor pouco antes do Natal, a mudança na data não foi só por uma exatidão
cronológica, mas porque estudos concluíram que em 25 de março também foi a data
da crucifixão de Jesus Cristo.
A visita do Arcanjo Gabriel à Virgem Maria, quando
esta se encontrava em Nazaré, cidade da Galiléia, marca o início de toda uma
trajetória que cumpriria as profecias do Velho Testamento e daria ao mundo um
novo caminho, trazendo à luz a Boa Nova. Ali nasceu também a oração que a
partir daquele instante estaria para sempre na boca e no coração de todos os
católicos: a Ave Maria.
Maria era uma jovem simples, noiva de José, um
carpinteiro descendente direto da linhagem da casa de Davi. A cerimônia do
matrimônio daquele tempo, entretanto, estabelecia que os noivos só tivessem o
contato carnal da consumação depois de um ano das núpcias. Maria, portanto, era
virgem.
Maria perturbou-se ao receber do anjo o aviso que
fora escolhida para dar a luz ao Filho de Deus, a quem deveria dar o nome de
Jesus, e que Ele era enviado para salvar a Humanidade e cujo Reino seria
eterno. Sim porque Deus, que na origem do Mundo Criou todas as coisas com sua
Palavra, desta vez escolheu depender da palavra de um frágil ser humano, a
Virgem Maria, para poder realizar a Encarnação do Redentor da Humanidade.
Ela aceitou sua parte na missão que lhe fora
solicitada, demonstrando toda confiança em Deus e em Seus desígnios, para o
cumprimento dessa profecia e mostrou porque foi ela a escolhida para ser
Instrumento Divino nos acontecimentos que iriam mudar o destino da Humanidade.
Ao perguntar como poderia ficar grávida, se não
conhecia homem algum e receber de Gabriel a explicação de que seria fecundada
pelo Espírito Santo, por graças do Criador, sua resposta foi tão simples como
sua vida e sua fé: "Sou a serva do Senhor. Faça-se segundo a Sua
vontade".
Com esta resposta, pelo seu consentimento, Maria
aceitou a dignidade e a honra da maternidade divina, mas ao mesmo tempo também
os sofrimentos, os sacrifícios que a ela estavam ligados. Declarou-se pronta a
cumprir a vontade de Deus em tudo como sua serva. Era como um voto de vítima e
de abandono. Esta disposição é a mais perfeita, é a fonte dos maiores méritos e
das melhores graças. O momento da Anunciação, onde se dá a criação, na pessoa
de Maria como a Mãe de Deus, que acolhe a divindade em si mesma, contém em si
toda a eternidade e, nesta, toda a plenitude dos tempos.
Por isso a data de hoje marca e festeja este evento
que se trata de um dos mistérios mais sublimes e importantes da História do
homem na Terra: a chegada do Messias, profetizada séculos antes no Antigo
Testamento. Episódio que está narrado em várias passagens importantes do Novo
Testamento.
A festa da Anunciação do Anjo à Virgem Maria, Lc
1,26-38, é comemorada desde o Século V, no Oriente e a partir do Século VI, no
Ocidente, nove meses antes do Natal, só é transferida quando coincide com a
Semana Santa.
Comentário dos Textos Bíblicos
1ª
Leitura: Is 7,10-14;8,10
Sob este texto
há uma situação histórica precisa: a dinastia davídica, a que estão ligadas as
promessas (2Sm 7,12-16), está em perigo. Os reis de Aram e de Israel a querem
eliminar colocando no trono o filho de Tabel (7,1.4-6). Acaz, em lugar de pedir
o auxilio de Deus, faz imolar aos ídolos o seu único filho (2Rs 16,3) e procura
aliança na Assíria (2Rs 16,7). O profeta quer dissuadir o rei deste absurdo e
lhe propõe pedir a Deus um sinal da sua presença (v.10-11). Mas Acaz, não
demonstra ter fé em Deus (v.12). Então Deus anuncia a Acaz o castigo (7,16-17),
confirmando ao mesmo tempo sua fidelidade a Davi: apesar da infidelidade dos
homens, haverá um herdeiro para Davi (v.14).
2ª
Leitura: Hebreus 10,4-10
A validade do
sacrifício de Cristo não está na sua imolação por parte dos homens (isto não é
agradável a Deus). Tal atitude seria própria de um Deus sanguinário, que só se
aplacaria com o sangue de um ente querido. Nem se trata da obediência à lei,
porque esta já caducou (versículos de 1-4). Na realidade, o desígnio de Deus
foi tornar seu próprio Filho participante da condição humana, com todo aquele
amor necessário para que tal condição fosse transfigurada. Ora, a existência
humana supõe a morte, e o Pai não a excluiu da sorte de seu Filho, a fim de que
sua fidelidade à condição de homem só tivesse como limite sua fidelidade ao
amor do Pai. Com algumas variantes introduzidas no salmo ("um corpo me
preparastes' - diz Jesus - "ao entrar no mundo" com a encarnação), o
autor insere nas relações trinitárias e preexistentes à encarnação a intenção
sacrifical de Cristo... que a cruz fez apenas selar" (Maertens). Em Jesus
não há dissociação entre rito e vida; sua morte é sacrifício espiritual, porque
dom total de si na liberdade e no amor.
Evangelho: Lucas 1,26-38
Maria recebe do anjo a noticia de que
seria a mãe do Messias. Como poderia acontecer isso se ela não conhece homem?
Fazendo uma relação com o Evangelho de ontem, percebemos que mulheres estéreis
geraram filhos por obra divina, e filhos que atuaram decisivamente na história da
salvação. Maria não podia ter filhos, mas isso era fruto de sua vontade, de sua
consagração virginal. E nesta "esterilidade", Deus age. E sem a
atuação de um homem, mas do próprio Espírito Santo, Maria gera no seu ventre
virginal aquele que é o Senhor da história e que vai mudar radicalmente a vida
das pessoas. (CNBB)
A Igreja, refletindo sobre a mãe de
Jesus, foi entendendo, pouco a pouco, toda a verdade desta figura singular.
Neste processo, a Igreja chegou a professar que o pecado original, tendo marcado
para sempre a história da humanidade, mas não lançou raízes no ser de Maria.
Vivendo num mundo de egoísmo, ela não foi contaminada pelo pecado. Esta graça e
privilégio, conferidos por Deus à mãe do Salvador, aconteceram por causa de
Jesus Cristo. Deus preparou para receber seu Filho, que seria imune da culpa
original, um ventre não corrompido pelo pecado. Maria, de certo modo,
experimentou, por antecipação, o fruto da ação de seu filho Jesus, que viria ao
mundo para salvar a humanidade do pecado. A mãe foi a primeira a tirar partido
da missão do Filho. A santidade do Filho Jesus santificou todo o ser da mãe
Maria, desde que fora concebida. A proclamação do anjo "Ave, cheia de
graça, o Senhor está contigo" fundamenta a total santidade de Maria. Sendo
cheia de graça, nela não podia haver espaço para o pecado e para a infidelidade
a Deus. E sua existência, desde o início, só podia ser total comunhão com Deus.
Por outro lado, toda a vida de Maria foi marcada pela pessoa de Jesus, a quem
estaria ligada desde o momento do anúncio da encarnação. A concepção imaculada
é, pois, mais uma maravilha da graça de Deus na vida de Maria. (Padre Jaldemir
Vitório/Jesuíta).
Para Refletir
Na festa da Anunciação do Senhor, a Igreja nos convida a
considerar como essa importante solenidade põe sob novas luzes a nossa vivência
do tempo pascal. Durante esse período em que comemoramos a gloriosa
Ressurreição de Cristo, somos chamados a renovar todos os dias a nossa santa fé
católica. E é precisamente aqui, na intimidade do mais fiel dos corações, que
podemos vislumbrar em que consiste fundamentalmente a felicidade de nossa
querida Mãe do Céu, a quem hoje é anunciada a Encarnação do Filho de Deus.
"Bem-aventurada és tu que creste", diz-lhe a prima Isabel. Também o Senhor repetirá essa
mesma ideia, quando, anos mais tarde, responder àquela mulher exaltada (cf. Lc 11, 27): "Antes bem-aventurados
aqueles que ouvem a
palavra de Deus e a observam" (Lc 11, 28). Por isso, diz Santo Agostinho: "Beatior Maria est percipiendo fidem Christi quam concipiendo carnem
Christi" — "Maria foi mais feliz de receber a fé de Cristo do
que de conceber a carne de Cristo" (De Virginitate, 3;
cf. Sum. Th.
III, q. 30, a. 1, resp.).
Isso porque, se não houvesse fé nem, por conseguinte, aquela união
espiritual que a faz verdadeiramente íntima de Jesus, conceber a carne do
Salvador seria para a Virgem Santíssima um mero ato biológico. Neste caso, a
maternidade de Maria não seria mais do que um simples parentesco. Ora, que
proveito poderia ela tirar desta sua maternal e imerecida proximidade do
homem-Deus, se não O houvesse concebido antes no coração do que no útero (cf. De Virginitate, 4)?
Com efeito, de que serviu aos irmãos de Jesus ter a graça de serem seus
parentes, se nEle não quiseram acreditar? É por esta razão que o Senhor,
ensinado-nos a prioridade do amor e da obediência sobre os laços de sangue,
diz: "Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?" (Mt 12,
48) E, apontando com a mão para os seus discípulos, acrescentou: "Eis aqui
minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos
céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe" (Mt 12,
50), pois mais fortes e mais estreitos são os vínculos do espírito do que os do
corpo.
Com a instituição da Eucaristia e com o envio do Espírito Santo
após sua Ascensão aos Céus, Cristo nos deu a grande oportunidade de entrarmos
em contato consigo pelo toque tanto da fé quanto
do seu sacratíssimo Corpo; deu-nos, assim, a graça de sermos também nós bem-aventurados, porque cremos. Daí
a necessidade de, seguindo os passos de Nossa Senhora, procurarmos crescer
sempre na fé. A quem deseja ser verdadeiro amigo de Jesus e participar de sua
alegria celeste, não basta o ser batizado, não basta o dizer-se cristão. Temos
de querer amá-lo por meio da fé e da obediência à sua palavra, pela observância
dos seus mandamentos. Peçamos, pois, a Maria Santíssima que nos inspire o
desejo de estarmos cada dia mais unidos ao seu Filho, que, vendo-nos desde toda
a eternidade, disse a nosso respeito nestes tempos pascais:
"Bem-aventurados os que creram sem ter visto" (Jo 20,
29).
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