Será oportuno, antes do mais, reconstituir brevemente a
histórico da questão.
Na Era Apostólica, São Paulo recomendava que o
bispo fosse “marido
de uma só esposa” (1Timóteo 3,3; Tito 1,6). Com isto,
certamente não queria afirmar que todo bispo tinha a obrigação de ser casado,
pois nesta hipótese contradiria à palavra do Senhor, que reconhece e preza “aqueles que se castraram (=se conservaram virgens) por causa
do reino dos céus” (Mateus 19,12); contradiria também a
si mesmo, visto que Paulo desejava aos fiéis “fossem
todos como ele mesmo era” (1Coríntios 7,7), isto é, celibatários, a fim de
se entregarem sem divisão ao serviço do Senhor (cf. 1Coríntios 7,32-34). Na verdade,
o Apóstolo queria inculcar que, no século I da nossa era, quando as comunidades
cristãs constavam de muitos adultos e casados recém-convertidos, não se
escolhesse para o episcopado algum varão casado em segundas núpcias (bígamo em
sentido lato); estas [segundas núpcias], com efeito, eram geralmente
desaconselhadas (não, porém, condenadas) pela antiga Igreja, por parecerem uma
expressão de incontinência.
Houve, pois, nos tempos iniciais do Cristianismo,
bispos, sacerdotes e diáconos legitimamente casados; nenhuma lei lhes proibia o
uso do matrimônio.
Mais frequentes, porém, desde os primórdios eram
os clérigos que espontaneamente abraçavam o celibato. A razão disto era o
conselho do Senhor que exortava à continência (“quem o pode entender, entenda” – Mateus 19,12); eram também os
dizeres de São Paulo que, sem derrogar a santidade do matrimônio, afirmava ser
a virgindade um estado superior, estado no qual se pode servir ao Senhor sem
solicitude supérflua (cf. 1Coríntios 7,32-34).
No século IV esta praxe espontânea começou a ser
sancionada por leis de concílios regionais, que visavam assegurar aos
eclesiásticos os benefícios do celibato. Diversas, porém, foram as prescrições
promulgadas no Oriente e no Ocidente.
No Oriente, a legislação chegou ao seu termo
definitivo em 692 (Concilio Trulano II ou Quinissexto); foi então proibido aos
sacerdotes, diáconos e subdiáconos contrair matrimônio após receberem a
respectiva ordem sacra; caso, porém um leigo casado desejasse ordenar-se, as
núpcias anteriormente contraídas não lhe seriam empecilho, nem se exigiria que,
depois de ordenado, deixasse de viver maritalmente com a esposa; apenas se lhe
pedia que se abstivesse do consórcio conjugal quando estivesse para celebrar as
funções do altar (que não eram cotidianas); ao sacerdote viúvo ficaria vedado
casar-se em segundas núpcias. Quanto aos bispos, o Concilio lhes prescrevia
continência absoluta, de sorte que, se um futuro bispo estivesse casado, a
esposa, depois de sua sagração, deveria recolher-se a um mosteiro distante,
ficando o marido obrigado apenas a prover às despesas de sua subsistência. São
estas as determinações ainda hoje vigentes entre os cristãos orientais,
quer cismáticos (com poucas exceções), quer unidos a Roma; o Direito Canônico
não lhes impõe o celibato, que nunca foi obrigatório na tradição oriental. Em
vista da cláusula um pouco-mais rigorosa imposta aos bispos, estes no Oriente
são de preferência nomeados dentre os monges, que por profissão abraçam a
castidade perfeita.No Ocidente, o primeiro decreto restritivo se deve ao
Concílio de Elvira (Espanha) reunido por volta do ano de 300: proibia aos
bispos, sacerdotes e diáconos, sob pena de degradação, uso do matrimônio e o
desejo de ter prole (cânon 33). Esta determinação, que a princípio só visava a
Espanha, em menos de um século estava em vigor (às vezes sob forma de conselho
apenas) em todo o Ocidente. A fórmula definitiva de tal disciplina foi
promulgada pelo Concílio Ecumênico do Latrão I em 1123: a todos os clérigos, a
partir do subdiaconato, foi prescrito de maneira peremptória o celibato; em
consequência, o matrimônio contraído por um eclesiástico depois da respectiva
ordenação era declarado inválido. O Concilio de Trento promulgou de novo tal
lei no século XVI, época em que os Imperadores Ferdinando I (1556-1564) e
Maximiliano II (1564-1576), da Alemanha, exerciam pressão sobre o Papa Pio IV
(1559-1565) a fim de obterem o casamento dos sacerdotes de seu reino, ameaçados
pela rebordosa luterana.
Sucessivas determinações da autoridade da Igreja têm
corroborado frequentemente até nossos dias a obrigação celibato clerical. No
início do século XX, violenta campanha se desencadeou contra essa praxe; na
Tchecoslováquia, por exemplo, vários sacerdotes, reivindicando o direito de se
casar, aderiram à “Iednota”, associação de tendências cismáticas, à qual o Papa
Bento XV resistiu energicamente, declarando numa alocução consistorial de 16 de
dezembro de 1920:
–
“Veneráveis Irmãos: o que várias vezes já afirmamos ocasionalmente, Nós agora o
atestamos solene e categoricamente: nunca esta Sé Apostólica atenuará ou
mitigará essa lei profundamente santa e salutar do celibato eclesiástico; muito
menos ainda a abolirá” (Acta Apostolicae Sedis XII [1920], p.585).
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Front Católico
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