(IT, capítulo 4, números 36 a 42)
O diálogo do qual tratamos aqui é o diálogo
evangelizador ao qual necessariamente o IT tem que se referir.
Esse diálogo tem como finalidade constitutiva,
sem negar outras, “iluminar todos os homens e todos os povos (também os
amazônicos) anunciando o Evangelho a toda criatura (Mc 16, 15), com a luz de
Cristo que brilha e resplandece no rosto da Igreja” (Cfr LG1).
Qualquer outro diálogo ou qualquer outra
finalidade do mesmo não responde nem ao ser nem à ação da Igreja que “existe
para evangelizar” (Cristo crucificado e ressuscitado). Este não é um diálogo
entre pessoas eruditas sobre culturas indígenas, mitos sobre o “bem viver” com
a natureza, nem, muito menos, sobre a escatologia da “terra sem males”.
Não é uma reflexão conjunta ou um estudo
respeitoso e participativo entre amigos, esforçado e perseverante, com a
finalidade principal de “criar uma sociedade justa, capaz de memória e sem
exclusões” (EG 238).
Isso significaria a morte do Evangelho e da
Igreja. Esta ficaria reduzida à condição de uma grandiosa e imponente ONG
universal, especialista em humanismo, chegando a ser a máxima expressão
evolutiva da humanidade pela globalização da solidariedade.
Os protagonistas desta grandiosa ONG seriam os
povos indígenas da Amazônia chamados pelo destino a esta missão histórica:
Amazonizar a Igreja e, portanto, amazonizar o mundo! Isto é, irmãos, a torre de
Babel!
Pelo contrário, o diálogo evangelizador tende
necessariamente à comunicação alegre, amiga, confiante, segura e simples de que
em Jesus de Nazaré, Filho de Deus, oferece-se a todos os homens a salvação
integral (pessoal, social, ambiental, temporal e eterna), pela fé no “Deus que
amou tanto o mundo, que lhe deu seu Filho único” (Jo 3, 16).
Tudo isso nos indica a grandeza e a
transcendência de um diálogo cuja finalidade inclui, acima de tudo, a salvação
presente e eterna através do amor crucificado, “único eixo cultural capaz de
mudar as estruturas perversas da sociedade” (também indígenas) em estruturas
justas (Aparecida 543), “pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo,
mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3, 17).
Que esse diálogo seja absolutamente
questionador e não careça de transcendência, de estudiosos de culturas
indígenas ou de especialistas em ONGs amazônicas nos recorda a Palavra. “Quem
nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado” (Jo 3, 18).
A questão fundamental do diálogo evangelizador
é a seguinte: “Libertar cada homem e todos os homens de qualquer tipo de
escravidão que os oprima, sobretudo a escravidão do pecado e do maligno… na
alegria de conhecer a Deus e de ser por ele conhecido” (EN 7. 9. 10).
Quem é o protagonista do diálogo? (IT 38).
Tratando do diálogo evangelizador, obviamente não são os povos da Amazônia.
Nem, tampouco, “de maneira especial os pobres e quantos são culturalmente
diferentes” (IT 38). Eles são os primeiros e privilegiados destinatários da
evangelização e, portanto, do diálogo (Lucas 4, 18 ss), que uma vez convertidos
a Cristo serão efetivamente atores privilegiados do diálogo evangelizador.
As “outras doutrinas petrificadas” que se
opõem à evangelização dialógica (Ibid) não são, obviamente, as doutrinas e
mistérios que a Igreja proclama com gratidão a Deus no símbolo apostólico e
retamente explicadas pelo Catecismo.
Por outro lado, a ambiguidade e as meias
verdades que caracterizam o IT são evidenciadas na afirmação de que o diálogo é
um processo de aprendizagem facilitado “pela abertura à transcendência” (EG
205). Na verdade, o texto deveria dizer que o diálogo salvífico é possibilitado
pela “abertura à transcendência de Cristo, na qual toda a plenitude de Deus
habita corporalmente” (Col).
“O relativismo e o nivelamento de todas as
religiões e credos, afirmando que existem outros caminhos válidos para a
salvação (IT 39), estão querendo negar a unicidade e exclusividade do caminho
de Cristo. ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’. ‘Ninguém vai ao Pai se não
por Mim… Eu e o Pai somos um. Quem me vê, vê o Pai…’. Isso não se confunde com
nenhuma atitude corporativista (Ibid).
Conversão, Palavra, Pentecostes (IT 40).
Novamente, o documento da REPAM (IT 40), construído com meias verdades, aparece
como inútil. A verborragia e a imprecisão do mesmo nos dão a sensação de
vertigem. Por exemplo, o conceito de conversão dos corações endurecidos só é
possível a partir da “pregação do mistério pascal e do arrependimento para o
perdão dos pecados a todas as nações” (Lucas 24, 44ss; Atos 2, 38).
Arrependimento que é originado exclusivamente pela “convicção do pecado
suscitada pelo Espírito Santo, porque não creem em Mim” (Cf. Jo 16, 8ss). É
exclusivamente na direção de Cristo que se encontra a salvação pela fé.
Tampouco a partilha das verdades com a
humanidade inteira, se não se compartilha a Palavra, a Verdade que se fez carne
e habitou entre nós e “vimos a sua glória” (Jo 1, 14). O diálogo não transforma
a mentalidade de ninguém, nem dos povos amazônicos.
A confusão se torna heresia quando se supõe
que ainda tem que acontecer o nascimento da Igreja “que caminha em busca de sua
identidade em direção à unidade do Espírito Santo”.
O diálogo não é pentecostal porque é a origem
da Igreja, mas porque o acontecimento de Pentecostes, gerando a Igreja, fez
desta uma Igreja missionária e evangelizadora.
Porque a Igreja não é gerada pelo diálogo. Ela
existe antes de nós. É através do batismo que formamos o Corpo de Cristo: “Em
um só Espírito fomos batizados todos nós, para formar um só corpo” (1Cor 12,
13).
Porque nossa unidade eclesial na única Igreja
cresce e alcança sua plenitude não no diálogo, mas no sacramento do Corpo e
Sangue do Senhor: “O cálice de bênção, que abençoamos, não é a comunhão do
sangue de Cristo?”. (1Cor 10).
Por último, “o encontro com o outro não nos
mostra a impenetrabilidade da realidade e do mistério de Deus” (IT 40). Se Ele
não se revela, não há probabilidade de nenhum conhecimento nem de acesso real
ao Deus de Jesus Cristo, se não for por meio dele e em seu Espírito.
Profetismo (IT 42).
O silêncio sobre o acontecimento de
Pentecostes reduz o profetismo na Amazônia a propostas éticas, orientações
moralistas, ações esforçadas, visão precisa do que precisa ser feito. Sem a
“profunda experiência de Pentecostes que transformou os apóstolos e os tornou
testemunhas e profetas” (RM 24), os gritos e cânticos de dor e de júbilo da
Igreja profética na Amazônia serão perdidos no silêncio e no vazio sem mudar o
rumo da história nem criar qualquer novo caminho para a mesma. A opção
preferencial pelos pobres nesse caso será tímida, necessariamente desprovida de
vigor e completamente inútil. Sem o Espírito Santo criador, regenerador, o
Espírito que dá vida à natureza e sentido à sua história, “que procede do Pai e
do Filho” e sem o qual não há nada saudável no mundo, nada digno, nada santo ou
humano, o profetismo na Igreja e na Amazônia sobre propostas concretas de
ecologia integral, de diálogo entre os povos, culturas e territórios, o clamor
da terra e dos pobres (IT 42), tudo se torna fóssil, a ecologia integral nas
cinzas e na fumaça das queimadas, a teologia da natureza e da história, em pura
poesia teológica e ambiental.
“Não havia Espírito porque Jesus não havia
sido crucificado e glorificado” (Jo 7, 37). Sem o Pai dos pobres, que é o
Espírito Santo, estes morrem inevitavelmente.
Por último, quem é um profeta? Todas as
Escrituras do Antigo e do Novo Testamento o proclamam: “Se a palavra que
proclama o profeta for cumprida, eu o enviei. Caso contrário, ele é um falso
profeta. Eu não o enviei”.
Dom José Luis Azcona,
Bispo Emérito de Marajó
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