Após duas semanas intensas de oração e
celebrações litúrgicas, sessões gerais, reuniões em círculos menores, encontros
diversos e atividades paralelas, o Sínodo Pan-amazônico entra em sua reta
final. Acompanhando o seu desenvolvimento, animei-me a oferecer uma nova
contribuição, com minha reiterada admiração pelos missionários amazônicos.
Defesa justa e acertada dos povos da Amazônia e da ecologia integral
2. Muitos foram os temas tratados, com grande
liberdade e respeito, pelos padres sinodais. Alguns deram seus testemunhos de
trabalhos, dificuldades e realizações pastorais. Outros apresentaram
contribuições para os temas ecológicos e sociais. Sempre alinhados com o apoio
necessário e justo à defesa dos direitos dos povos amazônicos e da ecologia do
território, foram acolhidos com beneplácito pela assembleia solene.
A maioria dos padres sinodais tratou temas
estritamente pastorais. Entre estes, há alguns de maior interesse. Um deles,
embora não seja o mais importante, mas muito polêmico é o dos idosos casados
sacerdotes, ou ordenar sacerdotes aos idosos casados. A este tema vou dedicar
estas reflexões.
Uma observação importante: Nem toda a população da Amazônia é indígena
3. A ordenação sacerdotal dos idosos casados é o tema de maior impacto na mídia. Mas antes de abordá-lo, gostaria de
lembrar que na Amazônia existem cerca de 34 milhões de pessoas, das quais
apenas três milhões são indígenas, a maioria não integrados à vida social de
seus países.
Ou seja: a população indígena que sofre uma
pastoral de visita e não de presença não é a maioria da população amazônica,
grande parte da qual já são criollos e mestiços católicos ou cristãos
batizados. Portanto, não se pode generalizar e apresentar o problema da
ausência crônica de sacerdotes como se fosse de toda a Amazônia. Está focado
principalmente nas comunidades indígenas.
Nesse território, também existem cidades
grandes e importantes dioceses e arquidioceses, melhor atendidas pastoralmente
do que as comunidades indígenas, espalhadas por grandes extensões de terra. Um
Sínodo centrado apenas na população indígena esqueceria o restante da população
amazônica. Alguns parecem entender dessa maneira, restritivamente.
Solução: Ordenar sacerdotes a idosos casados virtuosos?
4. Acredito que a preocupação por um melhor
cuidado pastoral dessas populações indígenas é muito legítima. E devemos
encontrar uma solução para a falta de sacerdotes. Para isso, o Instrumentum
Laboris apresentou como uma solução possível a ordenação de outros tipos de
presbíteros: idosos de virtude comprovada, casados, com sua família própria
que, vivendo em suas comunidades, possibilitariam a celebração frequente da
Eucaristia.
O texto afirma claramente a vigência da
disciplina do celibato sacerdotal como uma dádiva para a igreja. Muito bem. De
fato: imitando Cristo, celibatário e esposo da Igreja, os presbíteros de rito
latino e muitos também das igrejas orientais, escolhemos livremente consagrar
nossas vidas a Deus e à Igreja, renunciando ao matrimônio e comprometendo-nos
religiosamente com Deus à vivência da castidade perfeita. Algo que convém
perfeitamente com a natureza do sacerdócio, que é a configuração a Cristo, sumo
e eterno sacerdote e bom pastor.
5. Um detalhe: o texto não usa o termo
conhecido e popular de "viri probati", "homens de virtude
comprovada". Utiliza a expressão "pessoas idosas" e deixa aberta
então a possibilidade da ordenação sacerdotal da mulher. Não vamos considerar
esta segunda possibilidade, já abertamente descartada diversas vezes por São
Paulo VI e São João Paulo II e também recentemente pelo Papa Francisco.
Escutemos São João Paulo II diretamente:
“Portanto, para que seja excluída qualquer
dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição
divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cf. Lc
22,32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a
ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como
definitiva por todos os fiéis da Igreja”. (São João Paulo II, Carta Apostólica
Ordinatio sacerdotalis, 1994).
Algumas perguntas
6. Nos limitaremos aqui a refletir sobre a
possibilidade de conferir o presbiterado a homens idosos casados. Esta solução
deve enfrentar vários problemas ou perguntas. Vou mencionar alguns. Está claro
que o tema de ordenar idosos casados é um assunto de disciplina, de conveniência
religiosa e pastoral, e exige pesar prós e contras. Não é um dogma de fé. Sem
dúvida poderiam ser ordenados. Mas seria preciso pensar que tipo de sacerdotes
seriam. Uns de segunda classe? Como os famosos ‘sacerdotes de missa e panela’
do passado? Qual seria a sua formação específica, isto é, como se preparariam?
Os diáconos permanentes requerem uma preparação
séria, geralmente pelo menos 4 anos. E qual seria o seu ministério,
simplesmente celebrar os sacramentos? De quem dependeriam, ou seja, quem seria
seu superior imediato? Não haveria conflitos entre esses sacerdotes
idosos-só-sacramentalistas e os párocos ou vigários paroquiais? Como seria seu
regime econômico ou administrativo, ou seja, quem os sustentaria em dioceses ou
vicariatos de extrema pobreza?.
7. E depois: essa abertura disciplinar estaria
limitada apenas à Amazônia? Não enfraqueceria o sacerdócio celibatário no resto
do mundo? E muito importante: um sínodo regional pode aprovar uma norma que
afeta toda a Igreja universal? Já um importante padre sinodal indicou que para
isso seria necessário estudar o sacerdócio de maneira global – não apenas o
celibato – e em um sínodo geral, não regional.
A base do celibato sacerdotal: configuração a Cristo, sumo sacerdote e
bom pastor
8 . Mas também devemos considerar a importância
e o valor do celibato sacerdotal quando vivido autenticamente pelos consagrados
– religiosos – e pelos presbíteros da Igreja Latina. Trata-se de uma forma de
dar, de consagrar o coração e toda a vida a Deus, para dar testemunho de sua
grandeza, de que Ele é o mais importante, de que seu amor é o máximo possível!
De que o seu amor nos faz imensamente felizes!
9. Trata-se também de configurar-nos a Cristo,
bom pastor e sumo e eterno sacerdote, que se entregou ao seu Pai celestial,
para dar vida divina ao mundo (Jo 10,10), para oferecer sua existência em
sacrifício de suave oblação ao Pai pela salvação do mundo.
O celibato é uma consagração total, que faz
Cristo presente no mundo de hoje. O sacerdote diocesano celibatário, assim como
o religioso, dá testemunho de que ama a Deus mais do que todas as coisas e de
que se entregou à Igreja e a seus irmãos, seres humanos, para dar-lhes os dons
divinos, aproximá-los de Deus, para tornar Cristo presente no meio de seu povo.
A experiência venezuelana: as vocações podem aumentar. De fato,
aumentaram!
10. Creio que a solução para a atenção das
comunidades é que haja uma maior atividade evangelizadora e santificadora, para
fortalecer a vida de fé nessas comunidades cristãs sem sacerdotes.
A evangelização, junto com a pastoral juvenil
e vocacional, produz resultados a médio e longo prazo. Já vimos isso na
Venezuela. Dioceses como Coro, Maracay, Maturín, Barcelona, Valência, San Felipe, La Guaira, entre outras, registraram um aumento
significativo nas vocações sacerdotais nos últimos 40 ou 50 anos.
Não há dúvida de que o trabalho dos
missionários amazônicos foi e é magnífico, sacrificado, digno de todo respeito,
reconhecimento e louvor. Mas, apesar disso, não há vocações. É por isso que
devemos estudar com sinceridade e realismo porque a pregação evangélica e o
trabalho missionário não produziram mais frutos nas comunidades indígenas,
incluindo as vocações indígenas ao sacerdócio ou à vida consagrada.
Uma solução imperfeita e problemática
11. Então, ordenar sacerdotes a bons idosos de
função apenas litúrgica dará o impulso necessário à vida da Igreja? Além disso,
o tema dos idosos casados chamados ao sacerdócio é muito importante e
grave para que um Sínodo regional o resolva para a Igreja universal.
12. Por que, então, debilitar a disciplina e o
valor do celibato sacerdotal com uma solução imperfeita e problemática para as
populações indígenas da Amazônia e para a Igreja universal? Repito há muitas
perguntas sérias sobre a ordenação desses bons idosos casados. E talvez não
resolva os problemas da situação atual. Não acho que seja conveniente nem útil.
Conclusão
13. Espero e peço a Deus que o Espírito Santo
ilumine todos os participantes dessa grande assembleia. Peçamos a Deus que este
Sínodo dê frutos positivos para uma ecologia integral. Mas, acima de tudo,
frutos para o fortalecimento e revitalização da Igreja nos países amazônicos e
para um maior impulso ao trabalho missionário e evangelizador de sua população
indígena, criolla e mestiça nesse imenso território.
E que nossa mãe amorosa Maria Santíssima de
Guadalupe, Rainha da América, interceda por nossa Igreja amazônica e universal.
Amém.
Cardeal Jorge Urosa Savino,
Arcebispo Emérito de Caracas
(21 de outubro de 2019)
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ACI Digital
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