SANTA
MISSA PARA A ABERTURA
DO SÍNODO DOS BISPOS PARA A AMAZÔNIA
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
XXVII
Domingo do Tempo Comum,
6 de outubro de 2019
Basílica
Vaticana
O apóstolo Paulo, o maior missionário da
história da Igreja, ajuda-nos a «fazer Sínodo», a «caminhar juntos»; parece
dirigido a nós, Pastores ao serviço do povo de Deus, aquilo que escreve a
Timóteo.
Começa dizendo: «Recomendo-te que reacendas o
dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas mãos» (2 Tm 1, 6).
Somos bispos, porque recebemos um dom de Deus. Não assinamos um acordo;
colocaram-nos, não um contrato de trabalho nas mãos, mas mãos sobre a cabeça,
para sermos, por nossa vez, mãos levantadas que intercedem junto do Senhor e
mãos estendidas para os irmãos. Recebemos um dom, para sermos dons. Um dom não
se compra, não se troca nem se vende: recebe-se e dá-se de prenda. Se nos
apropriarmos dele, se nos colocarmos a nós no centro e não deixarmos no centro
o dom, passamos de Pastores a funcionários: fazemos do dom uma função, e desaparece
a gratuidade; assim acabamos por nos servir a nós mesmos, servindo-nos da
Igreja. Ao passo que a nossa vida, dom recebido, é para servir. No-lo recorda o
Evangelho, que fala de «servos inúteis» (Lc 17, 10); expressão esta, que pode
querer dizer também «servos sem fins lucrativos». Por outras palavras, não
trabalhamos para obter lucro, um ganho nosso, mas, sabendo que gratuitamente
recebemos, gratuitamente damos (cf. Mt 10, 8). Colocamos toda a nossa alegria
em servir, porque fomos servidos por Deus: fez-Se nosso servo. Queridos irmãos,
sintamo-nos chamados aqui para servir, colocando no centro o dom de Deus.
Para sermos fiéis a esta chamada, à nossa
missão, São Paulo lembra-nos que o dom deve ser reaceso. O verbo usado é
fascinante: reacender, no original, significa literalmente «dar vida a uma
fogueira» [anazopurein]. O dom que recebemos é um fogo, é amor ardente a Deus e
aos irmãos. O fogo não se alimenta sozinho; morre se não for mantido vivo,
apaga-se se a cinza o cobrir. Se tudo continua igual, se os nossos dias são
pautados pelo «sempre se fez assim», então o dom desaparece, sufocado pelas
cinzas dos medos e pela preocupação de defender o status quo. Mas «a Igreja não
pode de modo algum limitar-se a uma pastoral de “manutenção” para aqueles que
já conhecem o Evangelho de Cristo. O ardor missionário é um sinal claro da
maturidade de uma comunidade eclesial» (Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal
Verbum Domini, 95). Porque a Igreja está sempre em caminho, sempre em saída;
nunca fechada em si mesma. Jesus veio trazer à terra, não a brisa da tarde, mas
o fogo.
O fogo que reacende o dom é o Espírito Santo,
dador dos dons. Por isso, São Paulo continua: «Guarda, pelo Espírito Santo que
habita em nós, o precioso bem que te foi confiado» (2 Tm 1, 14). E antes
escrevera: «Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de
amor e de prudência» (1, 7). Não um espírito de timidez, mas de prudência.
Alguém pode pensar que a prudência seja a virtude «alfândega», que, para não
errar, faz parar tudo. Mas não! A prudência é virtude cristã, é virtude de
vida; mais, é a virtude do governo. E Deus deu-nos este espírito de prudência.
Em oposição à timidez, Paulo coloca a prudência. Que é, então, esta prudência
do Espírito? Como ensina o Catecismo, a prudência «não se confunde com a
timidez ou o medo», mas «é a virtude que dispõe a razão prática para discernir,
em qualquer circunstância, o nosso verdadeiro bem e para escolher os justos
meios de o atingir» (n. 1806). A prudência não é indecisão, não é um comportamento
defensivo. É a virtude do Pastor que, para servir com sabedoria, sabe
discernir, sensível à novidade do Espírito. Então, reacender o dom no fogo do
Espírito é o oposto de deixar as coisas correr sem se fazer nada. E ser fiéis à
novidade do Espírito é uma graça que devemos pedir na oração. Ele, que faz
novas todas as coisas, nos dê a sua prudência audaciosa; inspire o nosso Sínodo
a renovar os caminhos para a Igreja na Amazónia, para que não se apague o fogo
da missão.
O fogo de Deus, como no episódio da sarça
ardente, arde mas não consome (cf. Ex 3, 2). É fogo de amor que ilumina, aquece
e dá vida; não fogo que alastra e devora. Quando sem amor nem respeito se
devoram povos e culturas, não é o fogo de Deus, mas do mundo. Contudo quantas
vezes o dom de Deus foi, não oferecido, mas imposto! Quantas vezes houve
colonização em vez de evangelização! Deus nos preserve da ganância dos novos
colonialismos. O fogo ateado por interesses que destroem, como o que devastou
recentemente a Amazónia, não é o do Evangelho. O fogo de Deus é calor que atrai
e congrega em unidade. Alimenta-se com a partilha, não com os lucros. Pelo
contrário, o fogo devorador alastra quando se quer fazer triunfar apenas as
próprias ideias, formar o próprio grupo, queimar as diferenças para
homogeneizar tudo e todos.
Reacender o dom; receber a prudência audaciosa
do Espírito, fiéis à sua novidade; São Paulo faz uma última exortação: «Não te
envergonhes de dar testemunho (…), mas compartilha o meu sofrimento pelo
Evangelho, apoiado na força de Deus» (2 Tm 1, 8). Pede para testemunhar o
Evangelho, sofrer pelo Evangelho; numa palavra: viver para o Evangelho. O
anúncio do Evangelho é o critério primeiro para a vida da Igreja: é a sua
missão, a sua identidade. Mais adiante, Paulo escreve: «Estou pronto para
oferecer-me como sacrifício» (4, 6). Anunciar o Evangelho é viver a oferta, é
testemunhar radicalmente, é fazer-se tudo por todos (cf. 1 Cor 9, 22), é amar
até ao martírio. Agradeço a Deus por haver no Colégio Cardinalício alguns
irmãos Cardeais mártires, que provaram, na vida, a cruz do martírio. De facto,
como assinala o Apóstolo, serve-se o Evangelho, não com a força do mundo, mas
simplesmente com a força de Deus: permanecendo sempre no amor humilde,
acreditando que a única maneira de possuir verdadeiramente a vida é perdê-la
por amor.
Queridos irmãos, olhemos juntos para Jesus
Crucificado, para o seu coração aberto por nós. Comecemos dali, porque dali
brotou o dom que nos gerou; dali foi derramado o Espírito que renova (cf. Jo
19, 30). Dali, sentimo-nos chamados, todos e cada um, a dar a vida. Muitos
irmãos e irmãs na Amazónia carregam cruzes pesadas e aguardam pela consolação
libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da Igreja. Muitos irmãos e irmãs
gastaram a sua vida na Amazónia. Permiti que repita as palavras do nosso amado
Cardeal Hummes: quando fores àquelas pequenas cidades da Amazónia, vai aos
cemitérios procurar o túmulo dos missionários. Um gesto da Igreja por aqueles
que gastaram a vida na Amazónia. E depois, com um pouco de astúcia, disse ao
Papa: «Não se esqueça deles. Merecem ser canonizados». Por eles, pelos que
agora estão a dar a vida, pelos outros que lá gastaram a própria vida, com
eles, caminhemos juntos.
________________________
Santa Sé
Nenhum comentário:
Postar um comentário