Um jovem me perguntou uma vez se o demônio pode se
manifestar em objetos, ou em maldições lançadas contra uma pessoa. Compartilho
com os leitores minhas reflexões a partir dessa pergunta.
A rebelião de Satanás contra Deus não se deu
somente em um passado distante e durante a vida terrena de Jesus. A história da
salvação não chegou ainda ao seu termo, e o juízo final sobre os demônios deve
ainda ocorrer. Até o retorno de Cristo, o mundo é ainda teatro do conflito
entre o Reino de Deus e o de Satanás. Por isso, às potências demoníacas
permanece a possibilidade de uma atividade (atenção: uma atividade limitada e
permitida) na tentação e sedução dos homens.
É preciso sempre lembrar que a vitória de Cristo é
vitalmente muito mais eficaz e poderosa na defesa e proteção da Igreja. Na
rebelião contra Deus, o influxo de Satanás sobre o homem nunca se iguala ao de
Deus: somente Deus pode agir no íntimo da pessoa, a partir do seu interior. Por
ser criatura, Satanás pode influenciar o homem somente por meio da instrução,
da persuasão e da excitação, a partir de fora, das paixões e dos afetos do
homem.
Há também casos da ação demoníaca por possessão. Em
senso estrito, possessão é a tomada de posse do corpo por parte de Satanás.
Desconhecemos a extensão total dos poderes do demônio sobre o universo criado,
no qual se inclui a humanidade. Sabemos que, tanto na Bíblia quanto na
História, há casos em que o diabo penetra no corpo de uma pessoa e controla as
suas atividades físicas (palavra, movimentos e ações). Mas o diabo não pode
controlar a alma; a sua liberdade permanece inalterada e nem todos os demônios
do inferno juntos têm o poder ou a permissão de forçá-la. Em princípio, não
devemos menosprezar a influência do demônio e julgá-la insignificante; nem
devemos julgar que todos os transtornos de personalidade (histeria, doença
psíquica, distúrbios mentais, desvios) sejam possessão demoníaca. O remédio
sacramental contra a possessão é o exorcismo.
Além da sedução, sugestão, instrução (tentações a
partir de fora) e da possessão, o demônio, enquanto criatura que pertence ao
Cosmo, pode também se servir de elementos criados. Em sua rebelião contra Deus,
o demônio pode atuar nos males físicos (para entender a distinção entre males
físicos e morais, vide Catecismo da Igreja Católica, 309-314) em modos e em
graus diferentes. Mas, também nesse caso, é muito difícil ver com clareza se um
evento no Cosmo (por exemplo um cataclismo, uma catástrofe climática, uma
pandemia) pode ser explicado como fenômeno natural ou deva ser atribuído a
poderes demoníacos. De fato, atualmente o homem, graças ao progresso das
ciências naturais, está em melhores condições para compreender e interpretar
eventos naturais do que as gerações passadas. De qualquer forma, devemos ter
claro que Satanás e seus anjos decaídos, em virtude da sua criaturalidade,
estão inseridos no conjunto do Cosmo e têm a capacidade de exercer uma
influência deletéria (a atividade demoníaca não é construtiva e sim destrutiva
do mundo e da humanidade) também sobre as criaturas infra-humanas. Essa
possível influência sempre se dá na medida da permissão divina e no âmbito do
Governo providente de Deus. Contra esse influxo de Satanás sobre os elementos
criados, o remédio protetor é o Sacramental da Consagração.
Satanás pode agir também por meio de maldições.
Esse caso está incluído naqueles em que os demônios agem através de poderes
desconhecidos e que não são explicáveis pelas ciências naturais (sortilégio,
bruxaria, feitiçaria, magia, adivinhação, satanismo, comunicação com 'entidades
desencarnadas', etc.). Essas práticas, mesmo que não provoquem dano direto,
causam geralmente confusão, dúvida, inquietude, medo. Aqui é preciso
discernimento prudente entre o campo das forças demoníacas e os das forças
naturais. Por isso, não devemos descartar que uma pessoa dotada de forças
demoníacas possa provocar um mal. Mas a verificação de tal possibilidade só
deve ser admitida quando todas as explicações naturais forem insuficientes.
Contra tal influxo de Satanás através do recurso às forças ocultas, o remédio
protetor é a benção.
Diante da atuação demoníaca, a Igreja recebeu meios
genuínos de defesa, nos quais se aplica o Poder vitorioso de Cristo. São os
Sacramentais da Consagração, da Benção e do Exorcismo. Mas muito mais eficaz e
importante é a defesa de uma vida santa, fundada na Fé, na Graça e na Comunhão
com Cristo. Para que Satanás fuja do cristão não há providência melhor e mais
eficaz do que a adesão firme e consciente a Cristo por meio dos Sacramentos, da
oração, da vigília e de uma vida santa.
Dom Julio
Endi Akamine,
Bispo
Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, Titular de Tagamuta e Vigário
Episcopal da Região Lapa da Arquidiocese de São Paulo
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ARQUIDIOCESE
DE SÃO PAULO, Jornal “O São Paulo” nº 3053, ano 60, p. 5.
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