Como cristãos, temos motivos de sobra para celebrar
Maria como “rainha e senhora”, mas corremos o risco de esquecer a história
daquela mulher simples que viveu num pequeno povoado de uma região periférica
no mundo daquele tempo.
Maria de Nazaré é alguém de nossa raça. Como os
demais seres humanos, nasceu e viveu num contexto histórico, social, econômico,
político e cultural.
Como as outras mulheres, sua natureza humana se
desgastou; viu-se atingida pelas inclemências dos anos e envelheceu. Não
viveu segregada e protegida. Não é fácil conhecer a história de Maria com
objetividade, uma vez que as fontes são os Evangelhos, nos quais os fatos
históricos já se apresentam interpretados a partir da fé. Não se deve, porém
esquecer essa história que há de ser ponto de partida insubstituível em toda reflexão
mariológica.
No Novo Testamento há diversas tradições. Maria é
referência indireta nos escritos paulinos. Marcos a apresenta como mulher do
povo e participante de sua mentalidade. Os Evangelhos da infância apresentam
uma teologia bem elaborada sobre a fisionomia espiritual da Virgem, enquanto o
quarto evangelista destaca sua fidelidade e seu significado na comunidade
cristã.
De todas essas interpretações podemos concluir:
– Maria foi uma mulher simples do povo e sensível
às necessidades dos pobres.
Embora os Evangelhos nada digam sobre os pais de
Miryam, nome original de Maria, segundo a tradição eles se chamavam Joaquim e
Ana. Vivia em Nazaré, um povoado sem renome e de má fama, na região norte
chamada Galiléia. Sua existência deve ter sido como a de qualquer outra jovem
daquela cultura: arrumar a casa, ajudar os irmãos menores, e participar nas
festas religiosas. Ainda se conserva em Nazaré a “fonte da Virgem”. Ali ela
comentaria com as outras mulheres os acontecimentos e rumores de cada dia.
Contam os Evangelhos que Miryam estava prometida
para ser esposa de um carpinteiro justo e honrado que se chamava José, e talvez
tivesse emigrado da Judéia. Maria e José pertencem ao povo humilde, de modo que
quando seus conterrâneos vêem que Jesus fala tão bem, se admiram: “Mas não é
este o filho do carpinteiro e de Maria?” (Mc 6,2).
Aquela mulher é sensível às necessidades dos
outros. Sabendo que sua parenta Isabel já está no sexto mês de gravidez,
desloca-se para lhe dar assistência. Quando participava de uma festa de
casamento, percebe que falta vinho, e procura falar com Jesus para resolver o
problema, e impedir que os noivos fiquem envergonhados. – Miryam recebeu de
Deus um favor singular na concepção e no nascimento de Jesus. Movida pelo
Espírito, entregou-se totalmente ao projeto de salvação, vivendo sua
maternidade até as últimas consequências.
Nos primeiros meses de gestação, a criança se
configura física e psicologicamente por obra de sua mãe, que não só a alimenta
com a própria vida como também a torna centro de seus pensamentos, afetos e
cuidados. A mãe amolda misteriosamente a personalidade de seu filho.
A frase do evangelho é bem eloquente: “Maria deu à
luz o filho primogênito. Envolveu-o em panos e o deitou numa manjedoura, por
não haver lugar na hospedaria” (Lc 2,7).
Nesse gesto está implícito o amor materno e a
ternura que viveu aquela jovem mãe ao encontrar-se diante de seu filho. A
experiência singular que Maria teve de Deus não diminuiu seu afeto materno;
tornou-o mais profundo, delicado e total.
– A Virgem fez sua caminhada na surpresa e na
obscuridade da fé.
Os evangelhos da infância sugerem que os inícios
não foram fáceis: conflito com José pela gravidez inexplicável, perseguição do
rei Herodes, e fuga do país durante a noite, para defender o filho.
Parece que os familiares de Jesus não entenderam
sua decisão de abandonar suas seguranças sociais e dedicar-se ao anúncio do
Reino, interessando-se pelos marginalizados. Pensavam que ele havia perdido o
juízo e queriam traze-lo de volta à casa. Quando viram que ia tendo êxito, lhe
diziam que fosse para Jerusalém, a capital da Palestina: “Ninguém faz tais
coisas em segredo, se deseja ser conhecido do público” (Jo 7,4).
Os evangelistas querem deixar bem claro que Maria
disse “sim” ao projeto de Deus, sendo “a pobre” inteiramente disponível à
vontade divina. Isto, porém não impede, até exige, que vivesse sua entrega num
processo histórico marcado pela surpresa, o conflito e o sofrimento. Diante de
comportamentos estranhos de Jesus, “ficava perplexa”, “vacilava em seu íntimo”.
Deve ter sido uma mulher contemplativa da passagem de Deus pela história.
Lc 2,49-50 acusa certo desgosto de Maria quando o
menino Jesus permanece no templo de Jerusalém sem avisar a seus pais. Maria,
sem dúvida, teve de sofrer uma desorientação quando Jesus deixou sua profissão
e sua casa; mas, acima de tudo, como toda boa mãe, teve que defender o filho
contra as críticas dos familiares. E o transtorno deve ter sido terrível quando
a Mãe veio a saber que haviam prendido seu filho, e o tinham condenado por
blasfemo. Conforme a tradição evangélica, Maria permaneceu junto à cruz, junto
a Jesus abandonado por todos. A fé verdadeira se prova e amadurece na
escuridão.
-A última noticia que temos de Maria, com certa
garantia histórica, é o que encontramos em At 1,14: permanecia em oração com a
primeira comunidade cristã, suplicando a vinda do Espírito. Nada dizem os
escritos apostólicos sobre os últimos dias e a morte da Virgem. Segundo Jo
19,27, o “discípulo amado” acolhe em sua casa a mãe de Jesus. Embora a intenção
principal do evangelista seja mais teológica que histórica, talvez tenha vindo
daí a tradição popular: Maria ficou com o “discípulo amado” (que se veio
identificando com João) em Patmos, e ali terminou seus dias.
Jesus Espeja
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Franciscanos
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