As leituras deste domingo complementam-se ao apresentar as duas
coordenadas fundamentais a partir das quais se deve construir a família cristã:
o amor a Deus e o amor aos outros, sobretudo a esses que estão mais perto de
nós – os pais e demais familiares.
O Evangelho sublinha, sobretudo, a dimensão do amor a Deus: o projeto de
Deus tem de ser a prioridade de qualquer cristão, a exigência fundamental, a
que todas as outras se devem submeter. A família cristã constrói-se no respeito
absoluto pelo projeto que Deus tem para cada pessoa.
A segunda leitura sublinha a dimensão do amor que deve brotar dos gestos
de todos os que vivem “em Cristo” e aceitaram ser Homem Novo. Esse amor deve
atingir, de forma mais especial, todos os que conosco partilham o espaço
familiar e deve traduzir-se em determinadas atitudes de compreensão, de
bondade, de respeito, de partilha, de serviço.
A primeira leitura apresenta, de forma muito prática, algumas atitudes
que os filhos devem ter para com os pais. É uma forma de concretizar esse amor
de que fala a segunda leitura.
Os textos de hoje acentuam as relações familiares. Estas devem estar
fundamentadas no amor que vem de Deus, para que a família possa realmente ser
comunidade onde cada um é amado e respeitado. Fundamental para a própria
sociedade, a família assim alicerçada contribui de modo essencial para a
harmonia e a construção da vida humana.
COMENTÁRIO
DOS TEXTOS BÍBLICOS
Textos: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Lc 2,41-52
Caros irmãos e irmãs, neste primeiro domingo
depois da celebração do Natal, a liturgia nos convida a celebrar a festa da
Sagrada Família de Nazaré. Deus quis nascer em uma família humana, quis ter uma
mãe e um pai, como nós. Com isto, a Igreja nos propõe a família de Jesus como
exemplo e modelo para as nossas famílias.
O texto evangélico nos apresenta Nossa Senhora
e São José no momento em que, quarenta dias depois do nascimento de Jesus,
levam o filho a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor (v. 23), em
conformidade com a Lei de Moisés, e oferecem por ele “um par de rolas ou duas
pombinhas” (Lc 2,24).O oferecer aos deuses os primogênitos é um costume cananeu
que consistia na apresentação da criança no Templo, onde a mãe oferecia um
ritual de purificação (cf. Lv 12,2-8).
A cena da apresentação de Jesus no Templo de
Jerusalém apresenta uma catequese bem amadurecida e bem refletida, que procura
dizer quem é Jesus e qual a sua missão no mundo. Antes de mais, o autor
sublinha a fidelidade da família de Jesus à Lei do Senhor (v. 22.23.24), como
se quisesse deixar claro que Jesus, desde o início da sua vida entre nós, viveu
na fidelidade aos mandamentos e aos projetos do Pai.
No Templo, dois personagens acolhem Jesus:
Simeão e Ana. As palavras e os gestos de Simeão são particularmente sugestivos.
Simeão toma Jesus nos braços e o apresenta ao mundo, ao mesmo tempo em que o
define como “a salvação” que Deus quer oferecer “a todos os povos”, “luz para
se revelar às nações e glória de Israel” (v. 28-32). E Ana,ao reconhecer em Jesus a salvação
anunciada por Deus, “falava do menino a todos os que esperavam a redenção de
Jerusalém” (v. 38). Jesus é reconhecido como o Messias tão longamente esperado,
aquele que é “luz das nações” e “glória de Israel”.Nas figuras de Ana e Simeão,
o texto bíblico nos propõe também o exemplo de dois anciãos de olhos postos no
futuro, capazes de perceber os sinais de Deus e de testemunhar a sua presença
no meio dos homens.
Lançando um olhar para a primeira leitura
deste domingo, encontramos de forma muito prática, algumas atitudes que os
filhos devem ter para com os pais. O livro do Eclesiástico, de onde foi
extraída a primeira leitura, é um livro sapiencial e que pretende apresentar
uma reflexão sobre a arte de viver bem e ser feliz. O texto apresenta uma série de indicações que
os filhos devem observar nas relações com os seus pais. Uma palavra sobressai no texto: o verbo
“honrar”, que, por sua vez nos faz lembrar do quarto mandamento da Lei de Deus
(cf. Ex 20,12). Honrar uma pessoa quer dizer “dar glória” a ela; é certificar a
sua importância; “dar glória aos pais” é reconhecer que eles são a fonte,
através da qual Deus nos dá a vida e isso deve conduzir à gratidão; e essa
gratidão tem consequências a nível prático. Implica ampará-los na sua velhice e
não os desprezar nem abandonar; implica assisti-los materialmente em suas
necessidades.
É natural que, por trás destas indicações aos
filhos, esteja também a preocupação com os valores tradicionais, valores que os
mais antigos preservam e que passam aos jovens. Como recompensa desta atitude
de “honrar” os pais o texto promete o perdão dos pecados, a alegria, a vida
longa e a atenção de Deus.
Desde o princípio, o matrimônio e a família
estão ordenados para o bem dos esposos e para a procriação e educação dos
filhos. O amor dos esposos e a geração dos filhos estabelecem entre os membros
de uma mesma família, relações pessoais e responsabilidades primordiais. Um
homem e uma mulher, unidos em matrimônio, formam com os seus filhos, uma
família. Ao criar o homem e a mulher,
Deus instituiu a família humana e dotou-a da sua constituição fundamental (cf.
Catecismo da Igreja Católica, n. 2201-2203).
O Concílio Vaticano II frisa que o “papel dos
pais na educação dos filhos é de tal importância que é impossível
substituí-los” (CONCÍLIO VATICANO II, Declaração “Gravissimum Educationis”, 3).
O direito e o dever da educação dos filhos são primordiais e inalienáveis para
os pais (cf. S. JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica “Familiaris Consortio”, n.
36). Os pais devem olhar para os seus filhos como filhos de Deus e respeitá-los
como pessoas humanas. Cabe a eles educar os seus filhos no cumprimento da lei
de Deus, na medida em que eles próprios se mostrarem como testemunhas para os
seus filhos. Testemunham esta responsabilidade pela edificação de um lar onde
são regra a ternura, o perdão, o respeito, a fidelidade e o serviço
desinteressado.
A segunda leitura traz exortações à comunidade
cristã e uma orientação para os relacionamentos familiares. A primeira parte,
exortativa, põe a ênfase no amor fraterno. O acento está na reciprocidade do
amor e em suas manifestações concretas: bondade, compaixão, humildade,
mansidão, longanimidade, um elenco de virtudes que exigem grande empenho
pessoal (v. 12).
Nessa história, o amor conhece os limites das
pessoas e dos relacionamentos humanos. Por isso, faz parte do amor suportar-se
mutuamente e perdoar. Também aqui o motivo é transcendente: perdoar como o
Senhor perdoou (v. 13). E, assim, o amor supera qualquer expectativa e
constitui a união máxima entre seres por vezes tão diferentes. É ele que mantém
a comunidade unida e a leva à perfeição (v. 14). A paz, que é dom de Cristo,
surge então como consequência dessa vivência recíproca do amor. Sendo Deus a
fonte de todo amor, cabe ao cristão, que vive nesse amor, agradecer a Deus (v.
15). Se é assim, na comunidade os membros se edificam mutuamente: pela
instrução mútua; pela celebração em conjunto (salmos, hinos, cânticos), em ação
de graças. Tudo isso transborda no falar e no agir, que têm sempre sua origem
no Senhor e são feitos por causa dele (v. 16-17).
A família, parte da comunidade cristã, já deve
viver aqueles valores expressos nas exortações dos v. 12-17. Dessa maneira, se
a mulher devia estar subordinada ao marido, isso se deveria dar “como convém no
Senhor” e não segundo um modelo social qualquer. De forma paralela, também os
maridos devem “amar suas esposas”, um modo de falar que não era tão comum na
época – e, mais, com o amor cristão delineado nos v. 12-15. A mesma relação de
amor recíproco deve permear o relacionamento entre pais e filhos (v. 20-21).
O homem e a mulher, criados à imagem de Deus,
tornam-se no matrimônio “uma única carne” (Gn 2,24), isto é, uma comunhão de
amor que gera vida nova. Por isto, Os cônjuges devem ser um para o outro e para
os filhos testemunhas da fé e do amor de Cristo. A obediência aos pais cessa
com a emancipação: mas não o respeito que sempre lhes é devido (cf. Catecismo
da Igreja Católica, n. 2117).O respeito favorece a harmonia de toda a vida
familiar; engloba também as relações entre irmãos e irmãs. O respeito pelos
pais deve impregnar todo o ambiente familiar.E São Paulo exorta: “Suportai-vos
uns aos outros na caridade, com toda a humildade, mansidão e paciência” (Ef 4,
2).
Assim, são eles os primeiros educadores da fé,
mediante a palavra e o exemplo. Quando
os filhos podem ver em seus pais o amor mútuo, plena honradez e sinceridade,
compreendem que podem contar com os seus pais como verdadeiros amigos e
companheiros. É neste contexto que os
pais podem educar com seu exemplo e a sua palavra na transmissão de valores
básicos e permanentes, tantos humanos como cristãos, tais como a honradez, a
fé, a oração, a verdade, a justiça, o amor e o serviço.
A família cristã transmite a fé, quando os
pais ensinam os filhos a rezar e rezam com eles. (cf. S. JOÃO PAULO II,
Exortação Apostólica “Familiaris consortio”, n. 60); quando os aproximam dos
sacramentos e os vão introduzindo na vida da Igreja; quando todos se reúnem
para ler a Sagrada Escritura, iluminando a vida familiar à luz da fé.
A solenidade da Sagrada Família é uma festa
que incentiva a aprofundar o amor familiar, examinar a situação do próprio lar
e buscar soluções que ajudem o pai, a mãe e os filhos a serem cada vez mais
como a Família de Nazaré. Família é o
lugar onde deve reinar a unidade de todos, pois onde há amor, também há
compreensão e perdão. Cada família
cristã deve ser um lugar privilegiado onde se experimenta cada dia a alegria do
perdão. O perdão é a essência do amor, que sabe compreender o erro e pôr-lhe
remédio. É no seio da família que as pessoas são educadas para o perdão, porque
é neste ambiente familiar que deve haver a compreensão e o amparo, mesmo diante
dos erros que se possam cometer.
Peçamos a intercessão da Sagrada Família de
Nazaré por todas as famílias, a fim de que possam viver na fé, na concórdia, na
ajuda recíproca; para que cumpram com dignidade e serenidade a missão que Deus
lhes confiou. Assim seja.
PARA
REFLETIR
A quadra natalícia é, talvez, a ocasião em que
mais se fala da família. Por isso, neste domingo, a liturgia da Igreja celebra
a festa da Sagrada Família: Jesus, Maria e José. A Sagrada Família de Nazaré é
o modelo para todas as famílias. Todas as leituras bíblicas deste domingo
traçam um programa para viver em família, segundo a vontade de Deus.
Sabemos muito pouco sobre a infância de Jesus.
Porém, sabemos que o Filho de Deus nasceu e viveu numa família, experimentou as
alegrias, as preocupações, os êxitos e os fracassos da nossa vida humana.
Nasceu e viveu numa família pobre, trabalhadora, que viveu momentos de paz e de
serenidade, mas também momentos de problemas econômicos, de emigração, de
perseguição, de solidão e de morte, como acontece em tantas famílias. Devemos
contemplar a família de Nazaré com muito respeito, porque Deus quis nascer numa
família humana que continua a ser o modelo para todas as famílias: uma família
de fé em Deus, forte diante das dificuldades, cumpridora das leis civis e da
vontade de Deus. Como era a relação de José e de Maria? De certeza tratavam-se
com muita delicadeza, ternura e respeito. Como Jesus se relacionaria com José e
Maria? De certeza que os amava muito e lhes obedecia.
As leituras bíblicas deste domingo traçam-nos
um programa de vida para todas as famílias. De certeza que acabariam ou diminuiriam
as separações, os divórcios, a violência doméstica, a falta de respeito, as
crianças abandonadas, as más companhias e os avós esquecidos ou “despejados”
num Lar, se os conselhos da primeira leitura de Ben-Sirá fossem postos em
prática: os filhos respeitarem os seus pais, cuidando deles, sobretudo, na
velhice, não lhes causando tristezas, mas tratando-os com paciência, não os
abandonando porque já estão velhos ou doentes. A estes conselhos, acrescentamos
os de S. Paulo aos Colossenses, na segunda leitura: “revesti-vos de sentimentos
de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão e de paciência.
Suportai-vos uns aos outros na caridade e perdoai-vos mutuamente. Reine em
vossos corações a paz de Cristo”. Tudo isto se resume numa palavra: amor. A
festa da Sagrada Família não nos dá soluções técnicas e econômicas para a vida
familiar, mas oferece-nos a possibilidade de recordar e de refletir os valores
e sentimentos que devem reinar numa família.
Diz a Bíblia que a coisa mais linda que Deus
criou foi a família. Criou o homem e a mulher e entregou-lhes tudo,
entregou-lhes o mundo! Cresçam, multipliquem-se, cultivem a terra, façam-na
crescer! Tudo o que Deus criou com amor, entregou a uma família. E uma família
é realmente família, quando é capaz de abrir os braços e receber todo este
amor. Se assim é, a Igreja não pode fechar os olhos à família. Temos de
descobrir novas maneiras de nos aproximarmos das famílias, uma proximidade
contagiante, cheia de ternura e de exigência, tanto nas alegrias como nas
tristezas. Será que as nossas famílias entendem o plano de Deus para elas? O
que a Igreja deve fazer pelas famílias? Como ajudar as famílias feridas e que
sofrem o fracasso do casamento, a pobreza, a emigração, a solidão, a morte
repentina de um dos membros, o inferno que existe tantas vezes dentro de quatro
paredes? Há tanto que fazer, não tapemos os olhos, nem nos desculpemos com
“isso não é connosco”!
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