Por trás de toda a rejeição a Francisco está a
ideia de que o papa deva ser de direita para poder “governar como se deve”. E
não só: está a ideia de que a Igreja deva apoiar e sustentar os governos de
direita, considerando-os “o mal menor”. Porém, as atitudes de muitos
contradizem tal intenção. Em vez de mal menor, parece que as pessoas acreditam
ter escolhido um bem absoluto e quase personificado.
É nessas horas que vemos o quanto as
ideologias nocivas, instrumentalizando a doutrina da instituição para fins
políticos, são capazes de causar grandes estragos. Criou-se uma geração de
católicos que atacam o papa gratuitamente, muitos dos quais influenciados por
formadores de opinião cuja preocupação não é defender a fé, mas aproveitar-se
dela para chegar ao sentimento das pessoas.
Ninguém quer ir para o inferno elegendo um
“governo comunista”, não é mesmo? Sendo assim, elejamos um “de direita”,
independente do que venha no pacote. O próximo se torna o inimigo a ser
combatido, não as mentalidades corrompidas, presentes em todos os espectros
políticos. Tudo o que esvazia o sentido de ser cristão deveria ser denunciado,
independente da bandeira que eu, de acordo com minha consciência, tenha
assumido.
“Comunistas!”, “Nazistas!”, “Fascistas!”:
gritos que expressam uma nostalgia totalitária sem fim, pautada por uma
ignorância histórica e política sem precedentes. A extrema-direita denuncia a
volta do comunismo (sem luta armada?), mas se esquece que, se continuar assim,
a associação dela aos ideais fascistas passará a ser inevitável. Mussolini
sabia da piedade popular de um povo e da força do catolicismo na Itália, e não
perdeu a oportunidade de fazer uso disso para estabelecer sua estatolatria.
Tais católicos, desprovidos de uma formação
humana e doutrinal consistentes, viram massa de manobra de uma engenharia
política arquitetada por pseudo-iluminados. Não tenhamos dúvida: há muito
dinheiro angariado com a difusão dessas cartilhas virtuais de teorias da
conspiração, além de muito “peixe grande” que, como Constantino ou Carlos
Magno, não estão preocupados com evangelização ou difusão dos valores.
Um papa ser chamado de comunista por defender
imigrantes ou acolher os homossexuais – algo incentivado pelo próprio catecismo
da Igreja Católica – é só um dos sintomas desse devaneio que se instalou. Sendo
assim, é por culpa dos católicos que os pilares do cristianismo foram reduzidos
a meros ideais da esquerda. O papa é cristão, não de “esquerda”. Ele adotou um
estilo pastoral, não uma ideologia política.
Vemos combatentes de uma guerra ideológica
prontos para defender seus “correligionários”, não o próprio líder espiritual.
E, mais do que nunca, é hora de denunciarmos tais posturas, folheando as
páginas empoeiradas do compêndio da doutrina social da Igreja, a começar do
artigo 424: “A Igreja respeita a legítima autonomia da ordem democrática e não
assume nem exprime preferências por uma ou outra solução institucional e
constitucional”.
Mirticeli Dias de Medeiros
é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade
Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de
comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.
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Dom Total
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