segunda-feira, 2 de setembro de 2019

A orientação política da Igreja: A instituição deve assumir um lado?


Por trás de toda a rejeição a Francisco está a ideia de que o papa deva ser de direita para poder “governar como se deve”. E não só: está a ideia de que a Igreja deva apoiar e sustentar os governos de direita, considerando-os “o mal menor”. Porém, as atitudes de muitos contradizem tal intenção. Em vez de mal menor, parece que as pessoas acreditam ter escolhido um bem absoluto e quase personificado.

É nessas horas que vemos o quanto as ideologias nocivas, instrumentalizando a doutrina da instituição para fins políticos, são capazes de causar grandes estragos. Criou-se uma geração de católicos que atacam o papa gratuitamente, muitos dos quais influenciados por formadores de opinião cuja preocupação não é defender a fé, mas aproveitar-se dela para chegar ao sentimento das pessoas.

Ninguém quer ir para o inferno elegendo um “governo comunista”, não é mesmo? Sendo assim, elejamos um “de direita”, independente do que venha no pacote. O próximo se torna o inimigo a ser combatido, não as mentalidades corrompidas, presentes em todos os espectros políticos. Tudo o que esvazia o sentido de ser cristão deveria ser denunciado, independente da bandeira que eu, de acordo com minha consciência, tenha assumido.

“Comunistas!”, “Nazistas!”, “Fascistas!”: gritos que expressam uma nostalgia totalitária sem fim, pautada por uma ignorância histórica e política sem precedentes. A extrema-direita denuncia a volta do comunismo (sem luta armada?), mas se esquece que, se continuar assim, a associação dela aos ideais fascistas passará a ser inevitável. Mussolini sabia da piedade popular de um povo e da força do catolicismo na Itália, e não perdeu a oportunidade de fazer uso disso para estabelecer sua estatolatria.

Tais católicos, desprovidos de uma formação humana e doutrinal consistentes, viram massa de manobra de uma engenharia política arquitetada por pseudo-iluminados. Não tenhamos dúvida: há muito dinheiro angariado com a difusão dessas cartilhas virtuais de teorias da conspiração, além de muito “peixe grande” que, como Constantino ou Carlos Magno, não estão preocupados com evangelização ou difusão dos valores.

Um papa ser chamado de comunista por defender imigrantes ou acolher os homossexuais – algo incentivado pelo próprio catecismo da Igreja Católica – é só um dos sintomas desse devaneio que se instalou. Sendo assim, é por culpa dos católicos que os pilares do cristianismo foram reduzidos a meros ideais da esquerda. O papa é cristão, não de “esquerda”. Ele adotou um estilo pastoral, não uma ideologia política.

Vemos combatentes de uma guerra ideológica prontos para defender seus “correligionários”, não o próprio líder espiritual. E, mais do que nunca, é hora de denunciarmos tais posturas, folheando as páginas empoeiradas do compêndio da doutrina social da Igreja, a começar do artigo 424: “A Igreja respeita a legítima autonomia da ordem democrática e não assume nem exprime preferências por uma ou outra solução institucional e constitucional”.


Mirticeli Dias de Medeiros
é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.
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Dom Total

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