Numa entrevista dada
ao jornal "O Estado de S. Paulo" (01.12.2016), a respeito da decisão
da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal que, no dia anterior, entendeu que não
é crime a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação, o ministro
Luís Roberto Barroso falou sobre o aborto: "A decisão procura fazer com
que cada pessoa possa viver a própria crença e convicção... [O Estado] deve
permitir que cada um viva a própria crença... Se você utiliza um argumento
religioso, você exclui do debate quem não compartilha do mesmo sentimento
religioso."
Para mim, aqui está um ponto que, pela sua
gravidade, merece uma reflexão: julgar a questão do aborto como se esse
tema fosse apenas de ordem religiosa. É verdade que a Igreja Católica
sempre defendeu a vida, reafirmando que a vida humana começa a existir a partir
do momento da concepção. Aliás, por que razões ela começaria a partir dos
noventa dias de gestação? Por que o aborto não seria crime no - por exemplo -
87º dia de gestação e seria no 95º? O que aconteceria no 90º dia para afirmar
que abortar antes não seria matar uma pessoa e abortar depois o seria?
A Embriologia nos ensina "que o
desenvolvimento do embrião é regulado por propriedades próprias, ou seja, é um
crescimento contínuo, interno, coordenado e gradual. Ele é um "ser"
totalmente diferente da mãe. O que a mãe oferece é apenas o ambiente adequado
(útero) e os nutrientes necessários para ele se desenvolver. O embrião
"está" na mãe, mas não é da mãe nem uma parte dela, assim como um
recém-nascido não é da mãe" (G. Cipriani).
A sociedade e suas instituições devem estar
sempre a serviço do ser humano. Existe um conjunto de direitos ("direitos
humanos") que ninguém pode restringir; cabe à sociedade, pois, o dever de
proteger cada ser, seja qual for o seu estágio de desenvolvimento, pois o
primeiro e mais importante direito de uma pessoa é o de viver e de conservar a
sua vida. Estamos aqui, pois, diante de um bem fundamental, que é
condição para que os demais direitos também sejam garantidos.
Numa recente Nota ("Em defesa da
vida"), a CNBB afirma que "respeita e defende a autonomia dos
Poderes da República. Reconhece a importância fundamental que o Supremo
Tribunal Federal (STF) desempenha na guarda da Constituição da República.
Discorda, contudo, da forma com que o aborto foi tratado num julgamento de
´Habeas Corpus´, no STF". Além de reafirmar sua incondicional posição em
defesa da vida humana, a CNBB condena toda e qualquer tentativa de liberação e
descriminalização da prática do aborto.
O que fazer? Devemos rezar por causa
deste momento que estamos vivendo, para que Deus ilumine a todos e, sempre que
pudermos, manifestar nossa opinião em defesa da vida humana, desde a sua
concepção. Deus nos propõe a vida e a morte. Que Ele nos ajude a escolher a
vida (cf. Dt 30,19).
Dom Murilo S.R. Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do
Brasil
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