Pelo que entendo, é na cruz que o caráter de Cristo atinge o
seu maior esplendor. Durante as horas de escuridão mais profunda, as suas
palavras brilham como ouro radiante.
As passagens bíblicas mais frequentemente lidas durante a Semana Santa são, obviamente, os relatos da crucificação. Lembramo-nos dos sofrimentos de Jesus – a sua paixão, celebramos a sua vitória sobre o pecado – nossa salvação – e somos movidos a adoração. E assim cantamos, profundamente comovidos e nossos corações transbordam de gratidão: “Quando olho para a maravilhosa cruz”, “Oh, cabeça sagrada ferida pelos espinhos» e outros hinos semelhantes de grande profundidade espiritual e teológica.
Durante as
horas que passou pregado na cruz, o Senhor falou sete vezes, e estas
declarações memoráveis da cruz vieram a ser conhecidas como “Os Sete
Palavras”. Elas foram suas últimas palavras. Em sete declarações breves Jesus
proclamou o mais profundo sermão que já foi pregado, uma bela sinopse do
Evangelho. Nestas palavras temos um resumo do caráter extraordinário de nosso
Senhor e do plano de Deus para a humanidade. O “Sermão das Sete Palavras»
inspirou inúmeros sermões e escritos ao longo dos séculos. JS Bach nos oferece
uma interpretação profundamente comovente do espírito sublime deste texto
bíblico na Paixão de seu São Mateus. No século 18, J. Haydn compôs, pela
comissão, uma obra muito apreciada em As Sete Palavras, no qual ele também
colocou esta passagem inesquecível em forma de música.
Nesta meditação para a Semana Santa, gostaria de compartilhar apenas um aspecto de “As Sete Palavras” que, quando eu descobri, deixou uma impressão indelével em mim. Refiro-me ao conteúdo destas palavras, é claro, mas em particular com a ordem em que são proferidas; à primeira vista, a ordem pode parecer arbitrária, mas um estudo mais atento mostra que a maneira em que são ordenadas é profundamente significativo, uma vez que reflete as prioridades do Senhor, e é realmente um belo reflexo do caráter e do coração do personagem e do coração do Bom pastor. Pelo que entendo, é na cruz que o caráter de Cristo atinge o seu maior esplendor. Durante as horas de escuridão mais profunda, as suas palavras brilham como ouro radiante. Meditando nas profundezas destas “Sete Palavras” por Jesus não só me ajudou a amá-lo mais, mas tem também, ao longo dos anos, na maneira que eu abordei outras pessoas, em particular aquelas que estão sofrendo.
O coração pastoral de Jesus na cruz
A
sensibilidade de Jesus para com o próximo, o seu amor e preocupação para
aqueles que estavam com ele, chegam a uma apoteose climática nestas breves
declarações. A reação mais natural nas horas que antecederam a promulgação de
uma sentença de morte é que a pessoa se torna completamente focada em si mesmo,
em seus próprios pensamentos e emoções, afasta-se daqueles em torno dela em um
processo perfeitamente lógico e compreensível de auto-absorção. Mesmo quando
uma morte é resultante de doença terminal, todos entendemos que a mente da
pessoa que está morrendo não está centrada sobre os outros, naqueles que a
acompanharam, mas em si mesma. Na cruz, o que acontece é exatamente o
contrário: Jesus é alheio a si mesmo e suas próprias necessidades (que ele
expressará só depois) e ele concentra a sua atenção sobre aqueles que estão com
ele, sejam eles seus inimigos – aqueles que estão lhe torturando -, dois
indivíduos desconhecidos – os dois homens sendo crucificados com ele – ou
alguém tão próximo a ele como sua própria mãe. Em cada caso, as palavras que
ele pronuncia são precisamente aquelas que essas pessoas precisam ouvir. Para
cada indivíduo o Senhor fala de acordo com a sua necessidade mais profunda,
assim como foi profetizado que ele teria dito 400 anos antes: “O Senhor Deus me
deu uma língua instruída, para conhecer a palavra que sustém o exausto” (Is
50,4)
Nunca
ninguém mostrou tão grande amor na hora da sua morte, nunca ninguém falou
com um coração tão pastoral. Mas o Bom Pastor (João 10,7.21), o Príncipe dos
Pastores (1Pedro 5,4) morreu pastoreando suas ovelhas. As palavras de Jesus na
cruz são um tesouro em que a essência de sua natureza divina e a essência do
Evangelho em si são compactadas: o seu profundo amor para com cada indivíduo,
sem exceção, sua requintada sensibilidade para com aqueles que sofrem, sua
sabedoria em falar a cada um de acordo com sua necessidade particular. Nas
primeiros três “palavras” Jesus mostra uma intensa preocupação para aqueles que
estavam mais próximos a ele, todos aqueles que, naquele momento de grande angústia
e dor, ele considerava como seu “vizinho”. Cada um recebeu a notícia de que ele
ou ela mais precisava:
Palavras de perdão por seus inimigos
“Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas
23,34).
Jesus morre
perdoando. Toda o ato salvífico de crucificação era na verdade um símbolo do
perdão divino. (João 3,14-15). Mas era apropriado fazer esse perdão explícito
com palavras ressonantes claras e com a força emocional e autoridade espiritual
que ele lhes dá. Quando ele grita “Pai, perdoa-lhes”, Jesus articula o próprio
significado dele ter vindo a este mundo. Na verdade, seu próprio nome “Jesus”
significa “ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mateus 1,21). O pedido de
perdão não era apenas para aqueles que foram diretamente responsáveis pela
humilhação que ele estava sendo submetido, mas para todos os seres humanos
(como o belo poema que encontramos em Isaías 53 deixa claro).
Na cruz,
Jesus nos ensina que o perdão, ao contrário da reconciliação, pode ser
unilateral, e não requer o envolvimento de ambas as partes. Eu posso, e devo,
perdoar o meu agressor mesmo que ele não peça o meu perdão. Estêvão, sob a
chuva de pedras que estava terminando sua vida, foi o primeiro dos seguidores
de Jesus a seguir o seu Senhor e exemplo do Mestre (Atos 7,60). Nós também
somos chamados a fazer o mesmo.
As Palavras de salvação para o ladrão na cruz
“Digo-lhes a verdade, ainda hoje estarás comigo no
Paraíso” (Lucas 23:43).
Jesus morreu
na companhia de dois indivíduos anônimos. Estes dois homens provavelmente nunca
antes trocaram algumas palavras com o Senhor. A história é bem conhecida: no
limiar da morte, um deles é superado pelo medo de Deus e disse a Jesus:
“Lembra-te de mim quando entrares no teu reino” (Lucas 23,42). A resposta de
Jesus é tão clara como é imediata. Jesus deu a este homem o que ele mais
necessita de naquele momento: a esperança, a esperança que nasce da salvação em
Cristo, e que seria para ele um “grande encorajamento” (Hebreus 6,8) nas horas
infindáveis de tortura que se seguiria. Aliás, a atitude de Jesus, tão cheia de
compaixão, lembra-nos que é possível ser salvo in extremis, quando o nome do Senhor é chamado com todo o coração, das profundezas
de sua alma e com verdadeira humildade, como foi o caso com o ladrão na cruz.
Palavras de proteção para sua mãe
“Quando Jesus viu a sua mãe ali… ele disse ao
discípulo (João): Aqui está a sua mãe. E daquele momento em diante, o discípulo
a recebeu em sua casa. 19,26-27).
É
significativo que estas últimas palavras que Jesus pronuncia de preocupação e
cuidado de outro ser humano devem ser dirigidas a sua mãe. É a soma final de
uma vida que foi gasta inteiramente para outras pessoas e em servi-las no que
for possível. Jesus não poderia esquecer sua mãe neste momento de dor
dilacerante para ela; o coração de Maria foi dilacerada pela agonia de seu
filho, ela estava desolada em face de um fim tão trágico à sua vida. O que é
mais notório, é que Maria quase certamente era uma viúva nesta fase, como
resultado de que ela teria sido destituída. Mas o Senhor, o Bom Pastor por
excelência, não negligenciou o seu dever de “honrar pai e mãe” (Mateus 19,19).
Quão divino e, ao mesmo tempo, quão humano! Esta é a espiritualidade expressa
com profunda preocupação com as questões humanas. Neste último ato de amor,
Jesus recorda-nos que a verdadeira espiritualidade sempre nos faz mais humanos,
e não menos. A primeira evidência de que nós realmente amamos a Deus (isso nos
lembra que o próprio João disse em suas cartas) é que nós amamos o irmão que
ele colocou ao nosso lado, e do trabalho que o pastor começa em sua própria
casa. É por essa razão que Jesus confia aos cuidados de sua mãe para seu amigo
e discípulo amado, o sensível e gentil João, aquele que tinha “reclinado ao
lado de Jesus” (João 13,23). João imediatamente cumpre esta solicitação e
“daquele momento em diante, o discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19,27).
Suas próprias necessidades, no final.
“Mais tarde …. Jesus disse …” “Tenho sede” (João
19,28) “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mateus 27,46)
Quão significativa
é a expressão que João acrescenta ao relato: “Mais tarde, sabendo que tudo
estava concluído…” (João 19,28) Até agora vimos como, mesmo em sua agonia
final, Jesus deu a si mesmo e serviu, como ele pensava nos outros antes de si
mesmo, como ele procurou atender às necessidades de seu próximo, seja
espiritual (salvação e perdão) ou humanas e materiais (a proteção da sua mãe
viúva). Só depois que tudo isso foi concluído, isto é, depois do derramamento
cheio de seu coração pastoral, ele deu voz a suas próprias necessidades
física: “Tenho sede”.
emocional e espiritual: “Meu Deus,
meu Deus, por que me abandonaste?” A solidão e sentimento de seu Pai de
Jesus ter se separado de si mesmo constituem o seu sofrimento mais intenso. Não
pode haver inferno pior do que a separação de Deus. Jesus sabia que esse
momento viria inevitavelmente (que havia sido profetizado no Salmo 22) porque o
Pai não pode ter nada a ver com o pecado que o seu filho está tendo em seu
corpo neste ato de sacrifício vicário.
O maior
sermão que já foi pregado termina com um enunciado que expresse serenidade,
confiança e esperança: “Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito” (Lucas 23,46)
Todo filho de Deus pode ter essa mesma confiança à medida que se aproxima o
momento da sua morte, a certeza de que o nosso espírito passa para as mãos de
seu amoroso Pai Celestial, que nos receberá com alegria em sua glória. Isso só
é possível porque Jesus Cristo concluiu seu sermão sobre a cruz com o sétimo e
último enunciado, o que selou todo o evento: “Está consumado” (João 19,30).
Aqueles de
nós que amam este belo Jesus Cristo, o modelo supremo do coração de um pastor,
juntam-se ao coro celestial dos remidos a cantam: “Aleluia, pois o Senhor nosso
Deus, o Todo-Poderoso reina” (Apocalipse 19,6). Esta é a verdadeira alegria da
Semana Santa.
Dr.
Pablo Martínez
tem trabalhado como um psiquiatra desde 1979. Ele
também realiza uma extenso ministério como um conselheiro e palestrante na
Espanha e muitos outros países europeus. Ele tem muitos laços com o mundo da
universidade, servindo como presidente do IFES (GBU) na Espanha por oito anos.
Ele também serviu como o presidente da Aliança Evangélica espanhola durante dez
anos (1999-2009), e é o atual presidente na Espanha da “Fundação
Ravi Zacharias para o diálogo entre fé e cultura”.
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Fonte: Evangelicalfocus
Fonte: Evangelicalfocus
Tradução: Emerson de
Oliveira
Disponível
em: Logos Apologética Cristã
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