A manifestação de Paris, pela liberdade e pelos
valores de convivência ocidental, como a tolerância e contra o terrorismo, foi
um sucesso, como todas as demais manifestações realizadas no último domingo, em
toda a França.
Finalmente, o Ocidente parece ter se conscientizado
do terrorismo, e agora é preciso passar dos gestos e das palavras, das
manifestações e dos cartazes, aos fatos.
No entanto, o sucesso de Paris, que me alegra, não
significa que “eu sou Charlie Hebdo”, pois eu não sou Charlie. Isso não é uma
provocação. Condeno o vil assassinato múltiplo cometido pelo Al Qaeda e pelo
Estado Islâmico na França na semana passada. E faço uma afirmação
inquebrantável a favor da liberdade e da tolerância, e por isso, também da
liberdade de expressão.
Mas eu não sou Charlie Hebdo, e tenho a liberdade e
a obrigação de dizer isso, porque não posso me identificar com um jornal que é
o oposto das minhas ideias, que zomba de todas as religiões. Defendo sua
existência, mas não atribuam a mim slogans ou cartazes confusos, como “Eu sou
Charlie Hebdo”, porque eu não me identifico com este jornal.
Como disse o presidente da França, houve três
atentados terroristas, um deles também em um supermercado judaico, e nem por
isso preciso me identificar com esse supermercado. Uma coisa é o atentado a um
jornal, seja ele qual for, e outra coisa é identificar-se (“eu sou”) com tal
jornal.
Os slogans sempre são reducionistas e
necessariamente não podem expressar com exatidão um pensamento. No entanto, o
slogan francês contra o terrorismo do Al Qaeda chegou a identificar-se com um
jornal cujo conteúdo é uma sátira das religiões.
Rejeito a hipocrisia daqueles que hoje dizem uma
coisa e amanhã fazem o contrário em seu país, em sua universidade, em sua
terra, em sua cidade ou em seu colégio, onde a tolerância é cada vez menor.
Nos Estados Unidos, por exemplo, não se toleraria
esse jornal, como não se tolerou que um professor universitário explicasse a
doutrina da Igreja Católica sobre a homossexualidade: ele foi despedido.
Os franceses e o mundo em geral condenaram sem
paliativos, em sua manifestação de Paris, os atentados terroristas daqueles que
utilizam o Islã para cometer atos violentos ou para matar em nome de Alá.
Não vi nenhum muçulmano exibindo o cartaz “Je suis
Charlie Hebdo”. A delegação de Marrocos inclusive se retirou da manifestação de
Paris porque havia cartazes burlescos sobre Maomé.
O terrorismo de origem islâmico pode ser combatido
somente com o uso das forças de segurança ou do exército, como na França?
Certamente, não.
E faço outra pergunta: o que os imames disseram em
suas pregações, nas numerosas mesquitas do mundo, na sexta-feira de oração
seguinte aos atentados? Segundo me informaram, nem todos condenaram os
atentados, como fizeram as vozes oficiais de importantes organizações
islâmicas, ainda que nem todas.
Tampouco todos os estados islâmicos condenaram os
atentados de Paris, ainda que o Hezbollah, catalogado como organização
terrorista, bem como o Irã, tenham afirmado que a violência não faz parte da
religião islâmica. Este terrorismo precisa ser combatido também com armas
políticas.
O governo da Espanha, meu país, por exemplo,
deveria se preocupar por combater o terrorismo do Al Qaeda e do Estado
Islâmico; talvez conseguir que alguns clubes, como o Barcelona, deixassem o
patrocínio de um estado como o Qatar, financiador do Estado Islâmico; ou que os
governos do mundo buscassem que suas relações com o Qatar não incentivassem o
terrorismo.
Poderíamos continuar mencionando certos apoios,
diretos e indiretos, que ocorrem a quem financia o terrorismo. Mas me limito a
recordar que a luta contra o terrorismo de origem islamita não será derrotada
somente com medidas policiais, mas também com medidas políticas que logicamente
afetam o bolso de estados e organizações internacionais.
Chegou a hora de acabar com a hipocrisia das
políticas internacionais de muitos estados.
Salvador Aragonés
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Aleteia
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