Um milhão e meio de parisienses, acompanhados por
quarenta líderes mundiais, prestaram seu tributo no último domingo às dezessete
vítimas dos três ataques cometidos na semana passada em Paris. A unidade
demonstrada pelos manifestantes foi certamente a melhor resposta ao terrorismo.
Mas será que era mesmo necessário esperar que
dezessete pessoas fossem mortas a tiros para se poderem ver milhões de cidadãos
de todas as origens, religiões e orientações políticas marchando pacificamente
pelas ruas de Paris e de outras cidades europeias, cantando o hino nacional e
demonstrando o seu orgulho de ser franceses sem ser acusados de radicalismo?
Nem a polícia escondeu a sua surpresa ao ser aplaudida pela multidão.
Sim, tivemos que tocar o fundo do poço de forma
sangrenta para enxergar que existe sobre nós uma espécie de página em branco,
na qual podemos escrever... escrever o quê? Ninguém sabe ainda, mas milhares de
pessoas inocentes continuam sendo abatidas diariamente pelo Boko Haram na
Nigéria e pelo Estado Islâmico no Iraque e na Síria; milhares de jihadistas
aprendizes, além disso, continuam entre nós, talvez prontos para agir do mesmo
jeito que os três terroristas mortos na última semana.
A história da França recordará o dia 11 de janeiro
de 2015 como a data de uma manifestação sem precedentes contra o terrorismo;
uma imagem rara de solidariedade, fraternidade e unidade em meio à adversidade.
O acontecimento também mostrou que, apesar da imagem dos quarenta líderes de
braços fechados, os franceses não esperaram o convite dos políticos para
expressar as suas emoções na rua, misturando lágrimas e solenidade.
Para que o dia 11 de janeiro se tornasse histórico,
porém, a França teve, antes, de viver três dias de derramamento de sangue. A
França está em guerra. A homenagem nacional não silencia os temores nem da
comunidade judaica (cujo número de membros que foram embora da França para
Israel dobrou de 2013 para 2014) nem a população em geral. Afinal, a luta
contra aquilo que chamamos elegantemente de “combatentes estrangeiros”, graças
ao senso de “sofisticação” dos nossos políticos, nos obriga a destacar um
verdadeiro fiasco francês.
Em poucos meses, a França se tornou, de longe, o
principal fornecedor europeu de combatentes para o Oriente Médio: jovens em
busca de um ideal, fanatizados, usados, dispostos a massacrar civis e soldados
e a combater até mesmo as próprias tropas francesas no Iraque. Jovens que
voltaram para a França tão facilmente quanto a tinham deixado. Como podemos nos
esquecer da ridícula cena dos jovens voltando da jihad, surpresos por não terem
sido presos ao chegarem a Marselha (supostamente por causa de um sistema de
computador desatualizado) e se entregando à polícia? Os “ex-combatentes
estrangeiros”... Quantas divisões existem? Eles são tão numerosos que os
recursos e o pessoal das forças francesas de inteligência, que identificaram
cerca de 1.000 (mas quantos serão, realmente?), não seriam capazes de controlar
ou monitorar todos eles. Vamos apenas esperar que, ao contrário do caso dos
terroristas que agiram nos últimos dias, agora estejam sendo monitoradas as
pessoas certas...
Quase um ano atrás, o mundo se comoveu com o
sequestro de cerca de duzentas meninas pelo grupo nigeriano Boko Haram. Uma
hashtag deu a volta ao mundo: #BringBackOurGirls. Mas elas nunca mais voltaram.
Agora é a vez do #JeSuisCharlie de comover o mundo e nos unir numa onda de
solidariedade típica da emoção imediata e passageira, agitada pelas redes sociais.
Mas reconstruir o orgulho nacional, restaurar a convivência que foi fragmentada
e educar uma geração que não tem parâmetros de comportamento vai exigir muito
mais que uma passeata multitudinária e uma hashtag.
Agora que o amanhã chegou, que futuro vamos
desenhar, cada um à sua maneira, nesta página em branco?
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Aleteia
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