A imprensa anglo-saxã comenta a “hierarquia da
morte”, ou seja, o fato de darmos mais cobertura a algumas vítimas do que a
outras, especialmente no noticiário internacional. Essa hierarquia é
influenciada por vários fatores, que podemos dividir em dois grupos: a
proximidade e a qualidade da informação.
1. A proximidade. Interessa-nos mais o que ocorre
em nosso país e em países próximos, e também se há alguma vítima local. A
análise de Jacoba Urist na The Atlantic recorda como o The New York Times
publicou mais de 2.500 obituários para os assassinados nos atentados de 11 de
setembro de 2001, coisa que o EL PAÍS também fez com os mortos no ataque
islâmico de 11 de março de 2004 em Madri.
“Toda informação é local”, diz o jornalista Miguel
Ángel Bastenier, do EL PAÍS, “e se repercutimos as notícias internacionais é
pela proximidade e pela vinculação que temos com esses países, e também pela
qualidade da informação que conseguimos obter”. Ele acrescenta que “é preciso
informar sobre a Nigéria, e se informa”, mas esses dois fatores fazem com que
se fale mais sobre o atentado na França do que sobre muitos outros conflitos.
Tal proximidade provoca uma maior empatia entre
jornalistas e leitores, mas também pode favorecer o confronto, observa a
jornalista Leila Nachawati, cofundadora do site Syria Untold. “Há um
posicionamento do ‘nós contra eles’”, algo que na opinião dela transparece, por
exemplo, nas declarações oficiais sobre o atentado ao Charlie Hebdo, em que
muitos líderes ocidentais apontaram “um ataque contra nós, contra nossos
valores”, esquecendo-se de que esses grupos “nascem e se promovem dentro da
Europa”.
No caso da Nigéria, a Boko Haram chamou a atenção
da imprensa ocidental em relativamente poucas ocasiões, apesar de esse grupo
estar ativo desde 2002 e já ter causado milhares de mortes. Uma dessas
situações se deu após o sequestro de mais de 200 meninas em abril do ano
passado. Naquela ocasião, a atenção foi motivada por uma campanha nas redes
sociais, intitulada #BringBackOurGirls (“tragam nossas garotas de volta”), que
contou com a participação, por exemplo, da primeira-dama norte-americana,
Michelle Obama. Ou seja, tanto naquela época como agora (quando se compara a
atenção midiática dada ao atentado de Paris com a cobertura do conflito
nigeriano), o volume de informação cresce porque se busca relação com o que
está ocorrendo no Ocidente.
2. A qualidade da informação. Muitos veículos de
comunicação têm correspondentes ou enviados especiais em Paris, incluindo as
agências de notícias, ao passo que é muito mais perigoso enviar informações do
Estado nigeriano de Borno, majoritariamente controlado pela Boko Haram. Na
verdade, os jornalistas sofrem ameaças tanto da Boko Haram quanto do próprio
Governo.
Bastenier observa que um veículo de vocação global
precisa buscar a melhor informação possível, e que sua obrigação é divulgá-la
sempre que puder. Entretanto, a escassez de recursos faz com que se conte
apenas, na melhor das hipóteses, com o material das agências, ao passo que há
mais e melhores dados a respeito do que ocorre na França.
A repercussão do atentado ao Charlie Hebdo também se
deve ao fato de a França ter um Governo estável, onde, portanto, é possível
organizar uma manifestação gigantesca e convidar todos os líderes ocidentais: a
foto da linha de frente da manifestação também é notícia.
O problema de não contar com recursos para informar
diretamente sobre um conflito, publicando-se em vez disso basicamente notícias
de agências e reportagens de outros veículos, pode levar a uma “desumanização
do conflito”, o que torna ainda mais difícil a empatia com as vítimas, segundo
Nachawati.
Além disso, é preciso levar em conta que se presta
menos atenção a conflitos em andamento, pois eles são (tragicamente)
previsíveis e, como explica Nachawati, há “um cansaço com relação a situações
como as da Síria, Iraque ou Nigéria”. Vemos esses países como se estivessem em
um conflito permanente, “visão que se perpetua e sobre a qual não há intenção
de se aprofundar”. Esses conflitos são tratados a partir desse filtro, ao qual
se soma o fator geoestratégico: não interessa o que acontece com os cidadãos sírios
ou nigerianos, e sim “o que opinam e o que fazem os Estados Unidos e a Rússia”.
Apesar de todas essas dificuldades, Nachawati
considera que é preciso informar mais sobre conflitos como o da Nigéria, e para
isso ela aposta em “se aproximar da opinião pública”, informando sobre
associações e campanhas civis. Com esse objetivo, é preciso desenvolver “redes
de confiança, o que agora ficou mais fácil do que há alguns anos”. Mas continua
sendo uma tarefa de longo prazo.
Jaime Rubio
Hancock
Fonte: El Pais
Disponível em: Instituto Humanitas Unisinos
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