Dissemos anteriormente que a questão da comunhão dada aos divorciados e novamente
casados não é central na pastoral familiar, além de ser uma discussão
anacrônica. O mesmo ensino da Familiaris Consortio aparece no Catecismo
da Igreja Católica, n.º 1650 (de 1992); na Carta Annus internationalis
Familiae da Congregação para a Doutrina da Fé de 1994[1]; e no documento de
1998 da mesma Congregação, o qual respondia às objeções levantadas àqueles
documentos[2]. Importante também é um documento do Conselho Pontifício para os
Textos Legislativos sobre a admissão à santa Comunhão dos fiéis divorciados que
contraíram novas núpcias, de 24 de junho de 2000[3]; o mesmo tema foi discutido
no Sínodo sobre a Eucaristia do ano 2005 e a mesma decisão foi expressa no
número 29 da Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis[4].
A
declaração do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos esclarece o
sentido do cânon 915 do Código de Direito Canônico, o qual declara: «Não
sejam admitidos à sagrada comunhão os excomungados e os interditos, depois da
aplicação ou declaração da pena, e outros que obstinadamente perseverem em
pecado grave manifesto». E interpreta aquele texto com a seguinte norma: «A
proibição feita no citado cânon, por sua natureza, deriva da lei divina e
transcende o âmbito das leis eclesiásticas positivas: estas não podem
introduzir modificações legislativas que se oponham à doutrina da Igreja». E
adiante esclarece o sentido da mesma norma: «considerando a natureza da já
mencionada norma, nenhuma autoridade eclesiástica pode dispensar em caso algum
desta obrigação do ministro da sagrada Comunhão, nem emanar diretrizes que a
contradigam».
Poderia,
pois, ser alteradas a disciplina da Igreja sobre a Comunhão dada aos
divorciados que contrariam novas núpcias? Se isso ocorresse, não há dúvidas de
que causaria muita confusão entre os fiéis e pastores da Igreja. Pois
objetivamente implantaria contradições no Magistério da Igreja e criaria um
clima de instabilidade doutrinal a ser curado em longo prazo. Mas vale a pena
assumir uma contradição para resolver um problema que é cada vez mais raro?
Além disso, a questão principal não é estatística, mas da verdade revelada. E a
dita contradição não poderia levar os fiéis a pensar que a doutrina e a
disciplina católicas dependem do gosto pessoal do legislador do momento, e que
não seria algo objetivo e desenvolvido harmonicamente, a partir dos
ensinamentos de Jesus Cristo?
E os
pastores que sempre pretendem obedecer ao Magistério teriam que enfrentar um
grave problema de consciência: a qual posicionamento obedecer? Ao mais antigo
ou ao mais recente? Se há rupturas no ensinamento, caberia a pergunta: qual
deles está expressando a sabedoria e a vontade de Cristo? Isso não levaria a
cada um fazer o que bem entender? Os que não tiverem essas dificuldades e se
adaptarem sem dificuldades à última legislação, mesmo se contraditória com as
anteriores, demonstrariam falta de convicções sólidas. Mas isso ajudaria
realmente o povo católico ou causaria mais confusão?
Na sua
viagem à Coreia do Sul o papa Francisco disse aos bispos asiáticos algo admirável:
«o relativismo atual obscurece o esplendor da verdade e, abalando a terra sob
os nossos pés, impele-nos para areias movediças: as areias movediças da
confusão e do desespero»[5]. De fato, o relativismo é como uma areia movediça
que lentamente elimina toda vida que nele se move. Entretanto, ao vermos
decisões magisteriais tão recentes e seguras sendo discutidas em público, não
poderiamos suspeitar de que as areias movediças do relativismo avançam em
direção à mesma Igreja Católica?
Em
síntese, a possibilidade de dar a comunhão aos divorciados que vivem em uma
nova união não causaria mais danos do que bens à Igreja? Uma possível mudança
na disciplina não incidiria uma espécie de desprezo por aqueles fiéis que foram
abandonados no seu casamento e mesmo assim vivem castamente por fidelidade ao
Sacramento do Matrimônio e da Eucaristia? E os que passam dificuldades no
próprio matrimônio, não poderiam se sentir incentivados a se separar e se unir
a outra pessoa, uma vez que isso não os afastaria da Comunhão eucarística? Em
outras palavras, a dita mudança disciplinar não poderia fazer aumentar a
mentalidade “divorcista” entre os mesmos católicos, aumentando a atual crise do
matrimônio, em vez de enfrentá-la? O remédio não seria pior do que a
enfermidade?
Mais do
que isso: se esses fiéis que vivem numa situação objetiva de pecado podem
receber a Eucaristia, por que outros também não poderiam? Por que não poderia
recebê-la quem convive sem ser casado, ou quem vive na poligamia? O documento
do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos do ano 2000 disse que dar a
comunhão aos “recasados” seria «um comportamento que atenta aos direitos da
Igreja e de todos os fiéis de viver em coerência com as exigências dessa
comunhão»[6]. De fato, se esses fiéis podem viver de forma incoerente com a
própria fé, por que outros não o poderiam? Não estaríamos assim nos acomodando
à mentalidade da época, cedendo a certo “populismo mediático” em vez de elevar
as culturas a Cristo? E o que seria do Sacramento da Penitência? Para que nos
confessarmos, se nenhum pecado romperia no fundo a comunhão do fiel com a
Igreja? Mas se for assim, o que significariam para nós as palavras de São
Paulo: «E, assim, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor
indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se cada qual a si
mesmo e, então, coma desse pão e beba desse cálice. Aquele que come e bebe, sem
distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação» (1 Cor 11,
27-29)?
Pe. Anderson Alves
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[1]
Disponível em:
[2] Disponível
em:
[3]
Disponível em:
[4]
Disponível em:
[5]
Disponível em:
[6] Cf.
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ZENIT
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