A
celebração íntegra e quotidiana da Liturgia das Horas é, para os sacerdotes e
diáconos a caminho do presbiterado, parte substancial de seu ministério
eclesiástico.
Seria uma
visão empobrecida olhar esta responsabilidade como o mero cumprimento de uma obrigação
canônica, ainda que também o seja, e não teria presente que a ordenação
sacramental confere ao diácono e ao presbítero um especial encargo de elevar ao
Deus uno e trino o louvor pela Sua bondade, pela Sua soberana beleza e pelo
desígnio misericordioso acerca da nossa salvação sobrenatural.
Juntamente
com o louvor, os sacerdotes e diáconos apresentam à Divina Majestade a oração
de intercessão afim de que se digne acudir às necessidades espirituais e
temporais da Igreja e de toda a humanidade.
O “sacrifício
de louvor” realiza-se, em primeiro lugar, na celebração da Santíssima
Eucaristia. No entanto, prepara-se e prolonga-se na celebração da Liturgia das
Horas (cf. IGLH, 12), cuja forma principal é a recitação comunitária, seja numa
comunidade de clérigos ou de religiosos, sendo muito desejável a participação
dos fiéis leigos.
Todavia,
a Liturgia das Horas, chamada também Ofício Divino ou Breviário, de nenhuma
maneira carece de valor quando é recitada a sós ou de certa forma privadamente,
já que, ainda neste caso, “estas orações ainda que se realizem de modo privado,
não imploram coisas privadas” (Gilbertus de Holland, Sermo XXIII in Cant., em
P.L. 184, 120).
Com
efeito, mesmo em circunstâncias similares, estas orações não constituem um acto
privado, mas fazem parte do culto público da Igreja, de tal modo que, ao
recitá-las, o ministro sagrado cumpre com seu dever eclesial: o sacerdote ou o
diácono que, na intimidade de um templo, de um oratório ou em sua própria casa,
se entrega à celebração do Ofício Divino, realiza, ainda que não haja ninguém
que o acompanhe, um acto eminentemente eclesial, em nome da Igreja e em favor
de toda a Igreja, e inclusivamente da humanidade inteira.
No
Pontifical Romano pode ler-se:
“Vós
todos, quereis de acordo com vosso estado, perseverar e progredir no espírito
de oração e, neste mesmo espírito, segundo vossas condições, realizar fielmente
a Liturgia das Horas com o povo de Deus, em seu favor e pelo mundo inteiro?”
(Pontifical Romano, Rito da ordenação de diáconos).
Assim, no
rito da ordenação diaconal, o ministro sagrado pede e recebe da Igreja o
mandato da recitação da Liturgia das Horas, o que pertence, portanto, ao âmbito
das responsabilidades ministeriais do ordenado, e vai além de sua piedade
pessoal. Os ministros sagrados, juntamente com o bispo, encontram-se unidos no
ministério de intercessão pelo povo de Deus que lhes foi confiado, como o foi a
Moisés (Ex 17,8-16), aos Apóstolos (1Tm 2,1-6) e ao mesmo Jesus Cristo, “que
está à direita do Pai e intercede por nós” (Rm 8,34).
Igualmente,
na Institutio Generalis de Liturgia Horarum n° 108 está escrito:
“Na
Liturgia das Horas, quem salmodia não o faz tanto em seu próprio nome, como em
nome de todo o Corpo de Cristo, e ainda na pessoa do próprio Cristo”.
Mesmo
assim, no n. 29 da mesma Institutio se diz:
“Portanto,
os bispos, os presbíteros e os diáconos que se preparam para o presbiterado e
que receberam da Igreja o mandato de celebrar a Liturgia das Horas cumpram cada
dia integralmente o seu curso, observando a realidade das horas, na medida do
possível”.
O Código
de Direito Canónico, por sua parte, estabelece no cân. 276, § 2, n. 3, que:
“os
sacerdotes e os diáconos que aspiram ao presbiterado estão obrigados a cumprir
cada dia com a Liturgia das Horas, usando os seus próprios livros litúrgicos,
devidamente aprovados; os diáconos permanentes têm essa obrigação nos termos
estabelecidos pela Conferência Episcopal”.
Com os
antecedentes expostos pode-se responder às perguntas formuladas na seguinte
forma:
1. Qual é
a mente da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos em
relação à extensão da obrigação de celebrar ou recitar diariamente a Liturgia
das Horas?
R/
Aqueles que foram ordenados estão obrigados moralmente, em virtude da mesma
ordenação recebida, à celebração ou recitação íntegra e quotidiana do Oficio
Divino tal e como está canonicamente estabelecido no cânon 276, § 2, n. 3 do
CDC, citado anteriormente. Esta recitação não tem a índole de uma devoção
privada ou de um piedoso exercício realizado somente pela própria vontade do
clérigo, mas é um ato próprio do sagrado ministério e oficio pastoral.
2. A
obrigação sub gravi(1) inclui a recitação íntegra do Oficio Divino?
R/ Deve
ter-se presente que:
a. um
motivo grave, seja de saúde, ou de serviço pastoral do ministério, ou do
exercício da caridade, ou de cansaço, não uma simples incomodidade, pode
escusar a recitação parcial e inclusive total do Oficio Divino, segundo o
princípio geral que estabelece que uma lei meramente eclesiástica não obriga
com grave incomodidade;
b. a
omissão total ou parcial do Oficio só por preguiça ou por realizar atividades
de lazer não necessárias não é lícita, mais ainda, constitui um menosprezo,
segundo a gravidade da matéria, do oficio ministerial e da lei positiva da
Igreja;
c. para
omitir o Oficio de Laudes e Vésperas requer-se uma causa de maior gravidade
ainda, posto que estas Horas são “o duplo eixo do Oficio quotidiano” (SC 89);
d. se um
sacerdote deve celebrar várias vezes a Santa Missa no mesmo dia, atender
confissões por várias horas ou pregar várias vezes num mesmo dia, e isso lhe
causa cansaço, pode considerar, com tranquilidade de consciência, que tem
escusa legítima para omitir alguma parte proporcionada do Oficio;
e. o
Ordinário próprio do sacerdote ou do diácono pode, por causa justa ou grave,
segundo o caso, dispensá-lo total o parcialmente da recitação do Oficio Divino,
ou substituí-lo por outro acto de piedade (como, por exemplo, o santo Rosário,
a Via Sacra, uma leitura bíblica ou espiritual, um tempo de oração mental
razoavelmente prolongado, etc.).
3. Qual é
a incidência do critério da “veritas temporis”[2] sobre esta questão?
R/ A
resposta deve dar-se por partes, para esclarecer os diversos casos:
a. O
“Ofício das Leituras” não tem um tempo estritamente assinalado, e poderá
celebrar-se a qualquer hora, podendo-se omiti-lo por alguma das causas
apontadas na resposta indicada no n. 2 anterior. Segundo o costume, o Oficio
das Leituras pode ser celebrado a partir das horas do entardecer ou ao
anoitecer do dia anterior, depois das Vésperas (Cf. IGLH, 59).
b. O
mesmo vale para a “hora media”, que tampouco têm assinalado algum tempo
determinado de celebração. Para sua recitação, observe-se o tempo que media
entre a manhã e a tarde. Fora do coro, das três horas, nove, doze e quinze,
cabe eleger uma das três, aquela que mais se acomode ao momento do dia, afim de
que se mantenha a tradição de orar durante o dia, no meio do trabalho (Cf.
IGLH, 77).
c. Por si
mesmas, as Laudes devem ser recitadas nas horas da manhã e as Vésperas nas
horas do entardecer, como o indicam os nomes destas partes do Oficio. Se alguém
não pode recitar as Laudes na manhã, tem a obrigação de fazê-lo quanto antes.
Da mesma forma, se as Vésperas não podem ser recitadas nas horas da tarde,
devem ser recitadas logo que se possa (SC 89). Por outras palavras, o obstáculo
que impede observar a “verdade das horas” não é uma causa que escuse da
recitação de Laudes ou Vésperas, porque se tratam de “Horas principais” (SC,
89) que “merecem o maior apreço” (IGLH, 40).
Quem
recita com gosto a Liturgia das Horas e procura celebrar com dedicação os
louvores ao Criador do universo, pode recuperar ao menos a salmodia da hora que
foi omitida depois do hino da hora correspondente e concluir só com uma leitura
breve e a oração.
Estas
respostas publicam-se com a aprovação da Congregação para o Clero.
Cidade do
Vaticano, 15 de Novembro de 2000.
+Jorge A. Card. Medina Estévez, Prefeito
+ Francesco Pio Tamburrino, Arcebispo Secretario
___________________________________
[1]
Obrigação grave, que, se omitida sem motivos razoáveis, constitui pecado grave
(N. T.).
[2]
Literalmente, verdade do tempo. Na versão portuguesa, traduz-se por realidade
das horas (Cf. IGLH, n. 29) (N. T.).
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