PONTIFÍCIO
CONSELHO PARA A
PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES
Mensagem pastoral por ocasião da Jornada
Mundial do Turismo 2015
“Mil
milhões de turistas, mil milhões de oportunidades”.
1. Era 2012 quando a barreira simbólica de mil
milhões de chegadas turísticas internacionais foi superada. E os números,
agora, continuam a aumentar de tal modo que as previsões estimam que em 2030 se
alcançará a nova meta de dois mil milhões. A estes dados devem acrescentar-se
cifras ainda mais altas ligadas ao turismo local.
Para o Dia Mundial do Turismo queremos
concentrar-nos sobre as oportunidades e os desafios lançados por estas estatísticas
e por isto faremos nosso o tema que a Organização Mundial do Turismo propõe:
“Mil milhões de turistas, mil milhões de oportunidades”.
Este crescimento lança um desafio a todos os
setores envolvidos neste fenômeno global: turistas, empresas, governos e
comunidades locais. E, certamente, também à Igreja. O mil milhões de turistas
deve necessariamente ser considerado sobretudo no seu mil milhões de
oportunidades.
A presente mensagem torna-se pública há poucos dias
da apresentação da encíclica Laudato si’ do Papa Francisco, sobre o cuidado da
casa comum.1 É um texto que devemos ter em forte consideração porque oferece
importantes linhas diretrizes a seguir na nossa atenção ao mundo do turismo.
2. Estamos numa fase de mudança, na qual muda o
modo de deslocar-se e, consequentemente, também a experiênca da viagem. Quem se
desloca para um país diferente do seu, fá-lo com o desejo, mais ou menos
consciente, de despertar a parte mais recôndita de si através do encontro, da
compartilha e do confronto. O turista está sempre mais à procura de um contato
direto com o diverso na sua extraordinariedade.
Já se atenuou o conceito clássico de “turista”, ao
passo que se reforçou o de “viageiro”, ou seja, daquele que não se limita a
visitar um lugar, mas, de alguma forma, torna-se dele parte integrante. Nasceu
o “cidadão do mundo”. Não mais ver, mas pertencer, não curiosar, mas viver, não
mais analisar, mas aderir. Não sem o repeito do que ou de quem se encontra.
Na última encíclica, Papa Francisco convida-nos a
nos aproximarmos da natureza com “a abertura para a admiração e o encanto”,
falando “a língua da fraternidade e da beleza na nossa relação com o mundo”
(Laudato si’, n. 11). Eis a justa abordagem a adotar em relação aos lugares e
aos povos visitados. É esta a estrada para aproveitar mil milhões de
oportunidades e fazê-las frutificar mais ainda.
3. As empresas do setor são as primeiras que se
devem engajar na realização do bem comum. A responsabilidade das empresas é
grande, também no campo turístico, e para conseguirem desfrutar o mil milhões
de oportunidades é necessário que disto estejam conscientes. Objetivo final não
deve ser tanto o lucro, mas a oferta ao viageiro de estradas percorríveis para
alcançar aquela experiência vital de que está à procura. E isto as empresas
devem fazê-lo no respeito a pessoas e ambiente. É importante não perder a
consciência das feições. Os turistas não podem reduzir-se apenas a uma
estatística ou a uma fonte de recursos. É necessário colocar em ação formas de
business turístico com e para as pessoas, investindo nas pessoas
individualmente concebidas e na sustentabilidade, de modo a oferecer também
oportunidades de trabalho no respeito à casa comum.
4. Ao mesmo tempo, os Governos devem garantir o
respeito às leis e adotar novas, apropriadas à tutela da dignidade das pessoas,
das comunidades e do território. É indispensável uma atitude decisiva. Também
no âmbito turístico, as autoridades civis dos diversos Países devem pensar em
estratégias compartilhadas para criar redes socioeconômicas globalizadas a
favor de comunidades locais e viageiros, de modo a desfrutar positivamente o
mil milhões de oportunidades que a interação oferece.
5. Nesta ótica, também as comunidades locais são
chamadas a abrir os seus confins ao acolhimento de quem chega de outros Países,
movido pela sede de conhecimento. Ocasião única para o enriquecimento recíproco
e o crescimento comum. Dar hospitalidade permite fazer frutificar as
potencialidades ambientais, sociais e culturais, criar novos empregos,
desenvolver a identidade própria e valorizar o território. Mil milhões de
oportunidades para o progresso, principalmente para aqueles Países em via de
desenvolvimento. Incrementar o turismo e, de modo especial, nas suas formas
mais responsáveis permite encaminhar-se para o futuro fortes da própria
especificidade, história e cultura. Gerar renda e promover o patrimônio
específico permite despertar aquele sentido de orgulho e de auto-estima úteis a
fortalecer a dignidade das comunidades hospedeiras, estando, no entanto, sempre
atentos a não trair território, tradições e identidade em favor dos turistas.2
É nas comunidades locais que “é possível gerar uma maior responsabilidade, um
forte sentido de comunidade, uma especial capacidade de solicitude e uma
criatividade mais generosa, um amor apaixonado pela própria terra, tal como se
pensa naquilo que se deixa aos filhos e netos” (Laudato si’, n. 179).
6. Mil milhões de turistas, quando bem acolhidos,
podem transformar-se em fonte importante de bem-estar e de desenvolvimento sustentável
para todo o Planeta. A globalização do turismo leva, além disto, ao nascimento
de um sentido cívico individual e coletivo. Cada viajante, ao adotar um
critério mais correto pera percorrer o mundo, torna-se parte ativa na tutela da
Terra. O esforço de cada um, multiplicado por mil milhões, torna-se uma grande
revolução.
Na viagem esconde-se também um desejo de
autenticidade que se concretizza na forma imediata das relações, no deixar-se
envolver pelas comunidades visitadas. Nasce a necessidade de afastar-se do
mundo virtual, tão capaz de criar distâncias e conhecimentos impessoais, e de
redescobrir a genuinidade do encontro com o outro. E a economia da compartilha
tem a capacidade de tecer uma rede mediante a qual se incrementam humanidade e
fraternidade capazes de gerar um intercâmbio equitativo de bens e de serviços.
7. O turismo representa mil milhões de
oportunidades também para a missão evangelizadora da Igreja. “Não há realidade
alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração” (Concílio
Vaticano II, Gaudium et spes, n. 1). É importante, em primeiro lugar, que
acompanhe os católicos com poropostas litúrgicas e formativas. Deve também
iluminar os que, na experiência da viagem, abrem o seu coração e se questionam,
realizando, assim, um verdadeiro primeiro anúncio do Evangelho. É indispensável
que a Igreja saia e se faça próxima aos viageiros para oferecer uma resposta
apropriada e pessoal a sua busca interior; ao abrir o coração ao outro, a
Igreja torna possível um encontro mais autêntico com Deus. Com esta finalidade
dever-se-ia aprofundar o acolhimento por parte das comunidades paroquiais e a
formação religiosa do pessoal turístico.
Tarefa da Igreja é também a de educar a viver o
tempo livre. O Santo Padre lembra-nos que “a espiritualidade cristã integra o
valor do repouso e da festa. O ser humano tende a reduzir o descanso
contemplativo ao âmbito do estéril e do inútil, esquecendo que deste modo se
tira à obra realizada o mais importante: o seu significado. Na nossa atividade,
somos chamados a incluir uma dimensão receptiva e gratuita, o que é diferente
da simples inatividade” (Laudato si’, n. 237).
Não dever-se-ia, ainda, esquecer a convocação feita
pelo Papa Francisco a celebrar o Ano Santo da Misericórdia.3 Devemos
questionar-nos sobre como a pastoral do turismo e das peregrinações pode ser um
âmbito para “experimentar o amor de Deus que consola, que perdoa e dá
esperança” (Misericordiae vultus, n. 3). Sinal peculiar deste tempo jubilar
será, sem dúvida, a paregrinação (cf. Misericordiae vultus, n. 14).
Fiel à sua missão e partindo da convicção de que
“evangelizamos também quando procuramos enfrentar os diversos desafios que
podem apresentar-se”,4 a Igreja coopera para fazer do turismo um meio para o
desenvolvimento dos povos, especialmente dos mais desfavorecidos, encaminhando
projetos simples, mas eficazes. A Igreja e as instituições devem, no entanto,
ser sempre vigilantes a fim de evitar que mil milhões de oportunidades se
tornem mil milhões de riscos, cooperando na salvaguarda da dignidade pessoal,
dos direitos do trabalho, da identidade cultural, do respeito ao ambiente, etc.
8. Mil milhões de oportunidades também para o
ambiente. “Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu
carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de
Deus” (Laudato si’, n. 84). Entre turismo e ambiente há uma íntima
interdependência. O setor turístico, aproveitando as riquezas naturais e
culturais, pode promover a sua conservação e, paradoxalmente, a sua destruição.
Nesta relação, a encíclica Laudato si’ apresenta-se como boa companheira de
viagem.
Muitas vezes fingimos não ver o problema. “Este
comportamento evasivo serve-nos para mantermos os nossos estilos de vida, de
produção e consumo” (Laudato si’, n. 59). Agindo não como senhor, mas como
“administrador responsável” (Laudato si’, n. 116), cada um tem as suas
obrigações que se devem concretizar em ações precisas, que vão de uma
legislação específica e coordenada até a simples gestos quotidianos,5 passando
por programas educativos apropriados e projetos turísticos sustentáveis e
respeitosos. Tudo tem a sua importância.6 Mas é necessário, e certamente mais
importante, também uma mudança nos estilos de vida e nas atitudes. “A
espiritualidade cristã propõe um crescimento na sobriedade e uma capacidade de
se alegrar com pouco” (Laudato si’, n. 222).
9. O setor turístico pode ser uma oportunidade,
melhor, mil milhões de oportunidades também para construir estradas de paz. O
encontro, o intercâmbio e a compartilha favorecem a harmonia e a concórdia.
Mil milhões de ocasiões para transformar a viagem
em experiência existencial. Mil milhões de oportunidades para nos tornarmos
artífices de um mundo melhor, conscientes da riqueza carregada na mala de cada
viageiro. Mil milhões de turistas, mil milhões de oportunidades para nos tornarmos
“os instrumentos de Deus Pai para que o nosso planeta seja o que Ele sonhou ao
criá-lo e corresponda ao seu projeto de paz, beleza e plenitude” (Laudato si’,
n. 53).
Cidade do Vaticano, 24 de junho de 2015.
Antonio Maria Card. Vegliò
Presidente
+ Joseph Kalathiparambil
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