Homilia
Santa
Missa em Campo Grande de Ñu Guazú, em Assunção, Paraguai
Domingo,
12 de julho de 2015
«O Senhor dar-nos-á chuva e dará fruto a nossa
terra»: assim diz o Salmo. Com isto, somos convidados a celebrar a misteriosa
comunhão entre Deus e o seu Povo, entre Deus e nós. A chuva é sinal da sua
presença, na terra trabalhada pelas nossas mãos. Uma comunhão que sempre dá
fruto, que sempre dá vida. Esta confiança brota da fé, de saber que contamos
com a sua graça que sempre transformará e regará a nossa terra.
Uma confiança que se aprende, que se educa. Uma
confiança que se vai gerando no seio duma comunidade, na vida duma família. Uma
confiança que se transforma em testemunho no rosto de tantos que nos encorajam
a seguir Jesus, a ser discípulos d’Aquele que nunca desilude. O discípulo
sente-se convidado a confiar, sente-se convidado por Jesus a ser amigo, a
compartilhar a sua sorte, a partilhar a sua vida. «A vós, não vos chamo servos,
chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que sabia do meu Pai». Os
discípulos são aqueles que aprendem a viver na confiança da amizade.
O Evangelho fala-nos deste discipulado.
Apresenta-nos a cédula de identidade do cristão; a sua carta de apresentação, a
sua credencial.
Jesus chama os seus discípulos e envia-os,
dando-lhes regras claras e precisas. Desafia-os a um conjunto de atitudes,
comportamentos que devem ter. Sucede, e não raras vezes, que nos poderão
parecer atitudes exageradas ou absurdas; seria mais fácil lê-las simbolica ou
«espiritualmente». Mas Jesus é muito preciso, muito claro. Não lhes diz: fazei
de conta, ou fazei o que puderdes.
Recordemo-las juntos: «Não leveis nada para o
caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem alforje, nem dinheiro (…) Permanecei
na casa onde vos derem alojamento». Parece uma coisa impossível.
Poderíamos concentrar-nos em palavras como «pão»,
«dinheiro», «alforje», «cajado», sandálias», «túnica». E seria lícito. Mas
parece-me que há aqui uma palavra-chave, que poderia passar despercebida. Uma
palavra central na espiritualidade cristã, na experiência do discipulado:
hospitalidade. Como bom mestre, Jesus envia-os a viver a hospitalidade.
Diz-lhes: «Permanecei na casa onde vos derem alojamento». Envia-os a aprender
uma das características fundamentais da comunidade crente. Poderíamos dizer que
é cristão aquele que aprendeu a hospedar, a alojar.
Jesus não os envia como poderosos, como
proprietários, chefes, carregados de leis, normas. Ao contrário, mostra-lhes
que o caminho do cristão é transformar o coração. Aprender a viver de forma
diferente, com outra lei, sob outra norma. É passar da lógica do egoísmo, do fechamento,
da luta, da divisão, da superioridade para a lógica da vida, da gratuidade, do
amor. Passar da lógica do dominar, esmagar, manipular para a lógica do acolher,
receber, cuidar.
São duas as lógicas que estão em jogo, duas
maneiras de enfrentar a vida, a missão.
Quantas vezes concebemos a missão com base em
projetos ou programas. Quantas vezes idealizamos a evangelização, pondo de pé
milhares de estratégias, táticas, manobras, truques, procurando que as pessoas
se convertam com base nos nossos argumentos. Hoje o Senhor diz-nos muito
claramente: na lógica do Evangelho, não se convence com os argumentos, as
estratégias, as táticas, mas aprendendo a alojar, a hospedar.
A Igreja é uma mãe de coração aberto que sabe
acolher, receber, especialmente a quem precisa de maior cuidado, que está em
maior dificuldade. A Igreja é a casa da hospitalidade. Quanto bem se pode
fazer, se nos animarmos a aprender a linguagem da hospitalidade, do acolher!
Quantas feridas, quanto desespero se pode curar numa casa onde alguém se sente
bem-vindo! Para isso é necessário que a porta esteja aberta, também a porta do
coração.
Praticar hospitalidade com o faminto, o sedento, o
forasteiro, o nu, o enfermo, o encarcerado (cf. Mt 25, 34-37), com o
leproso, o paralítico. Hospitalidade com aquele que não pensa como nós, com a
pessoa que não têm fé ou a perdeu. Hospitalidade com o perseguido, o
desempregado. Hospitalidade com as culturas diferentes, de que esta terra é tão
rica. Hospitalidade com o pecador.
Muitas vezes esquecemo-nos de que há um mal que
precede os nossos pecados. Há uma raiz que causa muito, muito dano, que destrói
silenciosamente tantas vidas. Há um mal que, pouco a pouco, vai fazendo ninho
no nosso coração e «corroendo» a nossa vitalidade: a solidão. Solidão que pode
ter muitas causas, muitos motivos. Como destrói a vida e nos faz tão mal!
Vai-nos afastando dos outros, de Deus, da comunidade. Vai-nos encerrando em nós
mesmos. Por isso, o que é próprio da Igreja, desta mãe, não é principalmente
gerir coisas, projetos, mas aprender a viver a fraternidade com os outros. A
fraternidade acolhedora é o melhor testemunho de que Deus é Pai, porque «é por
isto que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos
outros» (Jo 13, 35).
Desta maneira, Jesus abre-nos a uma lógica nova; a
um horizonte cheio de vida, beleza, verdade, plenitude.
Deus nunca fecha os horizontes, Deus nunca é
passivo face à vida e ao sofrimento dos seus filhos. Deus nunca Se deixa vencer
em generosidade. Foi para isto que nos enviou seu Filho, no-Lo oferece,
entrega, compartilha: para aprendermos o caminho da fraternidade, do dom. Em
definitivo, é um novo horizonte, uma nova Palavra para tantas situações de
exclusão, desagregação, confinamento, isolamento. É uma Palavra que quebra o silêncio
da solidão.
E quando estivermos cansados ou se tornar pesada a
evangelização, é bom recordar que a vida proposta por Jesus corresponde às
necessidades mais profundas das pessoas, porque todos fomos criados para a
amizade com Jesus e o amor fraterno (EG 265).
Uma coisa é certa: não podemos obrigar ninguém a
receber-nos, a hospedar-nos; isto é certo e faz parte da nossa pobreza e da
nossa liberdade. Mas é certo também que ninguém nos pode obrigar a não sermos
acolhedores, hospedeiros da vida do nosso Povo. Ninguém nos pode pedir que não
recebamos e abracemos a vida dos nossos irmãos, especialmente dos que perderam
a esperança e o gosto pela vida. Como é belo imaginar as nossas paróquias,
comunidades, capelas, lugares onde estão os cristãos como verdadeiros centros
de encontro tanto entre nós como com Deus.
A Igreja é mãe, como Maria. N’Ela, temos um modelo.
Alojar como Maria, que não dominou nem Se apoderou da Palavra de Deus; pelo
contrário, hospedou-A, gerou-A e entregou-A.
Alojar como a terra que não domina a semente, mas
que a recebe, nutre e faz germinar.
Assim queremos ser nós, os cristãos, assim queremos
viver a fé neste solo paraguaio: como Maria, alojando a vida de Deus em nossos
irmãos com a confiança, com a certeza de que «o Senhor nos dará chuva e dará
fruto a nossa terra».
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