VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
AO EQUADOR, BOLÍVIA E PARAGUAI
(5-13 DE JULHO DE 2015)
ENCONTRO
COM O CLERO, OS RELIGIOSOS, AS RELIGIOSAS E OS SEMINARISTAS
DISCURSO
DO SANTO PADRE
Santuário Nacional Mariano “El Quinche”,
Equador
Quarta-feira, 8 de Julho de 2015
Discurso preparado pelo Santo Padre:
Queridos irmãos e irmãs!
Trago aos pés de Nossa Senhora de Quinche o que
vivi nestes dias da minha visita; quero deixar no seu Coração os idosos e
doentes com quem acabo de partilhar alguns momentos na casa das Irmãs da
Caridade, bem como todos os outros encontros anteriores. Deixo-os no Coração de
Maria, mas também os deposito no vosso coração: sacerdotes, religiosos e
religiosas, seminaristas, para que, chamados a trabalhar na vinha do Senhor,
sejais guardiões de tudo o que este povo do Equador vive por entre lágrimas e alegrias.
A D. Lazzari, ao Padre Mina e à Irmã Sandoval
agradeço as suas palavras, que me dão motivo para partilhar com todos vós
algumas coisas relativas à nossa solicitude comum pelo Povo de Deus.
No Evangelho, o Senhor convida-nos a aceitar a
missão, sem pôr condições. É uma mensagem importante, que convém não esquecer,
ressoando, com um acento especial, neste Santuário dedicado à Virgem da
Apresentação. Maria é exemplo de discípula para nós, que, como Ela, recebemos
uma vocação. A sua resposta confiante – «faça-se em mim segundo a tua palavra»
– lembra-nos as suas palavras nas bodas de Caná: «Fazei o que Ele vos disser»
(Jo 2, 5). O seu exemplo é um convite a servir como Ela.
Na Apresentação da Virgem, podemos encontrar
algumas sugestões para a nossa própria chamada. A Virgem Menina foi um presente
de Deus para os seus pais e para todo o povo, que esperava a libertação. É um
facto que se repete frequentemente na Escritura: Deus responde ao clamor do seu
povo, enviando uma criança, frágil, destinada a trazer a salvação e que, ao
mesmo tempo, restaura a esperança de uns pais idosos. A palavra de Deus diz-nos
que, na história de Israel, os juízes, os profetas, os reis são um presente do
Senhor para fazer chegar a sua ternura e misericórdia ao seu povo. São sinal de
gratuidade de Deus: foi Ele quem os elegeu, escolheu e destinou. Isto
afasta-nos da auto-referencialidade, faz-nos compreender que já não nos
pertencemos, que a nossa vocação requer que nos afastemos de todo o egoísmo, de
toda a busca de lucro material ou compensação afectiva, como nos disse o
Evangelho. Não somos mercenários, mas servidores; viemos, não para ser
servidos, mas para servir, fazendo-o com desprendimento total, sem bastão nem
bolsa.
Algumas tradições sobre a invocação de Nossa Senhora
de Quinche dizem-nos que Diego de Robles fez a imagem por encomenda dos índios
Lumbicí. Diego não a fez por devoção, fê-la para tirar proveito económico. Como
não lhe puderam pagar, levou-a a Oyacachi e trocou-a por tábuas de cedro. Mas
Diego negou-se a atender o pedido daquele povo para que lhes fizesse também um
altar para a imagem, até que, caindo do cavalo, encontrou-se em perigo e sentiu
a protecção da Virgem. Voltou à aldeia e fez o pedestal da imagem. Todos nós
também já fizemos a experiência de um Deus que Se nos atravessa diante e que,
na nossa realidade de caídos, derrubados, nos chama. Que a vanglória e o
mundanismo não nos façam esquecer onde Deus nos resgatou! Que a Virgem Maria de
Quinche nos faça descer dos postos de ambições, interesses egoístas, cuidados
excessivos de nós mesmos!
A «autoridade», que os apóstolos recebem de Jesus,
não é para seu próprio benefício: os nossos dons são para renovar e construir a
Igreja. Não vos negueis a partilhar, não resistais a dar, não vos fecheis na
comodidade; sede mananciais que transbordam e refrescam, especialmente a bem
dos oprimidos pelo pecado, a desilusão, o rancor (cf. EG 272).
O segundo traço que me evoca a Apresentação da
Virgem é a perseverança. Na sugestiva iconografia mariana desta festa, a Virgem
Menina afasta-se de seus pais subindo a escadaria do Templo. Maria não olha
para trás e, numa clara referência à advertência evangélica, caminha
decididamente para diante. Nós, como os discípulos do Evangelho, também nos
pusemos a caminho para levar a cada povo e lugar a boa nova de Jesus. A
perseverança na missão implica não mudar de casa para casa, buscando onde nos
tratem melhor, onde haja mais recursos e comodidades. Supõe unir a nossa sorte
à de Jesus até ao fim. Alguns relatos das aparições da Virgem de Quinche dizem
que uma «senhora com um menino nos braços» visitou várias tardes seguidas os
indígenas de Oyacachi, quando estavam refugiados por causa do assédio dos
ursos. Várias vezes veio Maria ao encontro dos seus filhos; eles não
acreditaram nela, desconfiavam daquela senhora, mas admiravam a sua
perseverança de voltar cada tarde ao pôr-do-sol. Saibamos perseverar, mesmo que
nos rejeitem, ainda que se faça noite e cresçam a confusão e os perigos.
Perseverar neste esforço, sabendo que não estamos sozinhos, que é o Povo Santo
de Deus que caminha.
De certo modo podemos ver, na imagem da Virgem
Menina subindo ao Templo, a Igreja que acompanha o discípulo missionário. Ao
lado d’Ela, estão os seus pais, que Lhe transmitiram a memória da fé e agora,
generosamente, A oferecem ao Senhor para que possa seguir o seu caminho; está a
sua comunidade, representada no «séquito das virgens, suas companheiras», com
as lâmpadas acesas (cf. Sal 44, 15), nas quais os Padres da Igreja viram uma
profecia de todos os que, imitando Maria, procuram sinceramente ser amigos de
Deus, e estão os sacerdotes que esperam para A receber e que nos lembram que, na
Igreja, os pastores têm a responsabilidade de acolher com ternura e ajudar a
discernir cada espírito e cada chamada.
Caminhemos juntos, sustentando-nos uns aos outros e
peçamos, com humildade, o dom da perseverança ao serviço deles.
Nossa Senhora de Quinche foi ocasião de encontro,
de comunhão, para este lugar que, desde os tempos dos Incas, se tornara uma
povoação multi-étnica. Como é belo quando a Igreja persevera no seu esforço por
ser casa e escola de comunhão, quando geramos aquilo a que me apraz chamar a
cultura do encontro!
A imagem da Apresentação diz-nos que a Virgem
Menina, depois de abençoada pelos sacerdotes, sentou-se nos degraus do altar e
dançou a seus pés. Penso na alegria que se expressa nas imagens do banquete das
núpcias, dos amigos do noivo, da noiva adornada com as suas jóias. É a alegria
de quem descobriu um tesouro e vendeu tudo para o adquirir. Encontrar o Senhor,
viver na sua casa, participar da sua intimidade compromete a anunciar o Reino e
levar a salvação a todos. Cruzar os umbrais do Templo exige tornar-nos, como
Maria, templos do Senhor e pôr-nos a caminho para O levarmos aos irmãos. A
Virgem, como primeira discípula missionária, depois do anúncio do Anjo, partiu
sem demora para uma cidade de Judá, a fim de compartilhar esta alegria imensa,
a mesma que fez São João Batista saltar no seio da sua mãe. Quem ouve a sua voz
«salta de alegria» e torna-se, por sua vez, um pregoeiro da alegria. A alegria
de evangelizar move a Igreja, fá-la sair como Maria.
Embora sejam múltiplas as razões que se invocam
para a transferência do santuário de Oyacachi para este lugar, limito-me a uma:
«aqui é e tem sido mais acessível, mais fácil para estar perto de todos». Assim
o entendeu o arcebispo de Quito, Frei Luis Lopez de Solís, quando mandou edificar
um Santuário capaz de atrair e acolher a todos. Uma Igreja em saída é uma
Igreja que se aproxima, que desce para não estar distante, que sai da sua
comodidade e ousa chegar a todas as periferias que precisam da luz do Evangelho
(EG 20).
Agora vamos regressar às nossas tarefas,
solicitadas pelo Santo Povo que nos foi confiado. Entre elas, não esqueçamos de
cuidar, animar e educar a devoção popular que experimentamos neste santuário e
tão generalizada em muitos países latino-americanos. O povo fiel soube
expressar a fé com a sua própria linguagem, manifestar os seus sentimentos mais
profundos de dor, dúvida, alegria, fracasso, gratidão com várias formas de
piedade: procissões, velas, flores, cânticos que se transformam numa bela
expressão de confiança no Senhor e de amor à sua Mãe, que é também a nossa.
Em Quinche, a história dos homens e a história de
Deus convergem na história duma mulher, Maria, e numa casa, a nossa casa, a
irmã mãe terra. As tradições desta invocação falam dos cedros, dos ursos, da
fenda na rocha que foi aqui a primeira casa da Mãe de Deus. Falam-nos no ontem
de aves que rodearam o lugar e no hoje de flores que enfeitam os arredores. As
origens desta devoção levam-nos para tempos onde era mais simples «a harmonia
serena com a criação (…), contemplar o Criador, que vive entre nós e naquilo
que nos rodeia e cuja presença não precisa de ser criada» (LS 225) e que Se nos
manifesta no mundo criado, em seu amado Filho, na Eucaristia que permite aos
cristãos sentirem-se membros vivos da Igreja e participarem activamente na sua
missão (cf. Aparecida, 264), em Nossa Senhora de Quinche, que, a partir daqui,
acompanhou os alvores do primeiro anúncio da fé aos povos indígenas. A Ela
recomendamos a nossa vocação; que Ela faça de nós um presente para o nosso
povo, que Ela nos dê a perseverança na entrega e a alegria de sair para levar o
Evangelho de seu Filho Jesus – unidos aos nossos pastores – até aos confins,
até às periferias do nosso querido Equador.
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Santa Sé
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