Depois de se afirmar a
Ressurreição de Cristo, convém crer na sua Ascensão, pois Ele subiu para o céu
após quarenta dias de ressuscitado. Eis porque se diz no Credo: “Subiu aos
céus”.
Devemos considerar as
três características principais deste acontecimentos, isto é, que ele foi
sublime, racional e útil.
Foi sublime, porque Ele
subiu para os céus. Explica-se isto por três maneiras:
Primeiro, porque Ele
subiu acima de todos os céus corpóreos1, conforme se lê em São Paulo: “Subiu
acima de todos os céus” (Ef 4, 10).
Tal ascensão foi
realizada pela primeira vez por Cristo, porque até então o corpo terreno
estivera somente na terra, sendo o paraíso, onde esteve Adão, situado também na
terra.
Segundo, porque subiu
sobre todos os céus espirituais, isto é, acima das naturezas espirituais, como
se lê também em São Paulo: “Colocando (o Pai) Jesus à sua direita nos céus,
sobre todo Principado, Potestade, Virtude, Dominação e acima de todo nome que
se pronuncia não só neste século, mas também nos futuros, e tudo colocou sob os
seus pés” (Ef 1, 20).
Terceiro, porque subiu
até ao trono do Pai. Lê-se nas Escrituras: “Eis que vinha sobre as nuvens do
céu como o Filho de Homem; Ele dirigiu-se para o Ancião, e foi conduzido à sua
presença” (Dn 7, 13). Lê-se também em São Marcos: “E o Senhor Jesus, depois de
lhes ter falado subiu ao céu, e sentou-se à direita de Deus” (Mc 16, 19).
A expressão direita de
Deus não deve ser entendida no sentido corporal, mas em sentido metafórico.
Enquanto Deus, diz-se que Cristo está sentado à direita de Deus, porque é igual
ao Pai; enquanto homem, diz-se que Cristo está sentado à direita do Pai, porque
goza dos melhores bens. O diabo aspirou também semelhante elevação, como se lê
em Isaías: “Subirei ao céu, acima dos astros de Deus colocarei o meu trono;
sentar-me-ei no Monte da Promessa, que está do lado do Aquilão; subirei acima
da elevação das nuvens, serei semelhante ao Altíssimo” (Is 14, 13) 2.
Mas a semelhante altura
não se elevou senão Cristo, razão pela qual se diz no Credo: “Subiu aos céus
está sentado à direita do Pai”, o que é confirmado no Livro dos Salmos: “Disse
o Senhor ao meu Senhor, senta-te a minha direita” (Sl 109, 1).
A Ascensão de Cristo foi
racional por três motivos3.
Primeiro, porque o céu era devido a Cristo por
exigência da sua natureza. É, com efeito, natural que cada coisa retorne à sua
origem. Cristo tem sua origem em Deus, que está acima de todas as coisas,
conforme Ele mesmo disse: “Saí do Pai, e vim ao mundo; deixo agora o mundo e
voto para o Pai” (Jo 16, 18).
Disse também: “ninguém
subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do Homem que está no céu” (Jo
3, 13).
Apesar de os Santos irem
para o céu, todavia não o fazem como Cristo: porque Cristo o fez por seu
próprio poder; os santos, porém, levados por Cristo. Lê-se no Livro dos
Cânticos: “Leva-me na Vossa seqüência” (Ct 1, 3).
Pode-se explicar de outra
maneira porque se diz que ninguém subiu ao céu a não ser Cristo: os santos não
sobem senão enquanto membros de Cristo, que é a cabeça da Igreja, conforme está
escrito em São Mateus: “Onde estiver o corpo, aí as águias se congregarão” (Mt
24, 28)4.
Em segundo lugar, a
Ascensão de Cristo foi racional devido à sua vitória. Sabemos que Cristo veio
ao mundo para lutar contra o diabo, e o venceu. Por isso mereceu ser exaltado
sobre todas as coisas. Confirma-o o Apóstolo: “Eu venci, e sentei-me com o Pai
no seu trono” (Ap 3, 21).
A Ascensão de Cristo foi
racional, em terceiro lugar por causa da humildade de Cristo, que, sendo Deus,
quis fazer-se homem; sendo Senhor, quis suportar a condição de escravo,
fazendo-se obediente até à morte, segundo se lê na Carta aos Filipenses, (2,
1), descendo ainda até o inferno. Por isso mereceu ser exaltado até ao céu e
sentar-se à direita de Deus. A humildade é, com efeito, o caminho da exaltação,
como se lê em São Lucas: “Quem se humilha, será exaltado” (Lc 14, 11). Escreveu
também São Paulo: “O que desceu do céu, este é o que subiu acima de todos os
céus” (Ef 4, 10).
A Ascensão de Cristo foi
além de sublime
e racional, também útil.
Essa afirmação pode ser
esclarecida em três dos seus aspectos:
O primeiro, refere-se ao
fim da Ascensão, pois Cristo foi para o céu para nos conduzir até lá.
Desconhecíamos o caminho, mas Ele no-lo ensinou. Lê-se: “Subiu abrindo o
caminho na frente deles” (Mq 2, 13).
Subiu ao céu também para
nos fazer seguros da posse do reino celeste, conforme se lê em São Paulo: “Vou
preparar-vos o lugar” (Jo 14, 2).
O segundo, refere-se à
segurança que a Ascensão nos trouxe, pois subiu aos céus para interceder por
nós. Lê-se: “Subiu por si mesmo ao Deus sempre vivo para interceder por nós”
(Heb 7, 25). Lê-se também: “Temos um advogado junto ao Pai, Jesus Cristo” (1 Jo
21).
O terceiro para atrair a
si os nossos corações, segundo está escrito em São Mateus: “Onde está o teu
coração está o teu tesouro” (Mt 6, 21), e para que desprezemos as coisas
temporais, como nos exorta o Apóstolo São Paulo: “Se ressuscitastes com Cristo,
buscai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus; saboreai
as coisas do alto e não as da terra” (Col 3, 1).
São Tomás de Aquino
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1.São Tomás fala conforme
o sistema dos antigos que distinguiam muitos céus materiais, como nós
distinguimos troposfera, estratosfera, ionosfera... A Ascensão de Cristo —
acima de todos os céus materiais — significa que Ele saiu do cosmos” (Le Credo,
Saint Thomas d’Aquin, Introduction, traduction et notes par un moine de
Fontgombault, Nov. Ed. Latines, Paris, 1969, pág. 230).Na “Suma Teológica” São
Tomás explica o que seja “subir acima de todos os céus”: “quanto mais alguns
corpos participam da divina bondade, tanto mais estão acima da ordem corporal,
que é a ordem local (...) Mais participa da bondade divina um corpo pela
glória, que qualquer corpo natural pela forma da sua natureza. Ora, entre os
demais corpos gloriosos, é evidente que o corpo de Cristo refulge por maior
glória. Portanto foi convenientíssimo a Ele que fosse constituído sobre todos
os corpos no alto. Comentando a carta aos Efésios, capítulo IV, — ‘Subindo ao
alto’ —, assim lê-se na glossa: ‘Isto é, pelo lugar e pela dignidade’” (S. T.
III, 57, 4 ,c).
2. Assim precisa S. Tomás
na “Suma Teológica” o sentido da expressão direita de Deus: “Sentar-se à
direita de Deus não significa estar simplesmente na bem-aventurança eterna, mas
possuir a bem-aventurança com certo poder dominativo, quase próprio e natural.
Esse poder só a Cristo convém, não a nenhuma outra criatura” (S.T. III. 58, 4,
ad2).
3. Apesar de toda a
exposição do Credo feita aqui por São Tomás ser no sentido de um trabalho
teológico, no qual ele usa argumentos muito simples acessíveis ao senso comum,
quis ressaltar mais, neste ponto, a conveniência da Ascensão de Cristo,
demonstrada por motivos racionais. Esses motivos procuram sempre explicar um
texto da Sagrada Escritura. A teologia não é apenas uma explicação filológica
ou histórica da Revelação, mas é principalmente o esforço da inteligência
humana para penetrar no sentido racional da Palavra de Deus revelada. Como a
inteligência humana procura a verdade pelo raciocínio lógico e certo, a
teologia é uma ciência especulativa coerente e racional. Objeto da ciência
teológica refere-se “a Deus principalmente; às criaturas conforme referem-se a
Deus como princípio e fim” (S. T. I. 1, 3 ad 1). A teologia é ciência superior
a todas as outras, quer às ciências especulativas, quer às ciências práticas,
quanto à certeza das suas conclusões e quanto à dignidade do seu objeto (S. T.
I. 1, 5). Porque a teologia apresenta a última e satisfatória explicação das
coisas na última causa, que é Deus, é chamada de Sabedoria. “Esta doutrina (i.
é. a teologia) é máxime a sabedoria entre todas as sabedorias humanas, não
apenas em uma determinada ordem, mas de um modo absoluto”. (S. T. I. 1, 6c).
4. O mesmo texto
escriturístico (Mt. 24, 28) é interpretado por São Tomás, anteriormente, com
pequena diferença.
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Permanência
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