A Imaculada Conceição é o primeiro dos privilégios concedidos à Maria,
com vista à sua futura maternidade divina. Privilégio e dom que a torna digna
de ser toda de Deus e somente de Deus, desde o primeiro momento da sua
concepção, dado que, desde então, foi preservada imune de toda mancha do pecado
original, com o qual todos nascemos, herança dos nossos primeiros pais, Adão e
Eva. Grande mistério!
Sem dúvida, Jesus, o homem em que se encarnou o Verbo de Deus (Lc 1,
42). E como em toda tradição humana, será a mãe desse Jesus a que merece o
máximo louvor após o dado ao Filho. Bendita és tu entre as mulheres (Lc 1,
42). Mas a razão dessa bênção será a
dada pela mulher desconhecida do povo: Bendito o ventre que te gerou e os
peitos que te alimentaram (Lc 11, 27). A correção de Jesus [antes bem-aventurados
os que ouvem a palavra de Deus e a praticam] que muitos evangélicos usam para
denegrir os católicos que veneram Maria, não serve: Ela gerou antes em sua
mente aquele que procriou no seu ventre (S. Agostinho). E a bênção definitiva
de Jesus sobre os que cumprem a vontade do Pai, serve perfeitamente para Maria,
que entregou sua liberdade [escrava do Senhor] para que a liberdade divina
encontrasse o caminho completamente livre para cumprir seus desígnios em sua
escrava (Lc 1, 28). Ela era a kecharitomene [literalmente, superfavorecida] já
antes de dar a resposta. E que significa esse favor extremo e abundante do
Senhor? De ordem espiritual devia ser segundo o que Jesus replica à mulher que
louvou sua mãe em termos materiais. E o melhor dom a receber por uma criatura é
a santidade, própria de Deus. Santidade que significa total ausência de pecado.
Daí que Imaculada seja o título com o qual ela se declara como aparição à
pequena Bernardete. E dessa eleição [epeblepsen=abaixou seu olhar] da
insignificância de sua escrava resultam todos os privilégios [não seria do
contrário superfavorecida] marianos.
COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
Textos Bíblicos: Gênesis 3, 9-15.20; Efésios 1, 3-6.11-12;
Lucas 1, 26-38.
Aprofundemos o mistério! A pobre razão humana
dos teólogos, mesmo iluminada pela fé, levou muitos séculos para encontrar uma
maneira de harmonizar o dogma da Imaculada Conceição, com a redenção universal
de Cristo, que inclui todos os seres humanos, sem exceção, nem sequer a Mãe de
Deus. Os cristãos, porém, que ignoram os tratados científicos, mas têm o
sentido da fé que vem do mesmo Espírito Santo, já aceitavam alegremente, desde
muitos séculos, a doutrina da Imaculada Conceição de Maria, e não davam ouvidos
às objeções e às dificuldades que os estudiosos colocavam na mesma. Por outro
lado, louvavam com alegria as razões de conveniência, embora não satisfizessem
os teólogos, que preenchiam completamente o coração e a piedade dos fiéis. E
repetiam, convencidos de que, se Deus pudesse fazer imaculada a Maria, e era
conveniente que a fizesse, não há dúvida que assim o fez. Era impossível que a
Rainha dos anjos, que iria esmagar a cabeça de Satanás (primeira leitura),
estivesse sob seu controle, mesmo que fosse só por um momento. Também não era
concebível que a mediadora necessária para a reconciliação do mundo com Deus,
tivesse sido sua inimiga, nem sequer por um instante. Era impensável que Maria,
por meio da qual a salvação veio a nós, dando-nos Cristo, tivesse sido
concebida em pecado. Não podia ser possível que o sangue redentor de Cristo
brotasse de uma fonte manchada por culpa.
Façamos um percorrido histórico pelo Oriente e
Ocidente, sempre perguntando sobre este maravilhoso mistério. Esta festa foi
celebrada pela primeira vez em algumas igrejas do Oriente, a partir do século
VIII, na Irlanda desde o IX e na Inglaterra desde o século XI. Em seguida, ela
se espalhou pela Espanha, França e Alemanha. Apesar de vários teólogos
medievais questionarem ou terem negado o privilégio da Virgem, pelo que
dissemos (Cristo redimiu todos), a Igreja proclamou oficialmente o dogma no
século XIX, com o Papa Pio IX, esta doutrina que estava em sintonia com o senso
sobrenatural do coração do cristão, continuou a se espalhar por todo o mundo.
Assim, Maria não foi redimida se não pecou? A resposta dada pela Igreja e a
teologia a este mistério é esta: Maria recebeu a graça preventiva que era para
ser a Mãe do Redentor. A graça preventiva é mais sublime do que a graça
redentora; esta supõe que existia uma mancha que Deus deveria ter limpado. Em
Maria não aconteceu isto. Por isso, o anjo a chamou: “cheia de graça” (evangelho).
Esta Solenidade nos compromete, se somos
realmente filhos de Maria e criaturas remidas pelo sangue de Cristo, para
sermos santos e irrepreensíveis diante dele pelo amor (segunda leitura). Em
cada Eucaristia o Verbo Encarnado descerá junto a nós, de maneira análoga ao
modo em que desceu ao puro ventre de Maria na Encarnação. Esperemos que o
encontre limpo e puro.
PARA REFLETIR
O tempo do Advento tem, sem dúvida alguma, um
sabor mariano. É com a Virgem que melhor aprendemos como esperar o Sol que
nasce da Aurora, o Cristo, nosso Deus! Por isso, é muito conveniente celebrar
hoje a Solenidade da Imaculada Conceição de Maria, a Virgem.
O que a Igreja crê e celebra neste mistério? A
Escritura Santa nos ensina que a humanidade fora criada por Deus para a
comunhão com ele, para ser feliz convivendo com ele, com ele construindo a vida
e o mundo. Mas, infelizmente, desde o início da história humana e até hoje,
nossa raça foi dizendo “não” ao sonho de Deus: quisemos e queremos ainda ser
como deuses, conhecedores do bem e do mal (cf. Gn 3,4s); queremos viver a vida
de modo autônomo, como se a existência fosse nossa e não um dom recebido de
Deus. Se não dizemos, pensamos muitas vezes: a vida é minha; faço como eu
quero! O resultado dessa atitude tem sido trágico: tornamo-nos uma humanidade
ferida, esfacelada, num mundo também ferido e esfacelado. Somos todos presa de
um enorme fechamento para Deus, uma desconfiança nele, uma tendência de não
percebê-lo… por isso, somos profundamente desequilibrados no nosso modo de nos
ver, de ver a vida, de nos relacionar com os outros e com o mundo. Somos um
poço de contradições, de paixões, de anseios desencontrados e sentimentos
muitas vezes destrutivos… Somos, pois, profundamente feridos; feridos de morte,
feridos até a morte! É esta situação miserável que a Igreja denomina “pecado
original”, pecado que já nos marca desde o primeiro momento de nossa
existência: “Minha mãe já concebeu-me pecador” (Sl 50,7). É desta situação
miserável, sem saída, que Cristo nos arranca com a sua encarnação, sua vida,
sua morte e ressurreição, com o dom do seu Espírito: “Todos pecaram e estão
privados da glória de Deus e são justificados gratuitamente em virtude da
redenção realizada por Jesus Cristo” (Rm 3,23s).
Pois bem, a Igreja crê firmemente que a Toda
Santa Virgem Maria, desde o primeiro momento em que foi concebida no seio de
sua mãe, foi preservada por Deus desta solidariedade com esta situação de
pecado. Nós, já nascemos marcados de morte; ela, desta marca de pecado foi
preservada; nós, precisamos ser arrancados da lama do pecado graças à cruz do
Cristo; ela, pela cruz do Cristo foi liberta desde a origem e sequer foi tocada
por esta lama maldita; nós fomos redimidos porque lavados desta lama, ela, foi
ainda mais perfeitamente redimida porque, pelos méritos da Paixão do Senhor,
sequer experimentou esta situação de pecaminosidade. Desde o ventre materno,
desde o primeiro instante de sua concepção, o Senhor a libertou, graças aos méritos
de Cristo. Ela, a Virgem, pode ser chamada Toda Santa, isto é, Toda
Santificada, ela pode cantar as palavras da profecia de Isaías: “Com grande
alegria rejubilo-me no Senhor, e minha alma exultará no meu Deus, pois me
vestiu de justiça e salvação, como a noiva ornada de suas jóias!”
A Igreja crê nesta Concepção Imaculada da Mãe
de Jesus e com ela se alegra. E crê fundamentada na Escritura Sagrada. Não á a
Palavra de Deus que afirma que o Senhor colocou uma inimizade de morte entre a
Serpente e a Mulher, entre a descendência de Serpente e a da Mulher? Quem é
esta Mulher? Não é aquela a quem Jesus chama Mulher em Caná e ao pé da cruz?
Não é aquela de quem São Paulo diz: “Quando chegou a plenitude dos tempos,
enviou Deus o seu Filho nascido de Mulher? Como, pois, poderia estar sob o
domínio do pecado, fruto da serpente, a Mulher de quem nasceria o Cordeiro sem
mancha, que tira o pecado do mundo? Estejamos atentos ainda no modo como
Gabriel saudou a Virgem, no Evangelho: ele lhe muda o nome! Não diz”: alegra-te,
Maria!”, mas “Alegra-te, Cheia de Graça!” Cheia de graça, kecharitomene, do
verbo charitô, agraciar. Alegra-te, ó Toda Cumulada Pela Graça, Alegra-te, ó
Mar de Graça, ó possuída totalmente pela graça! Em ti, Virgem Maria, não há o
mínimo lugar, a mínima brecha para a “des-graça” do pecado! – É isto que
significam as palavras de Gabriel! Podem crer: Deus juntou toda água um dia e
chamou de mar; Deus juntou toda graça outro dia… e chamou Maria!
A Virgem não é dona da graça; ela a recebeu
totalmente. A Virgem não é imaculada por seus próprios méritos, mas pelos
méritos daquele que, nascido de suas entranhas benditas, venceu a antiga
Serpente e destruiu o antigo Inimigo. Observemos que esta idéia aparece na
segunda leitura da Missa desta solenidade. O que diz o Apóstolo? O Pai “nos
escolheu em Cristo, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e
irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor. Ele nos predestinou… por intermédio
de Jesus Cristo (Ef 1,4s). Se todos somos fruto de um sonho eterno de Deus, se
todos somos predestinados em Cristo desde antes da fundação do mundo, se o
Senhor conheceu nossos dias antes mesmo que um só deles existisse, pois bem: em
Cristo, Deus, o Pai, preservou a Mãe do seu Filho do pecado, graças ao seu
Filho! Que nossos irmãos protestantes se alegrem conosco pela Imaculada
Conceição de Maria: ela é bíblica, ela exalta enormemente a grandeza abundante
da graça de Cristo, único Salvador! São Paulo diz que “todos pecaram e estão
privados da glória de Deus”; assim estaria a Virgem sem a graça de Cristo; mas,
disso foi libertada no primeiro momento de sua existência, graças a Cristo!
Esta é a beleza desta festa: o triunfo da
graça, celebrar a graça de Cristo que age antes mesmo do nascimento histórico
de Cristo! Que graça tão grande, que Salvador tão potente, que Deus tão
previdente! E para nós, que alegria contemplar o mistério, vislumbrar o
mistério, mergulhar no mistério! Hoje, a Virgem foi concebida livre do pecado;
hoje, começou a raiar a Aurora do Dia sem fim; hoje surgiu a puríssima Estrela
d’Alva que anuncia o Sol, que é o Cristo, nosso Deus! A Igreja, exultante de
alegria, tem palavras lindas na celebração litúrgica deste hoje. No Ofício
Divino, ela assim se dirige à Virgem Toda Santa: “Com a vossa Imaculada
Conceição, Virgem Maria, um anúncio de alegria percorreu o mundo inteiro” e,
mais adiante, no Ofício, continua, admirada: “Toda bela sois, Virgem Maria, sem
mancha original! Sois a glória de Sião, a alegria de Israel e a flor da
humanidade”. E, imaginando a resposta da Virgem, coloca nos seus lábios estas
palavras que ela dirige ao Senhor: “Foi nisto que eu vi, porque vós me
escolhestes! Porque não triunfou sobre mim o inimigo, porque vós me
escolhestes!” Isso mesmo: mais que ninguém, a Virgem é devedora a Cristo: ele a
escolheu, ele a preservou, ele a sustentou, ele teve por ela uma predileção
inigualável!
Alegremo-nos nós também! Em Cristo, o pecado
pode ser vencido! A Conceição Imaculada de Maria é sinal belíssimo desta
vitória! Alegremo-nos, porque a Imaculada Conceição de Nossa Senhora é o feliz
princípio e o primeiro albor da salvação que o Senhor Jesus nos traz! Bendita
seja a cruz de Jesus, que antes de ser fincada no Calvário, já libertou com
seus raios a Virgem de todo pecado! A Jesus, fruto bendito, do bendito ventre
da bendita Virgem Maria, a glória pelos séculos dos séculos. Amém.
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