sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Nem direita nem esquerda, mas, sim, integral


Escutamos frequentemente que a doutrina social da Igreja não é nem de direita nem de esquerda, mas de centro. A afirmação é válida na medida em que os extremismos tendem a uma visão distorcida da realidade, que supervaloriza algumas coisas e subvaloriza outras, e o pensamento cristão procura sempre um equilíbrio ponderado diante das polarizações. Contudo, não seria válida se pensarmos nesse centro como uma posição intermediária, que não se compromete com os anseios nem da direita nem da esquerda. Essa seria uma posição “morna” e os mornos serão vomitados (Ap 3, 15-16).

Diante das polarizações, a sabedoria cristã procura não um centro restrito e neutro, mas, sim, uma integralidade capaz de abarcar corajosamente o desejo de bem e de verdade que existe em ambos os lados. O equilíbrio fica no centro, mas porque se abraçou os dois lados.

Por isso o adjetivo “integral” é tão importante para a Doutrina Social da Igreja. Paulo VI (na Populorum progressio) e Bento XVI (na Caritas in veritate) falam em desenvolvimento humano integral, a introdução do Compêndio da Doutrina Social da Igreja intitula-se “Um humanismo integral e solidário”, e o Papa Francisco fala na ecologia integral na Laudato si’.

Numa recente campanha contra o aborto, tão inteligente quanto simples, vários médicos declaravam ser “a favor das duas vidas”, isso é, tanto da mãe quanto do filho que ela carrega dentro de si. Seria anticristão apenas condenar o aborto sem procurar apoiar a gestante em dificuldade, ajudando-a a ter forças e condições para realizar-se pessoalmente junto ao seu filho.

A mesma lógica vale para os temas socioeconômicos que dividem direita e esquerda. É realista dizer que o Estado não pode gastar mais do que arrecada nem pode sufocar a sociedade com impostos excessivos. É justo exigir que a dignidade de todos os cidadãos, em especial dos mais pobres e vulneráveis, seja respeitada e todos tenham iguais condições de se realizar na vida. A questão não é, portanto, optar por redução do Estado ou políticas sociais, mas, sim, construir estruturas justas e realistas em que políticas eficientes e bem direcionadas respeitem os limites econômicos da sociedade, atendendo igualmente a todos, principalmente aos que mais precisam.
Soluções integrais, que atendam aos justos anseios de todos, implicam também o comprometimento pessoal de cada um – e estamos acostumados a uma visão segundo a qual o individualismo da pessoa deveria ser sanado pelo assistencialismo do Estado. Diante das grandes dificuldades e sofrimentos associados a uma gravidez indesejada, respostas legalistas e políticas públicas impessoais não conseguem resolver o problema. É preciso o comprometimento familiar e da comunidade, o apoio espiritual e afetivo – elementos que implicam o envolvimento solidário de todos para termos uma solução “integral”.

Numa situação de crise financeira do Estado, são necessários esforço, eficiência e uma certa quota de sacrifícios de todos para se manter políticas sociais justas e adequadas. É verdade que aqueles que têm mais recursos ou estão em posições de poder e responsabilidade deveriam dar o primeiro exemplo, mas o compromisso é de todos – e quando aqueles que deviam dar o exemplo falham, o comprometimento dos demais se torna ainda mais importante.

O compromisso moral e político de cada um de nós na busca de soluções integrais para os problemas nacionais é uma condição essencial para que o Brasil possa superar suas dificuldades atuais.


Francisco Borba Ribeiro Neto,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
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O São Paulo

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