A tendência da natureza humana decaída pelo
pecado original é ver Deus de maneira unilateral, amando-O não como Ele é de
fato, mas como gostaríamos que ele fosse. E, ademais, contemplar exclusivamente
aquelas qualidades divinas que não contundem o nosso errado modo de ser. E tudo
isso porque a visualização verdadeira de Deus exige uma conversão.
“Deus é tão bondoso, Ele vai ter pena desse
pobre coitado”. Quantas vezes ouvimos essa máxima utilizada para justificar
ações erradas e pecaminosas. Pecados horrorosos, públicos e advertidos, que são
cometidos por esse “pobre coitado” que não quer nem ouvir falar de Deus, de
religião e de Igreja. Devemos odiar o pecado e amar o pecador; isso é real,
mas, antes de amar o pecador, devemos amar a Deus que é ofendido pelo pecador e
ter “pena” do Divino Ofendido.
Devemos amar a Deus porque Ele pune o pecado,
e não apenas porque premeia a virtude.
Façamos uma pequena viagem, reportando-nos aos
tempos em que a sociedade era governada por monarcas, muitos dos quais, santos.
Estamos em uma corte onde mora o rei, nobre varão, que ama seus súditos como
filhos, e é amado por todos como verdadeiro pai.
Certo dia, velando pela harmonia de seu reino
e atendendo aqueles que vinham apresentar algum problema e pediam o auxílio do
rei, apresentou-se, um homem, realmente atormentado, que deixava entrever em
seu olhar um ódio assanhado contra o rei, a nobreza, e tudo quanto havia de
superior à sua pessoa. Nem mesmo a bondade imensa do olhar da rainha-mãe, que
estava ao lado do rei e derramava torrentes de carinho sobre aquele pobre
coitado, foi capaz de mudar seu coração odioso.
Após
dizer algumas palavras ao santo monarca, não se conteve esse miserável, e,
aproveitando-se de uma distração da guarda real, atirou-se sobre a rainha e,
desferindo alguns golpes, deixou-a ferida, a ponto de escorrer seu nobre
sangue. Rapidamente foi imobilizado pelos guardas e posto diante do rei.
O que fará o monarca? Terá pena desse pobre
coitado e despedirá impunemente o agressor de sua bondosa mãe? Mas, não era ele
tão misericordioso, será o caso de punir esse coitado?
Certo dia, um jovem estudante da universidade
de Pavia, de um talento extraordinário, mas do nefando número daqueles que
profanam tudo que é santo por meio de palavras e atos, fez uma visita, durante
as férias acadêmicas, a um de seus amigos do campo. Em uma noite, conforme o
seu costume, o jovem ímpio começou a dizer coisas de um cinismo revoltante a
ponto de proferir, contra a Santíssima Virgem, Mãe de Deus, as mais grosseiras
blasfêmias. Todos que o escutavam ficaram cheios de horror, especialmente a
senhora da casa, uma dama piedosa que ordenou que o blasfemador se calasse. A
conversa se interrompeu, todos permaneceram calados, e cada um se retirou para
seu quarto, sem dúvida, para suplicar a Maria que tivesse piedade desse
miserável. Um horrível espetáculo estava para acontecer na manhã seguinte. O
jovem estudante não se levantou na hora de costume. Dois de seus colegas foram
ao seu quarto, bateram à porta, mas ninguém respondeu. Abriram então, à força,
e entraram. Mudos de espanto, encontraram-no morto sobre a cama, e seu cadáver
estava preto como um carvão.[1]
Terrível história, mas que mostra bem a
justiça de Deus. Não era mais que cabível a punição desse blasfemador
empedernido? Não tivera ele muitas oportunidades de arrepender-se de seus
pecados?
Com efeito, Deus quis nos dar um reflexo de
sua bondade e, assim, deu-nos uma Mãe, Maria Santíssima, repleta desse atributo
para que Ela pudesse conferi-lo a todos os homens que se consideram seus
filhos. A estes oferece Ela os tesouros de sua insondável misericórdia a fim de
resgatá-los e conduzi-los à salvação eterna.
Portanto, atentar contra Maria Santíssima e
odiar sua bondade é atentar contra o próprio Deus. Nossa Senhora tem um importante
papel na balança da misericórdia e justiça de Deus.
Voltemo-nos para Ela e peçamos para que nossa
vida seja conforme ao seu Imaculado Coração. Saberemos, assim, amar a Deus em
sua totalidade e em seus mais variados aspectos. De fato, se a Santíssima
Virgem é um oceano de bondade, Deus é a bondade infinita mesmo na justiça!
Por Odair Ferreira
[1] Baseado em Dictionnaire d’Exemples, Tome
I. Paris: Établissements Casterman.
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Gaudium Press
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