NOTA DOS BISPOS DO REGIONAL NORDESTE 2
“O maior destruidor da paz, hoje, é o crime
cometido contra criança inocente
que está para nascer. Uma criança é o mais
belo presente
que Deus dá a uma família, a um país e ao mundo inteiro”.
(Santa Tereza de Calcutá – Discurso no Prêmio
Nobel da Paz)
A cada dia, no Brasil, acontecem seis abortos
em meninas entre 10 e 14 anos que foram estupradas. Neste contexto,
acompanhamos, com o coração inquieto e perplexo, o caso da menina capixaba de
10 anos que, abusada no seio familiar, engravidou e, depois de 22 semanas,
abortou, via concessão judicial. O aborto aconteceu no Recife (PE), cidade onde
está a sede do nosso Regional Nordeste 2 da CNBB. A situação gerou polêmica por
se tratar de um tema delicado e emocional, mas também se tornou uma
oportunidade de reflexão sobre a vida e sobre os valores que a regem. Assim,
também nós, membros do Conselho Episcopal Regional – CONSER, resolvemos
manifestar nossa solidariedade aos que sofreram e sofrem por causa do abuso, e
proferir uma palavra de encorajamento e esperança aos fiéis católicos que estão
sob nossa responsabilidade moral e pastoral, e aos homens e mulheres de boa
vontade, para que mantenham erguida a bandeira da paz e da inegociável defesa
da vida.
Somos guiados pela Sagrada Escritura. Por
isso, reafirmamos que a vida provém de Deus e deve ser defendida. Estamos
atentos à integral proibição de se matar o inocente: “Não matarás!” (Ex 20,13),
e à certeza de que aquele que virá à luz é um ser humano digno de toda atenção
e cuidado (Ex 21,22-25). Defendemos a vida dos indefesos (Sl 82,3-4), pois tudo
quanto fizermos a um pequenino, ao próprio Senhor o fazemos (Mt 25,40). Essa é
a bênção da vida (Sl 127,3-5). Como bem cantou o salmista: “Teus olhos me viram
ainda informe, e no Teu livro já eram escritos todos os meus dias; já eram
desenhados quando nenhum deles ainda existia” (Sl 139,16).
O aborto é, por definição, a extinção de uma
vida humana em seu estado nascente e sabemos, pela razão e pela fé, que
suprimir uma vida humana inocente é um mal nunca justificado. A dignidade
humana é o princípio inspirador de todos os demais, é guia para as Ciências e
para o Poder Público em todas as suas expressões. Impõe-se, portanto, permitir
que a vida humana nasça e atinja a plenitude possível. No embrião humano, por
exemplo, já existe uma disposição da matéria para o desenvolvimento, segundo a
espécie humana.
Ratificamos que “o ser humano deve ser
respeitado e tratado como pessoa humana desde a sua concepção” (Donum Vitae, n.
1). Lamentamos que prevaleça atualmente, na sociedade, a tendência de se
considerar o nascituro como simples resultado de um processo biológico ou
sociocultural, favorecendo, com isso, a “cultura do descarte” (Evangelii
Gaudium, n. 53), do “achismo” ou da pura arbitrariedade, causando a opressão
dos fortes sobre os fracos, a popularidade de ideologias abortistas e a
destruição do próprio ser humano.
A bioética secular, muitas vezes, busca uma
saída para o dilema entre a liberdade materna e a vida da criança em gestação,
negando a esta a existência e o direito à vida. O problema central é que, na
gestação, não se trata de um só corpo. O embrião, que sem descontinuidade se
torna feto, é um novo ser humano vivente em desenvolvimento, guiado por um
genoma próprio, diferente daquele materno, ativo desde a concepção, e se
realiza de modo autônomo, dia após dia, de forma coordenada, contínua e
gradual. Transformar essa realidade em questões apenas técnicas é reduzir a
dimensão ética à esfera do arbítrio de cada indivíduo e possibilitar um
relativismo cruel e desumano.
A tutela da vida inviabiliza a prática do
aborto, pois se trata de um indivíduo, uma pessoa humana que tem direitos
assegurados pela Constituição Federal Brasileira (CF) e respeito garantido pela
ética. Parece um contrassenso a CF assegurar a “dignidade da pessoa humana”
(Art. 1º, III) e a “inviolabilidade do direito à vida” (Art. 5º, caput), e
negar ao nascituro o pressuposto à fruição dessa dignidade, a saber, a própria
vida.
Elementar que existem alguns casos
excepcionais e lamentáveis, como no caso em questão, mas isso não altera o
juízo ético sobre o aborto. Embora casos reais como este apresentem
dificuldades reais e dramáticas de escolha, o valor da vida humana inocente não
deve ser diminuído. Com o auxílio dos meios terapêuticos disponíveis hoje, no
caso concreto da criança-mãe capixaba, dever-se-ia tentar preservar ambas as
vidas, seja praticando as terapias disponíveis, seja monitorando de perto o
progresso da gravidez, ou até mesmo antecipando o parto, assim que houvesse
esperança de que a criança sobrevivesse. A ciência que realiza procedimentos
neonatais e até intrauterinos chancelou essas possibilidades.
Não somos alheios à rejeição psicológica da
maternidade decorrente da violência. Entretanto, infelizmente, no debate atual,
o direito da mulher à autodeterminação, em relação à gravidez, se contrapõe ao
direito à vida do nascituro. A referida criança, embora concebida em
circunstâncias dramáticas, era inocente e sua vida deveria ser protegida como a
de qualquer outro ser humano. A criança-mãe sofreu violência sexual, mas o
aborto provocado não era a única solução. À violência sofrida não se deveria
somar uma outra violência, de consequências físicas, emocionais e espirituais
ainda não conhecidas para a criança-mãe.
Enfim, queremos manifestar que:
1. A decisão judicial que permitiu o aborto,
mesmo se amparada no ordenamento jurídico nacional, é uma contradição com o
direito inalienável à vida de todo ser humano, e, por isso, inaceitável;
2. Numa sociedade plural, nós também temos
direito à expressão do pensamento e à reflexão sobre a ética da vida, sem
sermos rotulados de “religiosos fanáticos”;
3. A insensibilidade das pessoas, por trás das
mídias sociais, muitas vezes auxilia na formação de uma mentalidade que escolhe
o pragmatismo em lugar de preservar os valores inalienáveis da dignidade
humana;
4. Os culpados pelos nefastos crimes do abuso
e do estupro devem ser identificados, responsabilizados e punidos pelo mal
praticado;
5. A criança-mãe deve ser protegida, cuidada e
bem orientada para seu pleno desenvolvimento humano;
6. Os profissionais da saúde, apelando para o
legítimo direito de objeção de consciência, devem lembrar do solene juramento
de Hipócrates: “A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal, nenhum
conselho que induza à perda. Do mesmo modo, não darei a nenhuma mulher uma
substância abortiva”.
Por fim, com o desejo de uma justiça
restaurativa e não só punitiva, fazemos nossas as palavras do Papa Francisco:
“a defesa do inocente nascituro deve ser clara, firme e apaixonada, porque
neste caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige-o o
amor por toda a pessoa, independentemente do seu desenvolvimento. Mas
igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria,
no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de
doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em
todas as formas de descarte” (Gaudete et Exsultate, n. 101).
Decidimos que a presente nota seja lida em
todas as igrejas do Regional Nordeste 2, no final da celebração da Eucaristia,
no domingo, dia 23 de agosto de 2020.
Bispos do Regional Nordeste 2 da CNBB
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CNBB NE2
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