Em meio a posições críticas e de defesa de
membros da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) em relação ao atual
governo, um novo capítulo reforçou a divisão interna no grupo religioso. Depois
de uma ala juntar-se a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para criticar as
ações de Jair Bolsonaro e, em seguida, um outro grupo participar de uma live
com o próprio presidente sugerindo apoio, uma carta assinada por 150 bispos
reforçou o racha na instituição.
No documento, os bispos afirmam que o país
passa por um dos períodos mais difíceis de sua história causado por uma crise
de saúde, um "colapso econômico" e uma "tensão sobre os
fundamentos da República" que, segundo a carta, é provocada em grande
medida pelo presidente Jair Bolsonaro e por outros setores da sociedade.
"O sistema do atual governo não coloca no
centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos
interesses de uma "economia que mata", centrada no mercado e no lucro
a qualquer preço", afirma o documento.
Entre os signatários estão dom Claudio Hummes,
arcebispo emérito de São Paulo, dom Alberto Taveira Corrêa, arcebispo de Belém,
e o arcebispo de Manaus, dom Leonardo Ulrich. Chamou a atenção a presença,
entretanto, de alguns integrantes não necessariamente alinhados à ala mais
progressista da CNBB, como dom Alberto, de Belém. O bispo é um dos principais
nomes da Renovação Carismática Católica no Brasil, com muitos sacerdotes
alinhados ao governo Bolsonaro.
O documento, porém, não foi bem recebido pela
ala de padres mais conservadores. Os bispos que assinaram o documento queriam
publicá-lo no último dia 22, mas o GLOBO apurou que uma oposição interna de
bispos mais conservadores levou o grupo a aguardar uma análise do conselho permanente
da CNBB.
Um dos signatários, em conversa com o GLOBO,
afirmou que o que os levou a escrever a carta foi a preocupação com a situação
atual do país, mas que o documento não tem caráter partidário ou
político-ideológico. O sacerdote destacou ainda que há bispos de diversas
correntes entre os signatários. Segundo ele, esse não é o posicionamento de
progressistas ou conservadores, mas de pastores preocupados.
A carta indica uma divisão interna cada vez
maior dentro da Igreja. No ano passado, o arcebispo de Belo Horizonte, Dom
Walmor de Oliveira, foi eleito para a Presidência da CNBB em meio a uma disputa
interna entre as alas conservadores e progressistas. Walmor é visto como um
sacerdote de perfil moderado, capaz de circular entre os dois campos. Entretanto,
nos últimos meses, a temperatura interna subiu, junto com o aumento da tensão
política em Brasília.
Em fevereiro, a CNBB já tinha criticado a
tentativa do governo de regulamentar a mineração em terras indígenas. Na
ocasião, Dom Walmor afirmou que era preciso respeitar as populações indígenas e
"não apenas fazer um projeto de desenvolvimento que atenda a interesses
econômicos que são nefastos.
"Estamos diametralmente opostos àquilo
que atinge (as populações indígenas) e que se faz por interesse meramente
econômico e um desenvolvimentismo e que não atende as necessidades dos mais
pobres, mas que os expulsa", afirmou ao responder sobre o posicionamento
da entidade em relação ao projeto, completando.
Entre os signatários da carta está o
presidente do Conselho Indigenista Missionário, Dom Erwin Kräutler. O bispo já
tinha criticado também o governo após a liberação do vídeo da reunião
ministerial em que o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que
odiava o termo "povos indígenas".
O distanciamento entre a entidade e o governo,
entretanto, aumentou com o início da pandemia.
Em março, em movimento raro, a CNBB se uniu a
outras entidades da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil e da
Associação Brasileira de Imprensa, entre outras, para criticar as ações do
governo Bolsonaro contra a pandemia. No documento, as organizações pediram para
que a população permanecesse em casa.
Em maio, padres conservadores ligados a
emissoras católicas de rádio e televisão participaram de uma videoconferência
com o presidente Bolsonaro e pediram investimento do governo federal nas
emissoras por meio de propagandas do governo federal. Em troca, indicaram que
poderiam apresentar ações do governo na pandemia do novo coronavírus.
Na ocasião, a CNBB repudiu o encontro. A
entidade disse ter recebido com estranheza e indignação a notícia sobre oferta
de apoio ao governo por parte de emissoras de TV em troca de verbas e solução
de problemas afeitos à comunicação.
"A Igreja Católica não faz barganhas. Ela
estabelece relações institucionais com agentes públicos e os poderes
constituídos pautada pelos valores do Evangelho e nos valores democráticos,
republicanos, éticos e morais", afirmou a entidade.
A resposta da CNBB, entretanto, não agradou a
todos os padres. Dom José Alberto Peruzzo, arcebispo de Curitiba, por exemplo,
criticou a repercussão da reunião na imprensa e defendeu o padre e cantor
Reginaldo Manzotti, um das sacerdotes mais famosos atualmente e que participou
da reunião com Bolsonaro.
Além de Dom Alberto, o arcebispo de Curitiba,
Dom José Antonio Peruzzo, também consta como um dos signatários do documento.
Embora crítico do presidente, Dom Peruzzo defendeu Manzotti e a reunião. Em carta enviada aos padres da arquidiocese,
afirmou que "o governo de agora é o que agora governa".
"Ponderei a ele (padre Reginaldo
Manzotti) que não gosto nem um pouco do atual presidente. Todavia, no segmento
das comunicações, quase tudo depende de autorização governamental. Qualquer
meio de comunicação de rádio ou TV é concessão do Estado. Hoje, se não forem
mantidos canais de diálogo, multiplicam-se severamente as retaliações. Foi
assim também no passado, independentemente dos governos e grupos partidários. E
o governo de agora é o que agora governa. Não existe outro", escreveu Dom
Peruzzo, que dessa vez assinou a carta que critica o governo Bolsonaro.
No documento revelado nesta segunda-feira, os
padres destacam a "incapacidade" e a "incompetência" do
Governo Federal na coordenação de ações contra a pandemia e também critica a
postura anticientífica dos integrantes do governo Bolsonaro.
"Até a religião é utilizada para
manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar
tensões entre igrejas e seus líderes. Ressalte-se o quanto é perniciosa toda
associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação
entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário.
Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua Santa
Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao
invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de
Deus e sua justiça?", diz a carta.
O documento propõe a criação de um "amplo
diálogo nacional" que envolva todos aqueles comprometidos com a
democracia, "para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal
e ao Estado Democrático de Direito.
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O Vale
O Globo
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