A
fé da Igreja na presença do seu Senhor ressuscitado no mistério da Eucaristia
remonta à origem da comunidade cristã. São Paulo transmite o que recebeu da
tradição, cerca de 25 anos depois da morte de Jesus. É a narração mais antiga
da Eucaristia. A Igreja nunca abandonou esta centralidade. Também o Evangelho
de Marcos dá-nos hoje um relato semelhante da instituição da Eucaristia.
A Solenidade do Corpo e do Sangue de Cristo foi instituída em meados do século XIII, numa época em que se comungava muito pouco e onde se levantavam dúvidas sobre a «presença real» de Jesus na hóstia consagrada depois da celebração da Eucaristia. A Igreja respondeu, não com longos discursos, mas com um ato: sim, Jesus está verdadeiramente presente mesmo depois do fim da missa. E para provar esta fé, criou-se o hábito de organizar procissões com a hóstia consagrada pelas ruas, fora das igrejas.
Hoje, não é raro encontrar católicos que põem em dúvida esta permanência da presença Jesus no pão eucarístico. As palavras de Jesus esclarecem-nos: «Este é o meu Corpo… Este cálice é a nova Aliança no meu sangue». Estas afirmações de Jesus, na noite de quinta-feira santa, não dependiam nem da fé nem da compreensão dos apóstolos. É Jesus que se compromete, que dá o pão como sendo o seu corpo, o cálice de vinho como sendo o cálice da nova Aliança no seu sangue. Só Ele pode ter influência neste pão e neste vinho.
Hoje, é o sacerdote ordenado que pronuncia as palavras de Jesus, mas não é ele que lhes dá sentido e realidade. É sempre Jesus ressuscitado que se compromete, exatamente como na noite de quinta-feira santa. O sacerdote e toda a comunidade com ele são convidados a aderir na fé a esta ação de Jesus. Mas não têm o poder de retirar a eficácia das palavras que não lhes pertencem. A Igreja tem razão em celebrar esta permanência da presença de Jesus. Que esta seja para nós fonte de maravilhamento e de ação de graças!
COMENTÁRIO
DOS TEXTOS BÍBLICOS
Textos: Ex 24,3-8; Hb 9,11-15; Mc 14,12-16.22-26
A primeira leitura da solenidade da festa de Corpus
Christi no ano B, nos propõe um trecho do livro do Êxodo (24.3 -8). Esta
Perícope fala da Aliança celebrada com as palavras: "Faremos tudo quanto nos disse o Senhor", mas também
através de um gesto significativo.
Na verdade, Moisés, depois de ter ordenado que
fossem oferecidos sacrifícios de comunhão e depois de ter sacrificado touros,
despeja a metade do sangue sobre o altar, símbolo de Deus, e com a outra metade
asperge o povo dizendo: "Este é o
sangue da Aliança que o Senhor fez convosco segundo todas estas palavras”'.
A segunda leitura, por sua vez, nos recorda que
Cristo é o mediador de uma nova Aliança porque "Ele entrou uma vez por todas no Santuário, não mediante o sangue
de bodes e de bezerros, mas com o Seu próprio sangue, obtendo, assim, uma
redenção eterna”. Mais adiante o autor conclui: "por isso Ele é o mediador de uma nova aliança. Pela Sua morte,
Ele reparou as transgressões cometidas no decorrer da primeira aliança. E
assim, aqueles que são chamados recebem a promessa da herança eterna“ (Hb
9,15).
No final do Evangelho proposto para esta
solenidade, a nova Aliança é apresentada nas palavras de Jesus que, em seguida,
serão sempre pronunciadas na oração Eucarística: “Isto é o meu sangue, o sangue da Nova Aliança, que é derramado em
favor de muitos" (Mt 14,12. 22-26).
É necessário, portanto, ter em mente, antes de
tudo, que a Aliança prometida e depois realizada por Jesus através da
celebração da Eucaristia continua concreta e operante. Isto é, o pacto de
amizade entre Deus e o ser humano, amizade almejada por um lado, e por outro,
tão difícil de alcançar, sobretudo pelo próprio homem, se torna possível,
visível e concreta em Cristo.
A vida sacramental e a escuta da Palavra tendem,
justamente, à construção e à manutenção deste vínculo com o Senhor, a fim de
que a Nova Aliança realizada seja também a obra por excelência na vida dos
cristãos e através deles, na vida de todos os homens pelos quais o Senhor deu a
Sua vida.
Assim, a participação na Eucaristia,
consequentemente, torna-se também uma ocasião para a oração de intercessão por
todo o mundo, como a Igreja faz, quando na sua liturgia reza, de modo especial,
a oração universal. Aliás, todos os sacramentos repropõem o Memorial de Cristo
morto e ressuscitado, através dos quais Ele é o Emanuel, isto é, Deus conosco
até o fim dos tempos. É por isso que os sacramentos podem ser chamados também
de mistérios.
A Eucaristia, corpo e sangue do Senhor,
comunica-nos toda a vida e toda a vitalidade de Cristo. A Igreja, portanto,
celebra a Eucaristia, mas ao mesmo tempo em que a celebra percebe que, na
realidade, é a própria Eucaristia que a edifica e lhe dá vida. Isto é, no
coração da vida da Igreja está, portanto, a Eucaristia que a mantém viva, porque
a torna totalmente de Cristo e através dele, da Trindade.
A solenidade de Corpus Christi chega até nós após a
celebração de uma série de outras solenidades importantes como a Ascensão, o
Pentecostes e a Santíssima Trindade, justamente porque com a Eucaristia,
através do Senhor, estamos em comunhão com a maravilha da vida divina.
Ao celebrarmos esta solenidade, seria o caso de
questionarmos, explicita e diretamente, se aquilo que se
conhece da Nova Aliança é capaz de “dialogar” com a vida de cada um de nós e de
todos, pois é preciso despertar a consciência de que, quem é cristão, não é
apenas convidado a participar da celebração da Eucaristia na Santa Missa, mas
também é convocado a viver de modo eucarístico, ou eucaristicamente,
reconhecendo-a como o “cume e a fonte da vida cristã” (Sacrosanctum Concilium,
10).
É a oração “post communio” (pós-comunhão) no final
da própria celebração da Eucaristia que nos ajuda a dialogar de modo a renovar
e a desejar uma relação cada vez mais estreita entre a Eucaristia celebrada, a
vida presente e a vida eterna ao suplicar: “Dai-nos,
Senhor Jesus, possuir o gozo eterno da vossa divindade, que já começamos a
saborear na Terra, pela comunhão do vosso Corpo e do vosso Sangue”. Louvado
seja o Santíssimo Sacramento do Altar!
PARA REFLETIR
“Hoje a Igreja te convida:/ o Pão vivo que dá Vida/
vem com ela celebrar”.
Eis, caríssimos Irmãos, o sentido desta hodierna
Solenidade: celebrar com a Igreja, celebrar como Igreja o Cristo, Pão vivo, Pão
vivente, que nos dá a Vida divina, Vida que é o próprio Santo Espírito!
Nunca esqueçamos: no santíssimo Sacramento da
Eucaristia, o próprio Senhor Jesus Cristo, imolado e ressuscitado, está
realmente presente nas aparências do pão e do vinho, cheio de Espírito Santo,
Espírito de Ressurreição, a ponto de a Escritura exclamar:
“O Senhor é o Espírito!” (2Cor 3,17)
Pois bem: quem comunga com o Corpo e Sangue do
Senhor, recebe a Vida Eterna, isto é, o Espírito Santo, que nos cristifica,
nos preparando para a Vida imperecível na Glória!
Muito pode ser dito sobre a Eucaristia!
O mistério é imenso, a riqueza é incomensurável, o amor é infinito!
As leituras que acabamos de escutar dizem-nos que este santíssimo Sacramento é, neste mundo, no caminho da Igreja, o selo sempre presente da Nova e Eterna Aliança do Senhor Deus com o Seu Povo; Aliança no Sangue do Cordeiro que tira o pecado do mundo; dizem-nos que o próprio Cristo, Sacerdote no Santuário da Eternidade, celebra para sempre, uma vez por todas, sem nunca terminar, o Sacrifício eterno pela nossa salvação, Sacrifício continuamente presente em nossos altares quando oferecemos a Eucaristia; dizem-nos que lá, na Glória, na Eucaristia eterna, na Missa perene, Ele nos espera, para bebermos com Ele o cálice da bênção, no Reino eterno de Deus!
Mas, caríssimos meus no Senhor, hoje, gostaria de
lhes responder a algumas questões para ilustrar tão grande Sacramento… Ei-las:
Por que o Senhor escolheu pão e vinho? E por que numa ceia? E por que corpo e
sangue?
Por que o Senhor escolheu o pão e o vinho com água
como matérias para a Eucaristia?
A resposta é simples: porque estes três
alimentos são aqueles encontrados em todas as mesas, todos os dias, nos grandes
e pequenos momentos. Ainda hoje, nos países da bacia do Mediterrâneo, em
cada mesa, em cada refeição, estão lá: o pão fatiado, a água e o vinho!
Alimentos dos ricos e dos pobres, alimento de todos! Irmãos: Cristo não quer
estar presente na nossa vida somente em algumas ocasiões, somente nos grandes
momentos… Ele é o alimento de todas as horas, de cada ocasião, do dia-a-dia
miúdo da nossa existência! Amigo próximo, companheiro de caminho… E debaixo de
sinais tão simples, tão nossos, tão do dia a dia…
– Obrigado, Senhor Jesus, Amigo certo das horas
incertas!
Obrigado, Senhor Jesus, Amigo de todos os momentos, dos bons e dos maus, dos sorrisos e das lágrimas!
Obrigado, Senhor Jesus, Amigo de todos os momentos, dos bons e dos maus, dos sorrisos e das lágrimas!
Obrigado, Amigo tão humilde, que, rico e glorioso, vens a nós “em tão ínfimos sinais”!
Por que o Salvador nosso escolheu uma ceia?
Antes de tudo, porque Ele quis instituir a Sua
Páscoa como cumprimento e plena realização da Páscoa dos judeus; assim, na ceia
pascal judaica, Ele instituiu o memorial da Sua Páscoa, entregando-a à Sua Igreja
nascente como nossa Páscoa! Que mistério tão profundo! Que amor tão
admirável: o cordeiro pascal dos judeus sacrificado e consumido em alimento,
agora seria o próprio Cristo Senhor, partido, quebrado no sinal do pão e
derramado no sinal do vinho, como memorial perene da Sua entrega na Cruz pela
salvação nossa e do mundo inteiro!
Mas, tem mais: comer juntos, alimentar-se do
mesmo alimento tirado do mesmo prato, na mesma refeição, significa viver a
mesma vida! Portanto, o Senhor quis comer conosco, quis que comunguemos,
que comamos, que nos alimentamos Dele mesmo, da Sua próprio Vida divina e
Eterna, que é o Seu Espírito Santo e agora inunda a aparência do pão e a
aparência do vinho! Comungando na Eucaristia, nós “con-vivemos” com o
próprio Cristo ressuscitado, nós “vivemos com” a mesma Vida que Ele
agora tem nos Céus em plenitude! E, comungando com Ele, Nele nos tornamos
membros uns dos outros, um só Corpo, Corpo Dele, Corpo que é a Igreja! Eis,
Irmãos, que neste Altar, nesta Mesa, nos tornamos sempre mais membros do Corpo
de Cristo, nos tornamos sempre mais membros uns dos outros, nos tornamos sempre
mais Igreja! Aqui a Igreja se fortalece, aqui a Igreja continuamente se faz e
se refaz, a ponto de São Leão I Magno, Papa de Roma, exortar:
“Comei deste Pão e não vos dividireis; bebei deste
Cálice e não vos desagregareis!”
– Obrigado, Salvador nosso, Jesus amado, porque
nesta Mesa sagrada, Tu Te fazes nosso alimento de Vida eterna, Tu nos dás a
comer Tua própria Vida divina, Tu nos unes a Ti e nos unes uns aos outros em
Ti!
Senhor, não permitas nunca que nos separemos de Ti! Não consintas nunca em que nossas diferenças e debilidades nos separem uns dos outros!
Ó Cristo Deus, cada vez que participarmos desta Mesa santa, deste Altar sagrado, faze de nós, sempre mais, um só Corpo-Igreja no Teu Corpo-Eucaristia!
Que o Teu Espírito nos una num só Corpo, até o Dia da Vida Eterna, na Glória!
Por que o Salvador disse, do Pão: “É o Meu Corpo, a
Minha Carne”? E por que, do Cálice: “É o Meu Sangue?”
Porque ambos os sinais exprimem bem o Seu amor, a
Sua entrega total ao Pai e a nós, ao Pai por nós, em nosso favor!
Nas Escrituras, “corpo” e “carne”
exprimem a pessoa toda, o homem todo, na sua fragilidade de criatura. Pois
bem, dizendo “é o Meu Corpo”, o Senhor quis dizer:
“Sou Eu mesmo, em todos os Meus sonhos, em todas as
dimensões da Minha vida, em todo o Meu amor… Tudo o que sou, tudo o que tenho,
tudo quanto vivi, Eu entrego por vós, entrego a vós!”
“Sangue”, na Bíblia
Sagrada, significa a vida. O sangue dado, evoca a vida
derramada, a vida tirada, esparramada! O Senhor Jesus, dando-nos Seu Sangue,
quis nos dar Sua existência vivida o tempo todo como doação, como entrega, até
o extremo da Cruz!
Pois bem, no Seu Corpo e no Seu Sangue o Senhor Se
deu todo: deu-nos Seu corpo, Sua existência, Seus cansaços, Seus amores, Sua
paciência, até a morte e morte violenta, humilhante e dolorosa, morte de cruz!
– Senhor Jesus Cristo, nosso Sumo e Eterno
Sacerdote, Cordeiro imolado, Vítima pascal, obrigado, porque, tendo nos amado,
amaste-nos até o fim, até o extremo! Tudo Tu nos deste! Em nada Te poupaste!
Ajuda-nos, sustenta-nos, para que, comungando da Tua Eucaristia, saibamos, pelo amor do Teu Espírito Santo, fazer de nossa vida uma entrega total a Ti e, no Teu amor, aos irmãos!
O que não podemos com nossas forças, concede-nos pela força deste Sacramento de Amor!
Irmãos, que doação tão inteira! Que entrega tão
total! Que amor tão completo! Que dom tão radical!
Eis a Eucaristia! Eis o Sacramento de amor! Eis o Sinal bendito que mais nos revela Quem é Deus: Deus é amor que Se entrega, que se gasta, que Se deixa consumir até fazer-Se alimento da criatura! Como diz a famosa estrofe “Panis Angelicus”:
“Ó coisa admirável!/ Alimenta-se do Senhor/ o
pobre, o servo, o humilde!”
Por tudo isto, caríssimos, a Eucaristia nos impele,
nos compromete a responder com amor a tão grande e completo e radical Amor!
Triste de quem comunga deste Sacramento com o coração fechado!
Ai de quem O recebe sem se dispor a amar, amar ao Senhor que nos ama e amar aos irmãos por amor do Amor que nos amou primeiro!
Triste de quem comunga deste Sacramento com o coração fechado!
Ai de quem O recebe sem se dispor a amar, amar ao Senhor que nos ama e amar aos irmãos por amor do Amor que nos amou primeiro!
Que proclamemos hoje a nossa fé na Presença real e
substancial do Senhor imolado e ressuscitado na Eucaristia!
Proclamemo-la celebrando o Sacrifício eucarístico,
proclamemo-la comungando o Corpo do Senhor,
proclamemo-la saindo em procissão pelas ruas de
nossas cidades,
proclamemo-la, enfim, por uma vida eucaristicamente
conformada: vida de amor e entrega a Deus, vida de amor e serviço aos
irmãos; de modo que possamos, um dia, beber com o Senhor, do Fruto da videira,
no Reino de Deus. Amém.
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