O inteligente, atento e arguto leitor da Bíblia
perceberá, do primeiro ao último dos livros, uma procura por Deus e respostas
de Deus a esta pergunta. Se prestar mais atenção descobrirá que praticamente,
em todos os livros, 95 a 99% do conteúdo é voltado para a presença, a procura e
o louvor a Deus. O demônio ocupa espaço pequeno; diabo, satanás, satã, demônio,
inimigo são expressões que designam a presença do mal na humanidade, numa
comunidade ou num indivíduo, mas a proporção é muito pequena. A Bíblia se ocupa
muito mais da presença e da ação de Deus.
Quando, pois, em determinado período da humanidade
os pregadores acentuam o mal e o demônio de tal forma que ele é lembrado em
quase todos os cultos, sob o argumento de que ele não para de atuar e aquela
igreja não para de o enfrentar, estamos diante de uma excrescência e de uma
extrapolação; é demônio demais e acento excessivo no pecado e no poder do
demônio para alguém que pretende mostrar a misericórdia, a bondade e no caminho
para Deus.
De repente no script da fé atribui-se um papel
excessivamente saliente ao demônio que deveria ocupar papel secundário. Quando
ligo a televisão hoje e quando leio os livros de história, quando ligo o rádio
e quando torno a ler os livros de história percebo que houve e há um tipo de
religião, um tipo de Igreja e um tipo de pregador que acentua o mal, para
depois lhe dar combate. Assusta o fiel menos instruído com a presença do mal no
mundo, com o poder do mal e com o poder do maligno, para que, depois, ele
aceite o poder do céu que vem por aquela Igreja ou pela sua pregação. Lembra a
história do bicho papão que assusta a criança e, então, ela obedece à mãe e
corre pra perto dela cada vez que ouve dizer a palavra bicho papão.
Não deixa de ser de uma forma de infantilização:
acento no mal e no poder do demônio para, depois, poder acentuar o poder da
graça e da misericórdia de Deus. O que poderia ser menção passageira torna-se
menção corriqueira, costumeira, presente em todas as celebrações e em todos os
sermões. De repente o demônio ganha maior cobertura do que merece. Se, por um
lado, é errado omitir a reverência ao demônio, também é errado insistir e
acentuar demais a sua presença e o seu poder. Ele acaba virando protagonista.
A Bíblia na maioria das suas passagens não lhe
atribui tamanho poder. Torno a acentuar que uma leitura inteligente, criteriosa
e arguta da Bíblia vai nos mostrar um livro que em 95 a 99% do seu conteúdo
aponta para Deus e acentua Deus. Mas vejo que nas pregações de hoje, no rádio e
na televisão, repetindo um período intenso da Idade Média em que também se
acentuava demais o mal, tem havido um excessivo acento na existência e na ação
do demônio. Voltou com grande intensidade a ênfase no mal que deve ser combatido,
ao invés da ênfase no bem que deve ser praticado.
O leitor preste atenção a determinados programas e
pregações de televisão e me diga se estou certo ou errado. Demônio, satanás,
inimigo, maligno é tema que está na Bíblia, mas acentuá-lo demais não é
bíblico; o acento é na misericórdia, na graça, no poder de Deus que se importa
conosco.
Faz tempo que na pedagogia familiar as mães pararam
de falar do bicho papão. Elas acham outros meios de atrair as crianças. Mas
parece que algumas igrejas redescobriram o demônio como o bicho papão da fé.
Não se trata de negar que o demônio existe: é bíblico; o que se trata é de
questionar a excessiva ênfase, porque alguns pregadores não deixam passar uma
pregação sem pelo menos cinco ou dez vezes falar do demônio. Esqueceram o
essencial da pregação de Jesus: Não temais, eu
venci o mundo!
Encontro muitos fiéis preocupados com o demônio e
com possessões. A maioria deles ouviu pregadores que acentuaram demais o poder
do demônio. Faltou Paulo e sua doutrina da graça.
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CatolicaNet
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