As estatísticas de divórcio nas sociedades
ocidentais modernas são catastróficas. Eles mostram que o casamento não é mais
considerado como uma realidade independente, que transcende a individualidade
dos cônjuges, uma realidade que, pelo menos, não pode ser dissolvida pela
vontade individual de um dos parceiros. Mas ele pode ser dissolvido pelo
consentimento de ambas as partes, ou por vontade de um Sínodo ou de um Papa? A
resposta deve ser negativa, pois, como o próprio Jesus declara explicitamente,
o homem não pode separar o que o próprio Deus uniu. Tal é o ensinamento da
Igreja Católica.
A compreensão cristã do que seja uma boa vida
afirma a sua validade para todos os seres humanos. No entanto, mesmo os
discípulos de Jesus ficaram chocados com as palavras de seu Mestre: “Não seria
melhor”, questionaram eles, “nunca se casar?”. O espanto dos discípulos
ressalta o contraste entre o modo de vida cristão e o modo de vida dominante no
mundo. Quer se queira quer não, a Igreja no Ocidente está a caminho de se
tornar uma contracultura, e seu futuro agora depende principalmente se é capaz,
como o sal da terra, de manter o seu sabor e não ser pisada pelos homens.
A beleza do ensinamento da Igreja pode brilhar
somente quando ele não está diluído. A tentação de diluir a doutrina é
reforçada nos dias de hoje por um fato perturbador: os católicos estão se
divorciando quase tão frequentemente quanto os não-católicos. Algo está
claramente errado. Não faz sentido pensar que todos os católicos divorciados e
novamente casados no civil começaram seus primeiros casamentos firmemente
convencidos de sua indissolubilidade, e, em seguida, mudaram de ideia ao longo
do caminho. É mais razoável supor que eles entraram no matrimônio sem se dar
conta claramente do que estavam fazendo. E o que eles fizeram, em primeiro
lugar, se resume em: dar um passo definitivo, sem retorno (ou seja, até a
morte), de modo que a própria ideia de um segundo casamento simplesmente não
deveria existir para eles.
Infelizmente, a Igreja Católica não é isenta de
culpa. A preparação para o matrimônio cristão, muitas vezes, não consegue dar
aos casais de noivos uma imagem clara das implicações de um casamento católico.
Se isso fosse feito de forma eficaz, muitos casais, muito provavelmente,
decidiriam não se casar na Igreja. Para outros casais, é claro, uma boa
preparação para o casamento daria um impulso útil à conversão. Há um apelo
imenso na ideia de que a união de um homem e uma mulher está “escrita nas
estrelas”, e que nada poderá destruí-la, seja “em tempos bons ou ruins”. Esta
convicção é uma fonte maravilhosa e emocionante de força e alegria para os
cônjuges que passam por crises conjugais e que procuram dar vida nova ao seu antigo
amor.
Em vez de reforçar o apelo natural e intuitivo da
permanência conjugal, muitos clérigos, incluindo Bispos e Cardeais, preferem
recomendar, ou pelo menos considerar, outra opção, que é uma alternativa ao
ensinamento de Jesus e, basicamente, uma capitulação para o modo de pensar do
mundo. O remédio para o adultério provocado pelo novo casamento dos
divorciados, dizem-nos, não é mais a contrição, a renúncia e o perdão, mas a
passagem do tempo e do hábito, como se a aceitação social geral e o nosso conforto
pessoal com as nossas decisões tivessem um poder quase sobrenatural. Essa
alquimia supostamente transformaria um concubinato adúltero – que chamamos de
“segundo casamento” – em uma união aceitável que pode ser abençoada pela Igreja
em nome de Deus. Dada essa lógica, é claro, seria simplesmente justo que a
Igreja abençoasse uniões homossexuais também.
Mas essa forma de pensar é baseada em um profundo
erro. O tempo não é criador. A sua passagem não restaura a inocência perdida.
Na verdade, a tendência é que ele amplie a entropia, ou seja, a desordem. Cada
instância de ordem na natureza é arrancada das garras da entropia e ao longo do
tempo eventualmente cai sob o seu domínio, mais uma vez. Como Anaximandro
afirma, “De onde as coisas surgem, é para lá que elas devem eventualmente
retornar, de acordo com o tempo determinado”. Seria errado remontar o princípio
da decadência e morte como algo bom. Não devemos confundir o amortecimento
gradual do sentido do pecado com o seu desaparecimento, e nos liberar de nossa
responsabilidade para com ele.
Aristóteles ensinou que existe um mal maior no
pecado habitual do que em um único lapso acompanhado pela picada de remorso. O
adultério é um caso em questão, especialmente quando ao novo e legalmente
sancionado “recasamento”, isto é quase impossível desfazer sem grande dor e
esforço. Tomás de Aquino usa o termo perplexitas para caracterizar casos como
estes. São situações a partir das quais não há escapatória que não incorra em
culpa de um tipo ou de outro. Até mesmo um único ato de infidelidade embaraça o
adúltero na perplexidade: ele deve confessar a traição ao seu cônjuge ou não?
Se ele confessar, ele talvez consiga salvar o casamento e, em qualquer caso,
ele evitaria uma mentira que acabaria por destruir a confiança mútua. Por outro
lado, uma confissão poderia representar uma ameaça ainda maior para o casamento
do que o próprio pecado (e é por isso que muitas vezes os sacerdotes aconselham
os penitentes a não revelarem a infidelidade de seus cônjuges). Note-se, a propósito,
que Santo Tomás ensina que nós nunca tropeçamos em uma perplexidade sem alguma
medida de culpa pessoal, e que Deus permite isso como um castigo para o pecado
que, inicialmente, leva-nos para o caminho errado.
Permanecer com nossos irmãos cristãos no meio das
perplexidades do novo casamento, mostrar-lhes empatia e assegurar-lhes a
solidariedade da comunidade é uma obra de misericórdia. Mas os admitir à
comunhão sem contrição e regularizar a sua situação seria uma ofensa contra o
Santíssimo Sacramento – mais uma entre as muitas que são cometidas hoje. A
instrução de Paulo sobre a Eucaristia na Primeira Carta aos Coríntios culmina
com uma advertência contra a recepção indigna do corpo de Cristo: Aquele que
come e bebe indignamente come e bebe a própria condenação. Por que os
reformadores litúrgicos atacam estes versos decisivos da segunda leitura para a
Missa da Quinta-feira Santa e em Corpus Christi, assim como em todas as festas?
Quando toda a congregação se levanta para receber a Comunhão, domingo após
domingo, é de se perguntar: será que as paróquias católicas agora são
exclusivamente constituídas de santos?
Mas ainda há um último ponto, que por todos os
direitos deve ser o primeiro. A Igreja admite que lidou com o abuso sexual de
menores sem consideração suficiente para as vítimas. O mesmo está se repetindo
aqui. Tem alguém sequer mencionado as vítimas? Alguém está falando sobre a
mulher cujo marido a abandonou e seus quatro filhos? Ela poderia estar disposta
a aceitá-lo de volta, só para garantir que as crianças fiquem bem, mas ele tem
uma nova família e não tem nenhuma intenção de voltar.
Enquanto isso, o tempo passa. O adúltero gostaria
de receber a Comunhão novamente. Ele está pronto para confessar sua culpa, mas
ele não está disposto a pagar o preço, ou seja, uma vida de continência. A
mulher abandonada é forçada a assistir, enquanto a Igreja aceita e abençoa a
nova união de seu marido. Como que para adicionar insulto à injúria, seu
abandono recebe um selo de aprovação eclesiástica. Seria mais honesto
substituir o “até que a morte os separe” por “até que o amor de um de vocês
cresça friamente” – fórmula que já está sendo seriamente recomendada. Falar
aqui de uma “liturgia da bênção” e não de um novo casamento diante do altar é
uma artimanha enganosa, que simplesmente joga areia nos olhos das pessoas.
Robert
Spaemann
professor
emérito de Filosofia na Universidade de Munique.
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Fonte: Firstthings
Tradução:
Viviane da Silva Varela e Pe. Anderson Alves.
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