sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Os abutres do Vaticano


Em um mundo cada vez menor, o cumprimento do processo iniciado com João XXIII é a condição sine qua non para que a Igreja Católica seja fator de paz e não de divisão. O Papa Francisco sabe disso e age em conformidade. Mas muitos, dentro da Igreja, ou não sabem disso ou não o desejam. Entre inimigos internos e inimigos externos, há até alguns que não hesitam em se transformar em abutres e a cercar sinistramente o corpo do papa.

Há um ditado de Jesus desde sempre inquietante, que nestas horas assume uma dimensão ainda mais sinistra. "Onde estiver o corpo, aí se reunirão os abutres" (Lucas 17, 37). O ditado também se encontra em Mateus 24, 28, e em ambos os Evangelhos a frase está totalmente fora de contexto, aparece como uma espécie de marreta errática caída do céu, completamente independente daquilo que vem antes e daquilo que vem depois. Não se sabe a ocasião concreta que levou Jesus a pronunciar essas palavras, mas, na sua força icônica, elas fotografam uma experiência concreta da vida natural, naqueles tempos diante dos olhos de todos.

Nos nossos dias, porém, mudadas as formas, também não falta a presença dos abutres. Especialmente quando o que está em jogo é o corpo do papa. E ainda mais quando se trata do corpo "deste" papa. O fato de que o Papa Francisco é, no mínimo, incômodo para uma parte nada pequena dos poderes políticos, econômicos, financeiros e, obviamente, eclesiásticos é uma simples questão de fato, bem documentada em um livro recente de um jornalista do Avvenire, Nello Scavo, intitulado I nemici di Francesco [Os inimigos de Francisco], subtítulo: "Quem quer desacreditar o papa, quem quer calá-lo, quem o quer morto".

Mas agora a notícia do tumor no cérebro, divulgada pelo jornal Quotidiano Nazionale, falando de "uma mancha, um pequeno tumor no cérebro", destina-se a aumentar drasticamente o voo ameaçador dos abutres. O porta-voz papal, padre Lombardi, logo desmentiu secamente a notícia. E o jornal L'Osservatore Romano falou de "poeirama levantada com intenção manipuladora".

O certo é que seria difícil hoje esconder por muito tempo uma notícia sobre a saúde do pontífice: o corpo do papa, ao contrário dos séculos passados, quando era velado à vista de muitos e vivia em uma dimensão sagrada que levava a pensá-lo como quase divino, totalmente desprovido das deficiências dos reles mortais, agora é cotidianamente exposto ao olhar das telecâmeras de todo o mundo.

Isso aconteceu cerca de 15 anos atrás com João Paulo II, cujo mal de Parkinson, antes sistematicamente negado pelo porta-voz vaticano, depois se tornou evidente aos olhos de todos. A saúde do corpo de um papa nunca foi apenas uma questão privada, e hoje o é menos do que nunca. O verdadeiro ponto, porém, não diz respeito à saúde de Jorge Mario Bergoglio, mas aos abutres. O que chama a atenção, de fato, é que a notícia foi publicada apenas ontem (a dez meses de distância da hipotética visita especializada) e, principalmente, a poucas horas do encerramento do estratégico Sínodo sobre a família.

Uma combinação casual? Obviamente não; ao contrário, o levantar voo de um bando de abutres. Naturalmente, não me refiro aos jornalistas que, de posse da notícia, fizeram apenas o seu trabalho, assim como teria feito qualquer outro jornalista do mundo; ao contrário, refiro-me àqueles que, justamente agora, vazaram a notícia no momento talvez mais delicado do pontificado de Francisco. 

Neste Sínodo, de fato, o papa joga a maior parte da sua obra reformadora: se os bispos, em maioria, lhe disserem "não" e rejeitarem o seu desejo de aberturas, o seu pontificado estará destinado a entrar para a história como o desejo de um profeta solitário e sonhador, mas muito pouco capaz de traduzir as suas palavras e os seus gestos em leis e preceitos concretos, como todo pontífice digno desse nome, ao contrário, é chamado a fazer.

Eu não sei se existe um único diretor por trás da "saída do armário" do Mons. Charamsa, que se declarou gay e convivente no início do Sínodo; por trás da divulgação de uma carta de uma dezena de cardeais antirreformas na metade do Sínodo; e agora por trás dessa notícia entregue à imprensa justamente na proximidade do encerramento do Sínodo.

O que é certo é que todos os três episódios enquadram os trabalhos da cúpula episcopal. Assim como segundo todo diretor que se respeite, a última cena foi a mais devastadora, porque visa a fazer com que o mundo acredite que Jorge Mario Bergoglio é um papa doente, aliás, doente no cérebro, na sede decisional da pessoa, levantando, assim, uma série de dúvidas e suspeitas sobre a sua efetividade capacidade de guiar a Igreja.

Muitos dos cardeais que, há três anos e sete meses, o elegeram agora lhe são hostis, porque certamente não imaginavam tal força reformadora naquele argentino que tinha fama de conservador e que, ao contrário, se revelou logo à altura do impulso inovador do Papa João XXIII.

O papa de Bérgamo morreu de um tumor no estômago, mas antes, apesar da Cúria, conseguiu convocar o Concílio Vaticano II e iniciar a obra de renovação da Igreja. A obra, infelizmente, ficou na metade, porque, por causa dos temores de Paulo VI, não tocou justamente os temas da moral familiar e sexual sobre os quais o Papa Francisco convocou o Sínodo com a intenção de estender a renovação conciliar até aí.

Não são poucos na Igreja aqueles que querem impedi-lo, sem compreender a importância do que está em jogo. Não se trata, de fato, de apenas algumas normas de disciplina eclesiástica; o que está em jogo é a mudança de rumo iniciada pela Igreja Católica com o Vaticano II e que permaneceu inacabada, destinada a desenhar um catolicismo não mais inimigo do mundo moderno, como foi durante séculos, mas ao lado da vida das pessoas.

Em um mundo cada vez menor, o cumprimento do processo iniciado com João XXIII é a condição sine qua non para que a Igreja Católica seja fator de paz e não de divisão. O Papa Francisco sabe disso e age em conformidade. Mas muitos, dentro da Igreja, ou não sabem disso ou não o desejam.

Eles não hesitam em se unir aos inúmeros grupos de poder econômico e político fora da Igreja, que viram a recente encíclica sobre a ecologia como uma séria ameaça aos seus negócios. E, entre inimigos internos e inimigos externos, há até alguns que não hesitam em se transformar em abutres e a cercar sinistramente o corpo do papa.


Vito Mancuso,
teólogo e professor da Universidade de Pádua
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Instituto Humanitas Unisinos
Fonte: La Repubblica
Tradução: Moisés Sbardelotto.

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