O risco
de pecar, perder a própria alma e ser condenado ao fogo do inferno
é um drama
muito mais terrível – e real – que qualquer conto de terror
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Os "filmes
de terror" dividem opiniões. Muitos não gostam, porque, depois que
assistem, não conseguem dormir à noite. Alguns, impulsionados por uma
curiosidade malsã, lançam-se de cabeça nas tramas cinematográficas, chegando a
entrar no abismo sem fundo do ocultismo. Entre os dois extremos, há quem
simplesmente assista às histórias, prevenido por um sadio ceticismo – não dando
crédito a qualquer coisa que veja – e por uma dose de "senso comum" –
sem preconceitos ou dogmas materialistas. Afinal, como escrevia Chesterton,
"quando se trata de testemunho humano, há uma sufocante enxurrada de
testemunhos em favor do sobrenatural" [1].
De fato, é
inegável que os "filmes de terror" ajudam a colocar o homem diante de
realidades espirituais. Gostos à parte, algumas produções do gênero têm o
costume de abordar temas bastante caros à doutrina católica. O diretor do
clássico "O Exorcista" ( The Exorcist, 1973) – única
película de terror a ser indicada ao Oscar de melhor filme –, por exemplo, confessa ter feito o filme não para ser uma história "de terror", mas para retratar "o mistério da fé". Mesmo sendo agnóstico, William
Friedkin explica que, na trama, "o objetivo do demônio não é a menina, mas
o sacerdote que está perdendo a fé". O filme fez tanto sucesso nos Estados
Unidos, que chegou mesmo a suscitar vocações para a vida sacerdotal.
Mais
recentemente, "O Ritual" ( The Rite, 2011), estrelado por
Anthony Hopkins, também está baseado na "crise vocacional" de um
diácono que, depois de lidar com o ministério de um padre exorcista, acaba se
tornando um católico devoto e fiel. A sua emocionante profissão de fé ao final
da história ilustra como o contato com o mal pode conduzir as almas a um
encontro com Cristo. Não se trata de dar primazia ou "importância
excessiva" ao inimigo de Deus. É que, em um mundo materialista como o
nosso, em que as realidades sobrenaturais são encaradas com desdém ou desprezo,
tomar consciência da força efetiva do mundo espiritual – mesmo que em sua dimensão
maligna – pode ser um primeiro passo para se aproximar de Nosso Senhor.
Algumas coisas,
no entanto, ainda estão fora do lugar. O demônio existe, é verdade. As
possessões, os rituais de exorcismo, o poder da água benta também são reais. Ao
lado disso, porém, existem coisas como "tentação", "pecado"
e "inferno" – e essas realidades não só estão vivas e ativas no
mundo, como são muito mais graves e têm efeitos muito mais devastadores do que
qualquer possessão diabólica. O problema é que ninguém fala sobre elas, nem nos
cinemas, nem nos livros da moda e, tragicamente, nem nos púlpitos de nossas
igrejas.
Alegações
(fúteis) para não falar sobre o "pecado" ou o "inferno" são
muitas. Alguns padres e teólogos, desejosos de agradarem o mundo, dizem que não
se pode pregar certos conteúdos porque "causam medo" nas pessoas. A
julgar pelo parecer deles, seria preciso censurar, talvez, o próprio Senhor,
cujos discursos estão cheios dessas palavras "amedrontadoras": só nos
Evangelhos Sinóticos, os termos "pecado", "inferno",
"castigo eterno" e "fogo eterno" constam mais de 15 vezes;
"Satanás" e "demônio", então, somam 42 referências.
"Por isso hoje, quando se põe em dúvida a realidade demoníaca, é
necessário fazer referência (…) à fé constante e universal da Igreja e à sua
maior fonte: o ensinamento de Cristo", diz odocumento Fé Cristiana y Demonología, da Congregação para a Doutrinada Fé. "Com efeito, a existência do mundo demoníaco se revela como um
dado dogmático na doutrina do Evangelho e no coração da fé vivida."
Não é que todos
os padres que deixam de falar sobre esses assuntos sejam descrentes, hereges ou
apóstatas. Não se trata disso, absolutamente. Uma fé que se hiberna e não é
alimentada por atos concretos, porém, que fim terá? Como crê em Deus, por
exemplo, quem vive como se Ele não existisse, sem ter uma vida de oração e de
intimidade com Ele? Como crê na presença real de Cristo na Eucaristia quem não
se ajoelha diante do Santíssimo ou não é capaz de fazer uma simples genuflexão
quando passa em frente a um sacrário? Do mesmo modo, como uma sociedade pode
odiar o pecado, combater o demônio e evitar o inferno, se a sua existência é
ignorada no dia a dia das pessoas e se quem deveria falar sobre eles está
sempre evitando o assunto?
É verdade que a
pregação sobre a morte, o juízo e o inferno causa temor nas pessoas, o que não
é uma coisa necessariamente ruim. Santo Tomás de Aquino, quando fala sobre o
temor, inclui-o na seção prima secundae da Suma Teológica, no
tratado sobre as paixões (cf. I-II, q. 41-44). O medo é, pois, uma paixão – um
"sentimento", na linguagem vulgar. Isso quer dizer que, em si, é uma
realidade neutra, nem boa, nem má. Não é verdade, portanto, que as pessoas não
devam sentir medo de nada. Se Deus colocou o temor no homem, isso tem algum
sentido, alguma finalidade.
A chave para
compreender esse "sentimento" está em sua íntima relação com o amor,
como o próprio Doutor Angélico ensina: " Todo temor vem de que
amamos alguma coisa" [2], e também Santo Agostinho: "Não há
outra causa de temor senão a de perdermos o objeto amado quando possuído, ou
não possuí-lo quando esperado" [3]. Se não tememos as coisas
certas, é porque não amamos as coisas certas – ou, talvez, até as amemos, mas
na ordem errada.
Uma pessoa que
possui muitos bens e tem o coração preso às suas propriedades, por exemplo, tem
medo de perdê-los. Um profissional bem-sucedido que ama seu posto, teme ser
despedido. Um artista de nome que ama seu sucesso, teme que sua fama seja
denegrida, e os exemplos não cessam. O mesmo pode acontecer com relação às
pessoas. Na família, marido e mulher, pais e filhos, irmãos e irmãs, justamente
porque se amam, têm medo de que aconteça algo aos de seu próprio sangue, e os
exemplos, novamente, são muitos.
Acontece que,
para que todos esses amores não se transformem em idolatria, é preciso haver
uma ordem [4], na qual Deus vem em primeiro lugar. "Amarás ao Senhor, teu
Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e com todas as tuas
forças" ( Dt 6, 5). Isso significa que, de todos os temores do
homem, o maior deve ser o de perder a Deus. Por causa da graça que está em sua
alma, o cristão deve estar disposto a abandonar tudo: seus bens, seu emprego,
sua fama e mesmo a sua própria família, como está escrito no Evangelho:
"Quem ama pai ou mãe mais do que a mim, não é digno de mim. E quem ama
filho ou filha mais do que a mim não é digno de mim" (Mt 10, 37).
Neste
sentido, é preciso dizer que os "filmes de terror" – mesmo os mais
equilibrados – geralmente inculcam nas pessoas um temor bobo e vazio. Zumbis
não existem, assassinos em série não chegam para todos, e demônios, por sua
vez, não saem por aí querendo possuir todo o mundo. Eles estão, é verdade,
"como um leão a rugir, à procura de quem devorar" ( 1 Pd 5,
8). Para tanto, esses anjos decaídos não precisam do alarde de uma possessão.
Quando um rapaz deita com sua namorada antes do casamento – ou com a mulher do
outro, dentro do casamento –, quando um infeliz mata por vingança os seus
desafetos, quando um jovem rebelde destrata o seu pai ou a sua mãe, aí está o
demônio devorando as almas.
Portanto,
que ninguém se engane. O risco de pecar, perder a própria alma e ser condenado
ao fogo do inferno é um drama muito mais terrível – e real – que qualquer conto
de terror.
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Referências:
1.
Ortodoxia, IX
2. Summa Theologiae, I-II, q. 43, a. 1
3.
De Diversis Quaestionibus,
XXXIII
4. Cf. Summa
Theologiae, II-II, q. 26, a. 1
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