O verdadeiro
pilar que sustenta tudo na política religiosa do Papa Francisco é o Deus único,
uma única Divindade, apoiada pela razão e pela fé. Deus que tudo sustenta e
tudo criou e continua criando incessantemente.
O papa não tem um tumor, mesmo que benigno, no
cérebro nem outras doenças. Se tivesse, ele diria. Jorge Bergoglio é um homem
cujas paixões foram e são a verdade e a fé. A verdade para ele é um valor
absoluto; ele aceita o relativismo de todos os outros valores, mas o rejeita
firmemente no que diz respeito à verdade. Digo essas coisas porque discutimos
várias vezes sobre elas nos nossos encontros. E, como eu não acredito na
verdade absoluta, ele captou qual era a diferença que nos dividia: para ele, a
verdade absoluta coincide com Deus, para um crente a verdade própria é
absoluta, mas apenas a própria, bem sabendo que pode não coincidir com a dos outros.
Lembro-me dessas conversas porque me dão a certeza
de que, se estivesse doente, o papa diria. Além disso, há alguns meses, foi
justamente ele que disse publicamente: "Não terei muito tempo para levar a
cabo o trabalho que devo cumprir, que é a realização dos objetivos prescritos
pelo Vaticano II e, em particular, o do encontro da Igreja com a
modernidade".
Essa declaração, pela parte que diz respeito ao
"pouco tempo disponível", despertou uma grande surpresa e também uma
forte preocupação entre aqueles que consideram essencial o seu pontificado para
uma renovada mensagem da Igreja. A sua resposta pública foi esta: "Por
sorte minha, eu não tenho nenhum mal, mas entrei em uma idade em que as
possibilidades de vida tornam-se cada vez menores enquanto o tempo corre. Eu só
espero que a transição não seja fisicamente dolorosa. Mas, dito isso, está tudo
nas mãos de Deus".
Portanto, o Papa Francisco hoje não está doente.
Resta entender por que "os abutres voam sobre ele", como escreveu
Vito Mancuso de movo eficaz na quinta-feira passada no nosso jornal. Abutres
que lançam falsidades contra Francisco, esperando que ele se torne
pontificalmente cadáver, que o Sínodo sobre a família e o Jubileu sobre a
Misericórdia sejam dois fracassos, assim como a sua política religiosa em
relação ao encontro com a modernidade e a desconstrução – segundo eles – da
Igreja.
Os abutres construíram tudo isso e estão cheios de
consequências. Nos nossos artigos dos últimos dias, as suas intervenções foram
examinadas e conectadas a uma lógica perversa umas às outras. Razões de poder
religioso e temporalista os animam e uma visão completamente diferente da
Igreja. Eles não querem uma Igreja aberta como Francisco quer; não querem a sua
Igreja missionária, não querem o fim do temporalismo. Eles consideram Francisco
um intruso, uma espécie de alienígena, de revolucionário incompatível com a
tradição.
Por isso, eles combatem, jogam lama, divulgam
notícias falsas, revelam supostos documentos, desvelam posições internas no
episcopado católico. Uma verdadeira guerra. Francisco vai vencê-la ou perdê-la?
E quais são os pilares da sua pregação e quais são as suas armas (se é que se
pode falar de armas) nesse embate entre Igreja temporalista e Igreja
missionária?
O verdadeiro pilar que sustenta tudo na política
religiosa do Papa Francisco é o Deus único, uma única Divindade, apoiada pela
razão e pela fé. Deus que tudo sustenta e tudo criou e continua criando
incessantemente. Não existe e não pode existir um Deus próprio de cada
religião: se Deus é tudo e tudo criou, Ele é de todos e de cada um e continua
criando, porque, se parasse, seria uma Divindade que parou e continua sendo
espectadora de uma realidade em contínuo movimento, um Deus que se retirou para
o alto dos céus, não mais criador, mas testemunha da contínua evolução da
sociedade.
Portanto, um Deus criador que as suas criaturas
sentem dentro delas, porque uma centelha divina existe em todos, e não importa
se são conscientes disso ou não. Essa centelha divina opera nas criaturas
através dos instintos, e esses instintos são a vida, o espaço que ocupam, o
tempo criativo das partículas elementares que vorticosamente giram pelo
universo e as leis às quais obedecem. O Universo e os Universos se modificam
continuamente, e essas modificações são guiadas por Deus.
Tudo isso, de fato, é eterno, e a centelha de
Divindade dá a cada criatura as suas leis: os átomos têm as suas leis, os
astros, as galáxias, os campos magnéticos, as estrelas. Todas essas formas
nascem e morrem, e é tempo que as desgasta.
Essa é a visão da realidade que nós, animais
pensantes, somos capazes de perceber. Nós temos um planeta que gira em torno de
uma estrela. A nossa centelha divina nos deu uma mente que está dentro de um
corpo; nós temos pensamentos que brotam da mente, criada, por sua vez, pelo
corpo, e esse corpo tem uma vida própria e uma morte própria.
Essas realidades visíveis descrevem as leis
evolutivas que nós, animais que veem a si mesmos, imaginamos e descobrimos.
Deus está muito além de como nós o pensamos, mas, para aqueles de nós que são
crentes, essa é a visão que eles têm. Para aqueles não crentes, a visão é
diferente em apenas um ponto: eles não acreditam em um Deus personalizado. Eles
pensam em um Ser que gera Entes, ou seja, formas, cada uma com leis próprias.
Entre as leis que guiam as criaturas, não existe a de se interpretar, e a
interrogação principal é saber quem somos e de onde viemos. Uma das respostas é
a religião, isto é, a crença em um Deus e em um eventual além da morte.
O Deus único do Papa Francisco é a versão mais alta
e também mais consoante para aqueles que aderem às conclusões que a sua fé lhe
inspira. Mas agir de modo que todas as religiões cheguem a essas conclusões não
é fácil nem rápido. Confronta-se com crenças diferentes, valores diferentes,
interesses contrapostos. Não por acaso, Francisco é anticlerical e diz isso. É
um percurso – o de convencer todas as religiões, incluindo a católica, à fé no
Deus único – extremamente acidentado. Não há varinha mágica que possa
resolvê-lo.
Francisco sabe disso e prossegue passo a passo. O
primeiro aponta para uma espécie de confederação das várias confissões cristãs
que, em um segundo momento, deveria levar à unidade religiosa readquirida.
Enquanto isso, amizade com as outras religiões monoteístas e aproximação às não
monoteístas. Esse é o cenário.
Está excluído que o Papa Francisco posso levá-lo a
cabo, até porque deveria ter sobre as costas uma Igreja Católica que estivesse
estreitamente unida a esse cenário, mas nem mesmo essa unidade está completa. O
choque interno é sobre várias questões, mas a verdadeira causa é a mesma: Deus
único, religiões em fraternidade, mesmo que cada uma com a própria história, as
próprias tradições, os próprios cânones e as próprias escrituras.
Quanto às hierarquias católicas, ou seja, os bispos
descendentes dos Apóstolos, elas estão vivendo a situação atual sobre o tema da
família, e a sede é o Sínodo que se concluiu com a "Relatio finalis",
apresentou nesse sábado à noite ao Papa Francisco, que foi parte integrante e
principal do Sínodo.
A "Relatio finalis", no entanto, foi
precedida por vários discursos de Francisco. Um dos quais, pronunciado por ele
na última Audiência Geral dedicada à paixão de amor entre os esposos, diz
palavras extremamente significativas que o L'Osservatore Romano intitula – não
por acaso – "Por que a fidelidade não tira a liberdade".
Eis as passagens principais.
"Na realidade, ninguém quer ser amado somente
pelos próprios bens ou por obrigação. O amor, como também a amizade, devem a
sua força e a sua beleza justamente a este fato: que eles geram um vínculo sem
tirar a liberdade. Consequentemente, o amor é livre, a promessa da família é
livre, e essa é a beleza. Sem liberdade, não há amizade, sem liberdade não há
amor, sem liberdade não há matrimônio. A fidelidade às promessas é uma
verdadeira obra-prima de humanidade, autêntico milagre, porque a força e a
persuasão da fidelidade, apesar de tudo, não deixam de nos encantar. A honra à
palavra dada, a fidelidade à promessa não podem ser compradas e vendidas. Não
podem ser obrigadas pela força, mas também nem construídas sem
sacrifício."
Até agora, nunca acontecera um pontificado que
baseasse o amor, a amizade, a fidelidade e o matrimônio sobre a liberdade. De
fato, esse conceito aplicado especialmente ao matrimônio não é algo novo para a
Igreja. Um dos cânones em que se baseia o julgamento da Rota Romana no que diz
respeito às sentenças de nulidade é precisamente a hipótese de que o matrimônio
foi celebrado com a força exercida sobre ao menos um dos esposos (quase sempre
a mulher) pelos pais ou por outras considerações ditadas pelos interesses e não
pelo amor.
Mas nenhum papa tinha transferido o cânone
judiciário a um princípio de valor que, pessoalmente, eu considero como laico,
dando a essa laicidade um alto valor ético. No entanto, a análise de valor
feita pelo Papa Francisco seria incompleta se não fosse aprofundada pelo exame
das famílias atuais em todo o mundo, mas, especialmente, no mundo ocidental,
onde o cristianismo esteve na origem medieval da Europa, assim como o laicismo
e a descoberta da liberdade.
Contudo, é verdade que as conclusões do Sínodo
representam uma clara freada na ação inovadora do papa, porque, no que diz
respeito aos divorciados que coabitam com o novo cônjuge, confiam a decisão de
admiti-los aos sacramentos ao "discernimento" do confessor. Por
conseguinte, haverá casos em que o confessor os admitirá aos sacramentos, e
outros, de sinal contrário.
A incoerência desse procedimento é evidente, e é
igualmente evidente que o papa deve tê-lo aceitado. A escolha entre duas
concepções diferentes da Igreja não data de hoje, mas hoje é ainda mais
inaceitável do que antigamente, por duas razões: a primeira é o Vaticano II,
que prevê o encontro da Igreja com a modernidade, e a modernidade não se
configura em uma decisão tão engenhosa. Uma segunda razão é ainda mais
clamorosa: a família de hoje não é mais fechada, mas aberta e o será cada vez
mais.
É justamente uma família que vive na coexistência
entre fidelidade à promessa e liberdade. É o papa quem disse isso, mas é o papa
que, sobre esse ponto, se subjaz ao "discernimento" dos vários
confessores. Como se sabe, não há confessores de profissão, cada presbítero é
confessor. Por isso, a partir desse ponto de vista, o Sínodo termina com uma
vitória aos pontos do partido tradicionalista. Que, no entanto, vai encontrar a
sua derrota a partir da situação atual das famílias. Vejamos essa situação que
configura a realidade de grande parte do mundo cristão.
Vejamos, acima de tudo, a situação entre marido e
mulher. Não é mais a que estava vigente ainda na primeira metade do século XX,
quando era a mulher que cuidava da educação dos filhos, ao menos até a sua
adolescência. Hoje, a mulher também trabalha como e quanto o seu marido.
Enquanto isso, ela também cuida dos seus filhos, crianças e jovens, mas, se
tiver mais do que dois, é forçada a ser ajudada por uma cuidadora e/ou uma
creche, ou ainda por um jardim de infância.
O marido, geralmente, está comprometido com um
emprego profissional que lhe deixa pouco espaço, mas (nos casos positivos),
quando o filho é adolescente, ele encontra um espaço para ele, mas atenção: não
como educador, mas como amigo. É uma coisa boa ser amigo de um filho, mas é
totalmente diferente da educação. O amigo busca as confidências do filho, as
interpreta, tem uma ideia daquele caráter e o compensa com confidências
próprias. Em suma, trocam-se sugestões, mas a demanda de obediência desaparece.
Talvez seja bom, mas a sua amizade não é exclusiva. O filho, geralmente, forma
o seu caráter e a sua visão da vida com a frequentação de outros amigos
coetâneos, estuda com eles, se diverte com eles, pensa com eles, vive com eles.
A amizade do pai é preciosa quando existe, mas não
fundamental. Formativo é o conjunto dos amigos, que muitas vezes o pai nem
conhece, enquanto para a mãe resta, nesse ponto, só o amor pelo filho, muitas
vezes correspondido. A partir desse ponto de vista, o complexo de Édipo tende a
aumentar, não sem consequências na formação do jovem.
Mas também existem outros casos em que a situação
não é esta, que, no entanto, é a melhor da família moderna e, obviamente, a
mais rara. Na maioria dos casos, o pai não se torna amigo do filho, muito menos
este último se torna amigo do pai. Quando chega em casa para comer e para
dormir (e nem sempre isso acontece), o filho ou a filha fala muito pouco com os
pais, com o pai, principalmente. Os contatos verdadeiros são reduzidos ao
mínimo, com tudo o que se segue, droga ou alcoolismo ou bullying incluídos.
Por fim, a famosa "promessa de fidelidade"
é muitas vezes violada. Por parte do marido, isso sempre aconteceu, mas agora
acontece muitas vezes também por parte da mulher. Às vezes, é a situação dos
separados em casa, com uma família muito "sui generis", mas também
bastante difícil de gerir.
Outras vezes, mais frequentes, há a separação e o
divórcio. Muitas vezes, as relações continuam sendo civis e, às vezes, se
estendem da mulher à nova companheira do marido e até mesmo – se houver – aos
filhos com diferentes ascendências parentais. Mas muitas vezes não é assim, ou
é assim apenas na forma, mas não na substância.
Em suma, uma família muito aberta nos pais e nos
filhos. No entanto, ainda é possível apontar para a família tradicional, isto
é, fechada e não aberta. Mas isso pode acontecer em uma Igreja igualmente
fechada e não aberta. O papa, no caso específico, sofreu. Vai sofrer ainda?
Também em outras questões?
Dias atrás, ele dissera, falando do Sínodo, que ele
não é um parlamento. Não há uma maioria e uma oposição. Há uma escuta de
posições diferentes. Mas, desta vez, produziu-se, ao contrário, de modo
bastante engenhoso, uma maioria freante. O papa, depois de ouvir a
"Relatio finalis" do Sínodo, poderia expor em sede magisterial um
pensamento diferente. Mas eu não acho que ele o fará.
Há algum tempo, Francisco escreveu o prefácio de um
livro que publicava todas as várias intervenções do cardeal Martini. Eu conheci
muito bem Martini, tanto quando era arcebispo de Milão, quanto em Gallarate, em
um retiro para sacerdotes idosos e doentes. Os nossos encontros ocorreram cinco
vezes, o último dos quais algumas semanas antes que a morte o levasse.
Martini estava muito à frente em relação a uma
Igreja aberta e moderna e era íntimo de Bergoglio. Sobre o tema dos divorciados
e da família, ele ainda estava mais à frente do que o Papa Francisco, sem falar
dos seus atuais contraditórios. Martini também era animado pela fé. Muito
profunda. Martini também gostava de debater com os não crentes, não para
convertê-los, mas para progredir com eles. Martini também acreditava no único
Deus que abole os fundamentalismos e o terrorismo e combate contra o poder
temporal das Igrejas.
Por fim, Martini afirmava que no mundo existe um
único pecado: o da desigualdade social, e é contra ele e contra as suas
consequências que a Igreja deve combater levantando a bandeira do amor ao
próximo. Esse era Martini, amigo íntimo de Bergoglio, que, por sua vez, queria
que ele se tornasse papa, enquanto no último conclave no qual ele não
interveio, foi Martini que queria Bergoglio como papa, e assim foi.
Se existe um Paraíso, as suas almas se encontrarão.
Se não existe, a história falará de ambos. Francisco não se esqueceu e
continuará combatendo, recordando que o Sínodo não é um parlamento, mas, como o
parlamento, está organizado sobre a liberdade dos outros a serviço dos quais os
homens de boa vontade devem trabalhar. Sirvam o próximo, mesmo aqueles que não
têm fé. Deus é único, as criaturas são livres, até porque foi Ele quem assim as
criou.
Eugenio
Scalfari,
jornalista e
fundador do jornal italiano La Repubblica
___________________________________________
Tradução: Moisés
Sbardelotto.
Disponível:
IHU
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