1. O próprio
Jesus é espada de dor para Sua Mãe
Ferida pelo caçador, aonde vai, leva a corça
consigo a sua dor: carregando no corpo a seta cruel. Assim também Maria, depois
do funesto vaticínio de S. Simeão levou conSigo a dor, que consistia na
contínua memória da Paixão do Filho. Algrino aqui aplica o texto dos Sagrados
Cânticos: Os cabelos de tua cabeça são como a púrpura do rei, que é atada
em dobras (7, 8). Essa cabeleira cor de púrpura simboliza a constante
contemplação da Paixão de Jesus. A Virgem a tinha tão viva diante dos olhos,
como se já estivesse vendo o sangue a correr das chagas dEle. Era assim Jesus a
espada que atravessava o coração de Maria.
E, a medida que Ele Lhe parecia mais amável mais
profundamente a feria a dor por ter de perdê-lO um dia.
Consideremos agora a segunda espada de dor que
feriu o coração de nossa Mãe, quando fugiu para o Egito, a fim de livrar o
Menino-Deus da perseguição de Herodes.
2.
A ordem de fugir
Mal ouviu Herodes que era nascido o Messias
esperado, temeu loucamente que o recém-nascido lhe quisesse usurpar o trono. S.
Fulgêncio de Ruspe censura-lhe a loucura, dizendo: Por que estás inquieto,
Herodes? Esse rei, nascido agora, não vem para vencer os reis em combate.
Não; ele vem para subjugá-los de um modo admirável, morrendo por eles.
Esperava, pois, o ímpio rei lhe viessem os santos Magos revelar. o lugar do
nascimento do real Menino, a fim de tirar-Lhe a vida. Vendo-se, contudo
logrado, ordenou a morte de todos os meninos que então se achavam em Belém e
seus arredores. Foi então que o anjo apareceu em sonhos a José com a
ordem: Levanta-te, toma o Menino e Sua mãe, e foge para o Egito (Mt
2, .13).
Segundo o parecer de Gerson, S. José avisou a Maria
na mesma noite, e tomando ambos o, Menino Jesus, puseram-se a caminho. É isso o
que se deduz das palavras do Evangelho: "E levantando-se, José tomou
consigo, ainda noite, o Menino e Sua Mãe e retirou-se para o Egito". Ó
Deus, disse então Maria (como contempla S. Alberto Magno), assim deve fugir dos
homens aquele que veio para salvá-los? Logo conheceu a aflita Mãe como já
começava a verificar-se no Filho a profecia de Simeão: Eis aqui está posto
este Menino como alvo a que atirará a contradição (Lc 2, 34). Viu que,
apenas nascido, já O perseguiam e queriam matar. "Que pesar para o coração
de Maria, escreve S. Pedro Crisólogo, ao ouvir a intimação do cruel exílio ao
qual Ela e o Filho eram condenados!
Foge dos teus para os estranhos, do templo do
verdadeiro Deus para a terra dos ídolos! Há lástima que se compare à de uma
criança que, apenas nascida, já se vê obrigada a fugir, levada nos braços de
sua Mãe?
3. Incômodos
da fugida
Bem, pode cada qual adivinhar o que padeceu Maria
nessa viagem. Da Judéia ao Egito era muito longe a jornada. Com Sebastião
Barradas, fala-se, geralmente, em mais de cem horas de caminho. Por isso a
viagem durou pelo menos trinta dias. Além disso, como descreve Boaventura
Barrádio, era o caminho desconhecido e péssimo, cortado de carrascais e pouco
freqüentado. Estava-se no inverno e a Sagrada Família teve de viajar debaixo de
aguaceiros, neves e ventos, por estradas alagadas e lamacentas. Quinze anos
tinha então Maria; era uma donzela delicada, nada afeita a semelhantes viagens.
Finalmente não tinham os fugitivos quem lhes
servisse. José e Maria, na frase de S. Pedro Crisólogo, não tinham nem criados
nem criadas; eram senhores e criados ao mesmo tempo. Meu Deus! como excita a
compaixão ver essa tenra virgenzinha, com esse Menino recém-nascido ao colo,
fugindo por este mundo! Boaventura Baduário pergunta: Aonde iam comer e dormir?
em que hospedagem ficariam? Qual podia ser o alimento deles, senão um pedaço de
pão duro trazido por S. José ou recebido como esmola? Onde hão de ter dormido
durante a viagem, especialmente durante as 50 horas da travessia do deserto,
sem casas e hospedarias? Onde, senão sobre a areia ou debaixo de alguma árvore
do bosque, ao relento, expostos aos ladrões e às feras, tão abundantes no
Egito? Oh! quem encontrasse então esses três grandes personagens, tê-los-ia
certamente tomado por ciganos e mendigos.
4.
A pobreza da Sagrada Família no Egito
No Egito Maria habitou em um lugar chamado
Matarieh, conforme afirmam Burcardo de Saxônia e Jansênio Gandense, embora
Strabo diga que moravam na cidade de Heliópolis*. Aí sofreram extrema pobreza,
durante os sete anos que permaneceram escondidos, segundo S. Antonino e S.
Tomás e outros autores. Eram estrangeiros, desconhecidos, sem rendimentos, sem
dinheiro e sem parentes. A muito custo conseguiam sustentar-se com o fruto de
suas fadigas. Por serem pobres, escreve S. Basílio, era-lhes bem penoso
conseguir o indispensável para passar a vida. Ludolfo de Saxônia dá conta - e
sirva isso de consolo aos pobres, - que tal era a pobreza de Maria, que muitas
vezes nem tinha um pedaço de pão para o Filho, quando, obrigado pela fome, Lhe
pedia algum.
Morto Herodes, de novo apareceu em sonhos o anjo a
José, ordenando-lhe que voltasse à Judéia. Aqui, descreve Boaventura Baduário a
aflição da Santíssima Virgem pelo muito que sofreu Jesus durante o regresso.
Tinha Ele então sete anos, sendo grande demais para os braços de Maria, e ainda
pequeno para vencer a pé tão longas estradas.
* Era Matarieh um subúrbio de Heliópolis e não deve
ser trocado pela cidade de Mênfis, nem pela atual Cairo. – (Nota do tradutor).
5. Imitação
da Sagrada Família pela paciência e desprendimento
Jesus e Maria passaram pelo mundo como fugitivos.
Eis aí uma lição para nós. Temos de viver na terra como peregrinos, sem apegos
aos bens que o mundo nos oferece. Pois depressa teremos de deixá-los para
passarmos à eternidade. "Não temos aqui cidade permanente, mas procuramos
a futura" (Hb 13, 14). És um hóspede neste mundo; apenas o vês de
passagem, acrescenta S. Agostinho. Aprendamos com Jesus e Maria a abraçar as
cruzes, porque sem elas não podemos viver neste mundo. Neste sentido foi
concedido à venerável Verônica de Binasco, agostiniana, acompanhar, numa visão,
a viagem de Maria e do Menino Deus para o Egito. No fim da jornada
disse-lhe a Mãe de Deus: Filha, viste com que trabalho chegamos a esta terra.
Fica sabendo que ninguém recebe graças sem ter padecido. - Quem, entretanto
desejar sentir menos os trabalhos desta vida, deve levar em sua companhia a
Jesus e Maria.
"Toma o Menino e Sua Mãe", disse o anjo a
S. José. Àquele que traz com amor a esse Filho e a essa Mãe em seu coração,
tornam-se leves e até suaves e agradáveis todas as penas. Amemo-lOs, portanto;
consolemos Maria, acolhendo em nosso coração a Seu Filho, que hoje ainda
continua a ser perseguido pelos pecados dos homens.
EXEMPLO
Um dia apareceu Nossa Senhora à venerável Coleta,
religiosa franciscana, e mostrou-lhe o Menino Deus todo chagado, dizendo-lhe
então: Vê, assim é que os pecadores tratam continuamente meu Filho; renovam-Lhe
Sua morte e Minhas dores. Reza muito, minha filha, reza por eles para que
se convertam. Semelhante visão teve Sóror Joana de Jesus e de Maria. Meditando
na perseguição feita ao Menino Deus por Herodes, ouviu um ruído, como se gente
armada andasse perseguindo alguém. Viu em seguida um menino muito formoso
que, completamente esgotado, buscava refúgio junto dela. Joana - disse-lhe o
Menino - ajuda-me a esconder-me; estou fugindo dos pecadores, que, como
Herodes, me perseguem e querem matar.
ORAÇÃO
Assim, pois,
ó Maria, nem depois de Vosso Filho ter sido imolado pelos homens, que O
perseguiram até à morte, cessaram esses ingratos de persegui-lO com seus
pecados, e de afligir-Vos, ó Mãe dolorosa? E eu mesmo, ó meu Deus, não tenho
sido um desses ingratos? Ah! minha Mãe dulcíssima, impetrai-me lágrimas para
chorar tanta ingratidão. E pelas muitas penas que sofrestes na viagem para o
Egito, assisti-me com Vosso auxílio na viagem que estou fazendo para a
eternidade, afim de que possa um dia ir amar convosco meu Salvador perseguido,
na pátria dos bem-aventurados. Amém.
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Vas
Honorabile
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