Na Primavera de 2011 a Ajuda à Igreja que Sofre
pediu-me para viajar até ao Paquistão para fazer a produção de documentários
sobre a Igreja que sofre para a Rede Católica de Rádio e Televisão (CRTN). Um
passo enorme, pensei eu. Até agora nunca tínhamos sido enviados para “a
guerra”. As únicas notícias que surgiam na altura sobre o Paquistão referiam-se
a assassinatos, explosões e atividades dos talibãs paquistaneses. A Páscoa
aproximava-se a passos largos. Como preparação, na comunidade de Sant’Egidio
líamos fragmentos do testemunho de Shahbaz Bhatti, apenas um mês depois de ter
sido morto.
As suas palavras eram notáveis: “Lembro-me, foi
Sexta-feira Santa, tinha apenas 13 anos de idade, ouvi uma homilia sobre o
sacrifício de Jesus, como deu a redenção e a salvação para o mundo. Foi nesse
momento que pensei em refletir sobre o amor de Jesus por nós, que me levou a
sacrificar a minha vida, servindo os cristãos, especialmente os pobres,
necessitados, perseguidos e vitimados neste país islâmico.” Continuou: “Não
quero popularidade, não quero nenhum cargo. Só quero um lugar aos pés de Jesus.
Quero que a minha vida, o meu carácter, as minhas ações falem por mim e que
mostrem que eu sigo a Jesus Cristo. Por causa deste desejo, eu ainda me
consideraria mais feliz se – neste esforço e nesta luta para ajudar os cristãos
paquistaneses perseguidos e assassinados – Jesus Cristo aceitasse o sacrifício
da minha vida. Quero viver para Cristo e quero morrer por Ele.”
Senti-me envergonhada. Decidi que queria ir para o
Paquistão, para tentar contar a história deste homem. Uns meses mais tarde
chegávamos em Karachi, com o Padre Andrzej Halemba (chefe do departamento de
projetos para o Oriente Médio) e uma equipa da AIS. Um ano mais tarde
conseguimos voltar com uma equipa de filmagem.
Shahbaz Bhatti nasceu em 1968 na aldeia punjabi
cristã de Khuspur – um dos poucos lugares no mapa islâmico do Paquistão.
“Estudamos numa escola cristã e vivemos numa aldeia cristã, e não tínhamos
problemas, mas na escola do Estado, onde a maioria dos alunos professavam uma
fé diferente, era diferente. Ele ficou surpreso como tantos se mostravam
reservados, dizendo que não podiam comer com os cristãos, do mesmo prato e com
os mesmos talheres. Para ele foi muito, muito estranho. Ficou mesmo zangado,
julgando aquilo desumano,” lembra o seu irmão Paul.
Com o tempo, e cada vez mais claramente, Shahbaz
começou a compreender verdadeiramente a realidade que a minoria cristã, de
apenas 2% da população, vivia no Paquistão. A maioria eram pobres, sem recurso
à educação, sofrendo descriminação no trabalho, pressionados a se converterem
ao Islã, tratados em desigualdade perante a lei, mas principalmente ameaçados
por leis contra a blasfêmia.
O Padre Pevez Emmanuel, que conhecia Shahbaz desde
criança, se lembra não só como o sentido de justiça do garoto o impressionou,
mas também a profundidade da sua fé. Uma fé nutrida pela oração diária, da
Palavra de Deus, assim como a solidariedade, a compaixão e a relação franca com
os pobres. Embora viesse de uma família razoavelmente próspera e com estudos,
passava dias inteiros com pastores de burros, trabalhadores da fábrica de
tijolos e limpadores de rua, tentando compreendê-los e ajudá-los materialmente.
Na escola secundária começou a atrair outros para esta sua iniciativa, e em
pouco tempo fundou a "Frente de Libertação Cristã", que com o tempo
se tornou a Aliança das Minorias Paquistanesas (APMA). Uma organização que
abrange cristãos descriminados assim como hindus, budistas e representantes de
outras minorias religiosas. Onde algo estivesse acontecendo – violência, abusos
sexuais, cheias, tremores de terra… - eles estavam lá.
“Ele estava sempre pronto para ir ao encontro das
vítimas, onde quer que estivessem. Via-se como ele se compadecia delas. Em
alguns lugares chorou por elas. Ele sentia o que as pessoas sentiam.” Relembra
o Padre Bonnie Mendes. Muitos muçulmanos, por quem tinha bastante respeito,
eram seus amigos. Tinha imenso orgulho de ser paquistanês. Acreditava no
Paquistão que Muhammed Ali Jinnah, o fundador do país, dizia que queria, um
país baseado no Islã, mas pluralista, no qual pessoas de todas as religiões
pudessem encontrar um lugar seguro. “Era definitivamente um homem com um sonho,
com uma visão, que pessoas de profissões de fé diferentes pudessem aqui viver
juntas.” acredita o Arcebispo Joseph Coutts de Karachi.
A sua busca corajosa para realizar este sonho o
levou, no final do ano 2008, a ser nomeado ministro federal para as Minorias
num Governo constituído pelo partido de Benazir Bhutto, que também tinha sido
assassinado. Em pouco tempo conseguiu introduzir uma lei que garantia 5% dos
cargos públicos às minorias, incluindo no Parlamento. Tornou-se um ministro
comprometido em situações difíceis que cidadãos comuns tinham que enfrentar,
entre outros Asia Bibi – uma esposa católica mãe de 5 filhos, condenada à morte
por blasfêmia. As suas críticas quanto ao uso indevido das leis contra a
blasfêmia resultaram num número cada vez maior de ameaças contra ele. Mesmo
consciente do perigo crescente, claramente não querendo morrer, nem procurando
a morte, ele decidiu não desistir do seu compromisso de ajudar as minorias
religiosas descriminadas. No dia 2 de março 2011 o seu carro foi pulverizado de
balas à porta da sua casa em Islamabad. 27 balas encontraram o seu alvo.
Dois anos antes da sua morte, em mais uma citação
de um livro que se tornou o seu testamento espiritual (Christiani in Pakistan.
Nelle prove la speranza, Marcianum Press, Venezia 2008), Bhatti escreveu “O meu
corpo humano está ferido, mas estas feridas não são feridas físicas, são
feridas de preocupação, de sofrimento, de tristeza e dor pelos cristãos
perseguidos no Paquistão, pelos cristãos necessitados e oprimidos. Somos uma
família juntamente com os que estão necessitados. Tal como numa família,
devemos partilhar o sofrimento e a tristeza uns dos outros.” Estou
absolutamente convencida de que estas palavras se mantêm relevantes hoje, tanto
para mim como para todos nós.
Magdalena
Wolnik
CRTN/ACN
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Ajuda à
Igreja que Sofre
ACN Brasil
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