DEPARTAMENTO
PARA AS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS
DO SUMO PONTÍFICE
DO SUMO PONTÍFICE
VIA-SACRA
NO COLISEU
NO COLISEU
PRESIDIDA
POR SUA SANTIDADE
O PAPA FRANCISCO
O PAPA FRANCISCO
ROMA,
14 DE ABRIL DE 2017
SEXTA-FEIRA SANTA
DO ANO 2017
SEXTA-FEIRA SANTA
DO ANO 2017
MEDITAÇÕES
preparadas por
Anne-Marie Pelletier
preparadas por
Anne-Marie Pelletier
INTRODUÇÃO
Por fim, a Hora
chegou. O caminho de Jesus pelas estradas poeirentas da Galileia e da Judeia,
ao encontro dos corpos e dos corações atribulados, impelido pela urgência de
anunciar o Reino…, esse caminho detém-se aqui, hoje. Na colina do Gólgota. Hoje
a cruz atravanca a estrada. Jesus não irá mais longe.
Impossível ir mais longe!
Aqui o amor de Deus obtém a sua medida
plena: amor sem medida.
Hoje, o amor do Pai, que deseja que todos os
homens se salvem por intermédio do Filho, vai até ao extremo, onde deixamos de
ter palavras, onde ficamos desorientados, onde a nossa religiosidade é
ultrapassada pelo excesso dos desígnios de Deus.
Com efeito, o sucedido no Gólgota é, contra
todas as aparências, questão de vida, de graça e de paz. Trata-se, não do reino
do mal que conhecemos demasiado bem, mas da vitória do amor.
E, precisamente sob a mesma cruz, trata-se
do nosso mundo, com todas as suas quedas e os seus sofrimentos, os seus apelos
e as suas revoltas, tudo aquilo que clama a Deus, hoje, a partir das terras de miséria
ou de guerra, nas famílias dilaceradas, nas prisões, nas barcaças
sobrecarregadas de migrantes…
Tantas lágrimas, tanta miséria no cálice que
o Filho bebe por nós.
Tantas lágrimas, tanta miséria que não
acabam perdidas no oceano do tempo, mas são recolhidas por Ele, para ser
transfiguradas no mistério de um amor em que o mal é consumido.
É da invencível fidelidade de Deus à nossa
humanidade que se trata no Gólgota. É um nascimento que lá se realiza!
Devemos ter a coragem de dizer que a alegria
do Evangelho é a verdade deste momento!
Se o nosso olhar não alcança esta verdade,
então continuamos prisioneiros nas redes do sofrimento e da morte. E tornamos
vã, para nós, a Paixão de Cristo.
Oração
Senhor, os nossos olhos estão ofuscados.
Como acompanhar-Vos tão longe? «Misericórdia» é o vosso nome. Mas este nome é
uma loucura. Rompam-se os odres velhos dos nossos
corações! Curai o nosso olhar para que se ilumine com a boa notícia do
Evangelho, na hora em que estamos ao pé da Cruz do vosso Filho. E nós poderemos
celebrar «a largura, o comprimento, a altura e a profundidade» (Ef 3, 18) do amor de Cristo, com o
coração consolado e encandeado.
I ESTAÇÃO
Jesus é condenado à morte
Do Evangelho segundo São Lucas
Quando amanheceu, reuniu-se o Conselho dos
anciãos do povo, Sumos sacerdotes e doutores da Lei, que O levaram ao Sinédrio
(22, 66).
Do Evangelho segundo São Marcos
E todos sentenciavam que Ele era réu de
morte. Depois, alguns começaram a cuspir-Lhe, a cobrir-Lhe o rosto com um véu
e, batendo-Lhe, a dizer: «Profetiza!» E os guardas davam-Lhe bofetadas (14,
64-65).
Meditação
Não foram necessários muitos debates para se
pronunciarem os homens do Sinédrio. Já há muito tempo que a causa estava
decidida. Jesus deve morrer!
Já pensavam assim aqueles que queriam
atirá-Lo pela encosta abaixo da colina, quando, na sinagoga de Nazaré, Jesus
abrira o livro e aplicara a Si mesmo as palavras de Isaías: «O Espírito do
Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu para (…) proclamar um ano favorável da
parte do Senhor» (Lc 4,
18.19).
Já quando curara o paralítico na piscina de
Betzatá, inaugurando o sábado de Deus que liberta de todas as escravidões, se
multiplicaram as murmurações homicidas contra Ele (cf. Jo 5, 1-18).
E ao longo do último trecho de estrada,
enquanto subia a Jerusalém para a Páscoa, o nó fora-se inexoravelmente
apertando: Ele não mais escaparia aos seus inimigos (cf. Jo 11, 45-57).
Mas devemos ir, com a memória, ainda mais
longe começando de Belém. Desde os dias do seu nascimento, Herodes decretara
que Ele devia morrer. A espada dos esbirros do rei usurpador massacrou os
meninos de Belém. Então, Jesus escapou à sua fúria; mas só durante um certo
tempo. A verdade é que a sua não passava duma vida pendente. No pranto de
Raquel pelos seus filhos que já não existem, ressoa, intermitente, a dolorosa
profecia que Simeão anunciará a Maria (cf. Mt 2, 16-18; Lc 2, 34-35).
Oração
Senhor Jesus, Filho predileto, que viestes
visitar-nos, passando entre nós a fazer o bem, trazendo de volta à vida aqueles
que habitam na sombra da morte, Vós conheceis os nossos corações tortuosos. Afirmamos
ser amigos do bem e de querer a vida; mas somos pecadores e cúmplices da morte.
Proclamamo-nos vossos discípulos, mas tomamos estradas que se perdem longe dos
vossos pensamentos, longe da vossa justiça e da vossa misericórdia. Não nos
abandoneis às nossas violências. Que não se esgote a vossa paciência para conosco.
Livrai-nos do mal!
Pater noster
«Meu
Povo, que mal te fiz Eu? Em que te contristei? Responde-me».
II ESTAÇÃO
Jesus é renegado por Pedro
Do Evangelho segundo São Lucas
Cerca de uma hora mais tarde, um outro
afirmou com insistência: «Com certeza este estava com Ele; além disso, é
galileu». Pedro respondeu: «Homem, não sei o que dizes». E, no mesmo instante,
estando ele ainda a falar, cantou um galo. Voltando-Se, o Senhor fixou os olhos
em Pedro; e Pedro recordou-se da palavra do Senhor, quando lhe disse: «Hoje,
antes de o galo cantar, irás negar-Me três vezes». E, vindo para fora, chorou
amargamente (22, 59-62).
Meditação
No pátio do Sinédrio, ao redor dum braseiro,
Pedro e mais alguém aquecem-se naquelas horas frias da noite, entrecortadas por
idas e vindas febris. No interior, a sorte de Jesus está prestes a ser
decidida, frente a frente com os seus acusadores. Pedirão a sua morte.
Como uma maré que sobe, ao redor cresce a
hostilidade. Como se incendeia o restolho, assim cresce e se multiplica o ódio.
Bem depressa uma multidão vociferante vai exigir de Pilatos a graça para
Barrabás e a condenação de Jesus.
Difícil declarar-se amigo de um condenado à
morte, sem ser traspassado por um arrepio de terror. A intrépida fidelidade de
Pedro não consegue resistir às suspeitas da criada, a porteira do lugar.
Reconhecer que é discípulo do rabi galileu,
seria dar mais peso à fidelidade a Jesus do que à própria vida! Quando se exige
tal coragem, a verdade tem dificuldade em encontrar testemunhas... Os homens
estão feitos de um modo tal, que muitos preferem a mentira à verdade; e Pedro
pertence à nossa humanidade. Trai, por três vezes. Depois cruza-se com o olhar
de Jesus. E as suas lágrimas caem, amargas e contudo doces, como água que lava
a imundície.
Brevemente, alguns dias mais tarde, junto
doutras brasas acesas, na margem do lago, Pedro reconhecerá o seu Senhor
ressuscitado, que lhe confiará o cuidado das suas ovelhas. Pedro aprenderá o
perdão sem medida que o Ressuscitado pronuncia sobre todas as nossas traições.
E terá parte numa fidelidade que, a partir de então, lhe fará aceitar a própria
morte como uma oferta unida à de Cristo.
Oração
Senhor, nosso Deus, quisestes que fosse
Pedro, o discípulo renegado e perdoado, a receber o encargo de guiar o vosso
rebanho. Imprimi nos nossos corações a confiança e a alegria de saber que, em
Vós, podemos atravessar os precipícios do medo e da infidelidade. Fazei que,
instruídos por Pedro, todos os vossos discípulos sejam as testemunhas do olhar
que Vós pousais sobre as nossas quedas. Que jamais as nossas durezas ou os
nossos desesperos tornem vã a Ressurreição do vosso Filho!
Pater
noster
Cristo
morto pelos nossos pecados,
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.
III ESTAÇÃO
Jesus e Pilatos
Do Evangelho segundo São Marcos
Logo de manhã, os sumos sacerdotes
reuniram-se em conselho com os anciãos e os doutores da Lei e todo o Sinédrio;
e, tendo manietado Jesus, levaram-No e entregaram-No a Pilatos. (…) Os sumos
sacerdotes acusavam-No de muitas coisas. (…) Pilatos, desejando agradar à
multidão, soltou-lhes Barrabás; e, depois de mandar flagelar Jesus, entregou-O
para ser crucificado (15, 1.3.15).
Do Evangelho segundo São Mateus
Pilatos, vendo que nada conseguia e que o
tumulto aumentava cada vez mais, mandou vir água e lavou as mãos na presença da
multidão, dizendo: «Estou inocente deste sangue. Isso é convosco» (27, 24).
Do Livro do Profeta Isaías
Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas
perdidas, cada um seguindo o seu caminho. Mas o Senhor carregou sobre Ele todos
os nossos crimes (53, 6).
Meditação
Roma de César Augusto, a nação civilizadora,
cujas legiões se propõem como missão conquistar os povos para lhes levar os
benefícios do seu justo ordenamento.
Roma, presente também na Paixão de Jesus na
pessoa de Pilatos, o representante do Imperador, o garante do direito e da
justiça em terra estrangeira.
E contudo o próprio Pilatos, que declara não
encontrar qualquer culpa em Jesus, é aquele que ratifica a sua condenação à
morte. No Pretório, onde Jesus é processado, a verdade vem à luz: a justiça dos
gentios não é superior à do Sinédrio dos judeus!
Sem dúvida este Justo, que, por estranhos
motivos, atrai sobre Si os pensamentos homicidas do coração humano, reconcilia
judeus e gentios. Por agora, porém, fá-lo tornando-os igualmente cúmplices da
morte d’Ele mesmo. Todavia vai chegar o momento – antes, está perto – em que
este Justo os reconciliará de outra forma, por meio da Cruz e dum perdão que os
alcançará a todos, judeus e gentios, e juntos os curará das suas covardias e
libertá-los-á da sua violência comum.
Única condição para se ter parte neste dom:
será confessar a inocência do único Inocente, o Cordeiro de Deus imolado pelo
pecado do mundo; será renunciar à presunção que murmura dentro de nós: «Estou
inocente do sangue deste homem»; será declarar-se culpado, confiando que um
amor infinito envolve a todos, judeus e gentios, e que Deus chama a todos para
se tornarem seus filhos.
Oração
Senhor, nosso Deus, diante de Jesus entregue
e condenado, nada mais sabemos fazer que desculpar-nos e acusar os outros.
Durante muito tempo nós, cristãos, atribuímos a Israel, vosso povo, o peso da
vossa condenação à morte. Durante muito tempo, ignoramos que devíamos
reconhecer-nos todos cúmplices no pecado, para sermos todos salvos pelo sangue
de Jesus crucificado. Concedei-nos a graça de reconhecer, no vosso Filho, o
Inocente: o único em toda a história. Ele que aceitou ser «feito pecado por
nós» (cf. 2 Cor 5, 21), para que, por seu intermédio,
pudésseis reencontrar-nos a nós, humanidade recriada na inocência em que nos
criastes e na qual nos constituís vossos filhos.
Pater noster
Meu
Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?
IV ESTAÇÃO
Jesus, rei da glória
Do Evangelho segundo São Marcos
Os soldados levaram-No para dentro do pátio,
isto é, para o pretório, e convocaram toda a coorte. Revestiram-No de um manto
de púrpura e puseram-Lhe uma coroa de espinhos, que tinham entretecido. Depois
começaram a saudá-Lo: «Salve! O Rei dos judeus!» (15, 16-18).
Do Livro do profeta Isaías
Vimo-Lo sem aspeto atraente, desprezado e
abandonado pelos homens, como alguém cheio de dores, habituado ao sofrimento,
diante do qual se tapa o rosto, menosprezado e desconsiderado. Na verdade, Ele
tomou sobre Si as nossas doenças, carregou as nossas dores. Nós O reputávamos
como um leproso, ferido por Deus e humilhado (53, 2-4).
Meditação
Banalidade do mal. São inúmeros os homens,
as mulheres e até as crianças abusados, humilhados, torturados, assassinados,
sob todas as dimensões do céu e em cada momento da história.
Sem buscar proteção na condição divina que
Lhe é própria, Jesus integra-Se no terrível cortejo dos sofrimentos que o homem
inflige ao homem. Conhece o abandono dos humilhados e dos mais desvalidos.
Mas, que ajuda nos pode dar o sofrimento de
mais um inocente?
Aquele que é um de nós é, antes de mais
nada, o Filho predileto do Pai, que vem cumprir toda a justiça com a sua
obediência.
E, de repente, todos os sinais se invertem.
Eis que as palavras e os gestos de zombaria dos seus torturadores nos desvendam
– ó paradoxo absoluto – a verdade insondável: a verdadeira e única realeza,
manifestada como um amor que nada mais quis saber senão a vontade do Pai e o
seu desejo que todos os homens se salvem. «Não quiseste sacrifícios nem
oblações (…). Então eu disse: “Aqui estou! No livro da Lei está escrito aquilo
que devo fazer”» (Sal 40/39,
7.8).
Proclama-o esta hora de Sexta-feira Santa:
há apenas uma glória neste mundo e no próximo, a glória de conhecer e cumprir a
vontade do Pai. Nenhum de nós pode aspirar a uma dignidade maior do que ser
filho n’Aquele que, por nós, Se fez obediente até à morte de cruz.
Oração
Senhor, nosso Deus, nós Vos pedimos: Neste
dia santo que leva a cumprimento a revelação, derrubai os ídolos em nós e no
nosso mundo. Vós conheceis o seu poder sobre as nossas mentes e os nossos
corações. Derrubai em nós as figuras enganadoras do sucesso e da glória. Derrubai
em nós as imagens que sempre reaparecem de um Deus à medida dos nossos
pensamentos, um Deus distante, tão diferente do rosto revelado na Aliança e que
se manifesta hoje em Jesus, para além de toda a previsão, acima de toda a
esperança. Ele que confessamos como o «resplendor da [vossa] glória» (Heb 1,3). Fazei que entremos na alegria
eterna, que nos faz aclamar, em Jesus vestido de púrpura e coroado de espinhos,
o rei da glória que é cantado no Salmo: «Ó portas, levantai os vossos umbrais!
Alteai-vos, pórticos eternos, que vai entrar o rei da glória» (24, 9).
Pater
noster
Ó portas, levantai os vossos umbrais!
Alteai-vos, pórticos eternos,
que vai entrar o rei da glória.
Alteai-vos, pórticos eternos,
que vai entrar o rei da glória.
V ESTAÇÃO
Jesus carrega a cruz
Do Livro das Lamentações
Ó vós todos que passais pelo caminho, olhai
e vede se existe dor igual à dor que me atormenta, pois o Senhor feriu-me no
dia da sua ardente cólera (1, 12).
Do Salmo 146
Feliz de quem tem por auxílio o Deus de Jacob,
de quem põe a sua esperança no Senhor, seu Deus. (…) O Senhor liberta os
prisioneiros. O Senhor dá vista aos cegos, o Senhor levanta os abatidos (…). O
Senhor protege os que vivem em terra estranha e ampara o órfão e a viúva»
(146/145, 5.7-8.9).
Meditação
Ao longo do duro caminho do Gólgota, Jesus
não carregou a cruz como um troféu! Não se parece nada com os heróis da nossa
fantasia que abatem, triunfantes, os seus inimigos malvados.
Passo a passo foi caminhando, o corpo sempre
mais pesado e mais lento. Sentiu a sua carne ferida pelo madeiro do suplício,
as pernas enfraquecidas sob a carga.
De geração em geração, a Igreja meditou
sobre este caminho marcado por tropeções e quedas.
Jesus cai, levanta-Se; depois cai de novo,
retoma o caminho desgastante, provavelmente sob os golpes dos guardas que o
escoltam, porque é assim que são tratados, maltratados, os condenados neste
mundo.
Aquele que fez levantar os corpos do leito,
endireitar a mulher corcunda, arrancar do leito de morte a filha de Jairo, pôs
de pé tantos aflitos, ei-Lo hoje afundado no pó.
O Altíssimo está caído por terra.
Fixemos o olhar em Jesus. Através d’Ele, o
Altíssimo ensina-nos – lição incrível – que é ao mesmo tempo o mais Humilde,
pronto a descer até nós, e ainda mais abaixo se necessário, para que ninguém se
perca nos tugúrios da própria miséria.
Oração
Senhor, nosso Deus, Vós desceis nas
profundezas da nossa noite, sem pôr limites à vossa humilhação, porque é nela
que alcançais a terra, frequentemente ingrata, por vezes devastada, das nossas
vidas. Nós Vos suplicamos: fazei que a vossa Igreja possa testemunhar que, em
Vós, o Altíssimo e o mais Humilde são um único rosto. Concedei-lhe a graça de
levar, a todos aqueles que caem, a boa-nova do Evangelho: não há queda que
possa subtrair-se à vossa misericórdia; não há perda, nem abismo de tal forma
profundo onde Vós não possais reencontrar quem se extraviou.
Pater noster
Eis
que venho, ó Deus, para fazer a vossa vontade.
VI ESTAÇÃO
Jesus e Simão de Cirene
Do Evangelho segundo São Lucas
Quando O iam conduzindo, lançaram mão de um
certo Simão de Cirene, que voltava do campo, e carregaram-no com a cruz atrás
de Jesus (23, 26).
Do Evangelho segundo São Mateus
«Senhor, quando foi que Te vimos com fome e
Te demos de comer, ou com sede e Te demos de beber? Quando Te vimos peregrino e
Te recolhemos, ou nu e Te vestimos? E quando Te vimos doente ou na prisão, e
fomos visitar-Te?» (25, 37-39).
Meditação
Jesus tropeça ao longo do caminho, os ombros
esmagados sob o peso da cruz. Mas é preciso avançar, caminhar mais e mais,
porque a meta da trupe que pressiona Jesus, é o Gólgota, o sinistro «Lugar da
Caveira», fora das muralhas da cidade, naquele momento passa por ali um homem,
de braços robustos. Parece alheio aos acontecimentos do dia. Está regressando a
casa, desconhecendo totalmente a história do rabi Jesus, quando se vê recrutado
pelos guardas para levar a cruz.
Que terá ele sabido do condenado impelido
pelos guardas para o suplício? Que poderia conhecer d’Aquele que «já não tinha
aspeto de homem», como o servo desfigurado de Isaías.
Acerca da sua surpresa, porventura duma
recusa inicial, da compaixão que o tocou, nada nos é dito. O Evangelho
conservou apenas a recordação do seu nome: Simão, originário de Cirene. Porém o
Evangelho quis trazer até nós o nome deste líbio e o seu gesto humilde de
ajuda, nomeadamente para nos ensinar que, ao aliviar as dores dum condenado à
morte, Simão aliviou a dor de Jesus, o Filho de Deus, que cruzou a sua estrada
na condição de escravo que assumira por nós, que assumira por ele, para a
salvação do mundo. Sem que ele o soubesse.
Oração
Senhor, nosso Deus, revelastes-nos que, em
cada pobre que está nu, preso, sedento, sois Vós que nos apareceis, e sois Vós
que nós acolhemos, visitamos, vestimos, dessedentamos: «Era peregrino e
recolhestes-Me, estava nu e destes-Me que vestir, adoeci e visitastes-Me,
estive na prisão e fostes ter comigo» (Mt 25, 35-36). Mistério do vosso encontro
com a nossa humanidade! Assim vindes ter com cada homem! Ninguém está excluído
deste encontro, se aceitar ser homem de compaixão. Nós Vos apresentamos, como
uma oferta santa, todos os gestos de bondade, hospitalidade e dedicação que dia
a dia são feitos neste mundo. Dignai-Vos reconhecê-los como a verdade da nossa
humanidade, que fala mais alto que todos os gestos de rejeição e de ódio.
Dignai-Vos abençoar os homens e as mulheres de compaixão que Vos dão glória,
mesmo que não saibam ainda pronunciar o vosso nome.
Pater
noster
Cristo morto pelos nossos pecados,
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.
VII ESTAÇÃO
Jesus e as filhas de Jerusalém
Do Evangelho segundo
São Lucas
Seguiam Jesus uma grande multidão de povo e
umas mulheres que batiam no peito e se lamentavam por Ele. Jesus voltou-Se para
elas e disse-lhes: «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim, chorai antes por
vós mesmas e pelos vossos filhos. (…) Porque, se tratam assim a árvore verde, o
que não acontecerá à seca?» (23, 27-28.31).
Meditação
O pranto que Jesus confia às filhas de
Jerusalém como uma obra de compaixão, tal pranto das mulheres nunca falta neste
mundo.
Desce silenciosamente pelas faces das
mulheres. E mais vezes ainda, provavelmente de forma invisível no seu coração,
como as lágrimas de sangue de que fala Catarina de Sena.
Não que as lágrimas estejam reservadas às
mulheres, como se a sua sorte fosse a de chorar, passivas e impotentes, dentro
duma história que só os homens deveriam escrever.
Na verdade, os seus lamentos são também, e
antes de mais nada, todos aqueles que elas recolhem, longe de todo o olhar e de
toda a celebração, num mundo onde há muito para se chorar. Pranto das crianças
aterrorizadas, dos feridos nos campos de batalha que invocam uma mãe, pranto
solitário dos doentes e dos moribundos no limiar do desconhecido. Pranto de
desvario, que corre pela face deste mundo que foi criado, no primeiro dia, para
lágrimas de alegria, na exultação comum do homem e da mulher.
E também Etty Hillesum, mulher forte de
Israel que se manteve de pé na tempestade da perseguição nazista e que defendeu
até ao último momento a bondade da vida, nos sugere ao ouvido este segredo que
ela intuiu no fim da sua estrada: há lágrimas para consolar no rosto de Deus,
quando chora pela miséria dos seus filhos. No inferno que submerge o mundo, ela
ousa rezar a Deus: «Procurarei ajudar-Te», diz-Lhe. Audácia tão feminina e tão
divina!
Oração
Senhor, nosso Deus, Deus de ternura e de
compaixão, Deus cheio de amor e fidelidade, ensinai-nos, nos nossos dias
felizes, a não desprezar as lágrimas dos pobres que clamam por Vós e que nos
pedem ajuda. Ensinai-nos a não passar indiferentes junto deles. Ensinai-nos a
ter a coragem de chorar com eles. Ensinai-nos também, na noite dos nossos sofrimentos,
das nossas solidões e das nossas deceções, a ouvir a palavra de graça que Vós
nos revelastes na montanha: «Felizes os que choram, porque serão
consolados» (Mt 5,
4).
Pater noster
Cristo
morto pelos nossos pecados,
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.
VIII ESTAÇÃO
Jesus é despojado das suas vestes
Do Evangelho segundo São João
Os soldados, depois de terem crucificado Jesus,
pegaram na roupa d’Ele e fizeram quatro partes, uma para cada soldado, exceto a
túnica (19, 23).
Do Livro de Job
«Saí nu do ventre da minha mãe,
e nu voltarei para lá» (1, 21).
Meditação
O corpo humilhado de Jesus acaba desnudado.
Exposto aos olhares de escárnio e desprezo. O corpo de Jesus coberto de chagas
e destinado ao suplício extremo da crucifixão. Humanamente falando, que mais se
poderia fazer senão baixar os olhos para não aumentar a sua desonra?
Mas o Espírito vem em ajuda da nossa
confusão. Ensina-nos a compreender a linguagem de Deus, a linguagem da kenosi, este abaixamento de
Deus para nos alcançar onde estamos. É esta linguagem de Deus que nos fala o
teólogo ortodoxo Christos Yannaras: «Linguagem da kenosi: Jesus menino nu na
manjedoura; despojado no rio enquanto recebe o batismo como um servo; suspenso
na árvore da cruz, nu, como um malfeitor. Através de tudo isso, Ele manifestou
o seu amor por nós».
Entrando neste mistério de graça, podemos
voltar a abrir os olhos sobre o corpo martirizado de Jesus. Então começamos a
vislumbrar o que os nossos olhos não podem ver: a sua nudez refulge da mesma
luz que irradiavam as suas vestes no momento da Transfiguração.
Luz que afugenta todas as trevas.
Luz irresistível do amor levado até ao
extremo.
Oração
Senhor, nosso Deus, colocamos diante dos
vossos olhos a multidão imensa dos homens que sofrem a tortura, a massa
assustadora dos corpos maltratados, tremendo de angústia ao aproximar-se os
golpes, agonizantes em tugúrios miseráveis. Nós Vos suplicamos, acolhei o seu
gemido. O mal deixa-nos sem voz nem ajuda. Mas Vós sabeis o que nós não
sabemos. Sabeis encontrar uma saída no caos e na escuridão do mal. Sabeis fazer
brilhar, já na Paixão do vosso Filho predileto, a vida da ressurreição. Aumentai
em nós a fé! Nós Vos apresentamos também a loucura dos torturadores e de quem
os comanda. Também esta nos deixa sem palavras... senão para Vos suplicar e
implorar, por entre lágrimas, com as palavras da oração que Vós nos ensinastes:
«Livrai-nos do mal»!
Pater noster
Cristo
morto pelos nossos pecados,
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.
IX ESTAÇÃO
Jesus é crucificado
Do Evangelho segundo São Lucas
Quando chegaram ao lugar chamado Calvário,
crucificaram-No a Ele e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus
dizia: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (23, 33-34).
Do Livro do profeta Isaías
O castigo que nos salva caiu sobre Ele,
fomos curados pelas suas chagas (53, 5).
Meditação
Verdadeiramente Deus está lá onde não
deveria estar!
O Filho predileto, o Santo de Deus, é aquele
corpo exposto numa cruz de infâmia, abandonado à desonra, no meio de dois
malfeitores. Homem das dores, de quem nos afastamos; para falar verdade, como
nos afastamos de muitos seres humanos desfigurados que cruzam as nossas
estradas.
O Verbo de Deus, em quem tudo foi criado,
não passa de uma carne muda e sofredora. A crueldade da nossa humanidade
assanhou-se contra Ele, e venceu. Sim, Deus está lá onde não deveria estar, mas
onde nós precisamos tanto que esteja!
Viera para partilhar conosco a sua vida.
«Tomai!», disse Ele sem cessar enquanto oferecia a sua cura aos doentes, o seu
perdão aos corações transviados, o seu corpo na ceia pascal.
Mas viu-Se caído nas nossas mãos, em
território de morte e violência: a violência que nos deixa atónitos na
atualidade do mundo; e a que se insinua em cada um. Bem o sabiam os monges
assassinados em Tibrine, que, à prece «Desarmai-os!», ajuntavam a súplica:
«Desarmai-nos!»
Era necessário que a doçura de Deus
visitasse o nosso inferno; era a única maneira de nos livrar do mal.
Era necessário que Jesus Cristo trouxesse a
ternura infinita de Deus até ao coração do pecado do mundo.
Era necessário isto para que a morte,
colocada perante a vida de Deus, recuasse e caísse, como um inimigo que
encontrou alguém mais forte do que ele, e desaparece no nada.
Oração
Senhor, nosso Deus, acolhei o nosso louvor
silencioso. Como os reis que ficam boquiabertos diante da obra do Servo
revelada pela profecia de Isaías (cf. 52, 15), assim permanecemos estupefatos
diante do Cordeiro imolado pela vida nossa e do mundo; e confessamos que, pelas
vossas chagas, fomos curados. «Como retribuirei ao Senhor todos os seus
benefícios para comigo? (…) Hei de oferecer-Vos sacrifícios de louvor
invocando, Senhor, o vosso nome» (Sal 116, 12.17).
Pater
noster
Cristo morto pelos nossos pecados,
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.
X ESTAÇÃO
Jesus é escarnecido na cruz
Do Evangelho segundo São Lucas
Os chefes zombavam, dizendo: «Salvou os
outros; salve-Se a Si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito». Os soldados
também troçavam d’Ele. Aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam: «Se
és o rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo!» E por cima d’Ele havia uma
inscrição: «Este é o rei dos judeus». Ora, um dos malfeitores que tinham sido
crucificados insultava-O, dizendo: «Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e
a nós também» (23, 35-39).
«Se és Filho de Deus, diz a esta pedra que
se transforme em pão. (…) Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, pois está
escrito: (…) Os anjos hão de levar-Te nas suas mãos» (4, 3.9-11).
Meditação
Não poderia Jesus ter descido da cruz?
Dificilmente ousamos pôr-nos esta pergunta: porventura não a põe o Evangelho na
boca dos ímpios?
E todavia ela persegue-nos, na medida em que
nós ainda fazemos parte do mundo da tentação, que Jesus enfrentou durante
aqueles quarenta dias no deserto, prelúdio e início do seu ministério: «Se és
Filho de Deus, diz a esta pedra que se torne pão, atira-Te abaixo do pináculo
do templo, porque Deus vela por quem é seu amigo». Mas, na medida em que,
batizados na morte e ressurreição de Jesus Cristo, O seguimos no seu caminho,
os desafios do Maligno já não têm poder sobre nós, ficam reduzidos a nada, a
sua mentira é desvendada.
Descobre-se então a imperiosa necessidade
daquele «era necessário» (Lc 24,
26) que Jesus ensina com paciência e ardor àqueles que caminhavam pela estrada
de Emaús. «Era necessário» que Cristo entrasse nesta obediência e nesta
impotência, para nos alcançar na impotência a que nos reduziu a nossa
desobediência.
Começamos, assim, a entender que «só o Deus
sofredor pode salvar», como escrevia o pastor Dietrich Bonhoeffer poucos meses
antes de morrer assassinado, quando, experimentando até ao fundo o poder do
mal, pôde resumir, em tal verdade simples e vertiginosa, a profissão de fé
cristã.
Oração
Senhor nosso Deus, quem nos livrará das
ciladas do poder segundo o mundo? Quem nos livrará da tirania das mentiras, que
nos fazem exaltar os poderosos e, por nossa vez, correr atrás das falsas
glórias? Só Vós podeis converter os nossos corações. Só Vós podeis fazer-nos
amar as sendas da humildade. Só Vós..., que nos revelais que não há vitória
senão no amor, e tudo o resto não passa de palha que o vento leva, miragem que
desaparece face à vossa verdade. Nós Vos pedimos, Senhor: dissipai as mentiras
que aspiram a reinar nos nossos corações e no mundo. Fazei-nos viver segundo os
vossos caminhos, para que o mundo reconheça o poder da Cruz.
Pater
noster
Meu Deus, meu Deus, porque Me
abandonastes?
XI ESTAÇÃO
Jesus e sua Mãe
Do Evangelho segundo São João
Junto à cruz de Jesus estavam, de pé, sua
Mãe e a irmã de sua Mãe, Maria, a mulher de Clopas, e Maria Madalena. Então,
Jesus, ao ver ali ao pé a sua Mãe e o discípulo que Ele amava, disse à Mãe:
«Mulher, eis o teu filho!» Depois, disse ao discípulo: «Eis a tua Mãe!» E,
desde aquela hora, o discípulo acolheu-A como sua (19, 25-27).
Meditação
Maria, também Ela, chegou ao fim do caminho.
Ei-La chegada àquele dia de que falava o velho Simeão. Quando levantara com
seus braços trémulos o Menino, e a sua ação de graças se prolongou em palavras
misteriosas, que entrelaçavam conjuntamente drama e esperança, dor e salvação.
«Este Menino – proclamara –está aqui para
queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma
espada trespassará a tua alma. Assim hão de revelar-se os pensamentos de muitos
corações» (Lc 2, 34-35).
Já a visita do anjo tinha feito ressoar no
seu coração o anúncio incrível: Deus escolhera a sua vida para fazer
desabrochar a novidade prometida a Israel, «o que os olhos não viram, os
ouvidos não ouviram» (1 Cor 2,
9; cf. Is64, 3). E Ela
consentira naquele projeto divino, que teria começado por subverter a sua carne
e teria depois acompanhado por caminhos imprevisíveis o filho nascido do seu
ventre.
Durante os dias tão comuns de Nazaré, depois
no tempo da vida pública, quando houve necessidade de dar espaço a outra
família, a dos discípulos, aqueles estranhos que Jesus fazia seus irmãos,
irmãs, mães, Ela conservara estas coisas no seu coração. Tinha-as confiado à
grande paciência da sua fé.
Hoje é o tempo da realização. A lâmina que
perfurou o lado do Filho, perfura também o coração d’Ela. Também Maria mergulha
na confiança sem apoio, em que Jesus vive profundamente a obediência ao Pai.
De pé, Ela não deserta. Stabat Mater. Na escuridão, mas
com a certeza de que Deus mantém as promessas. Na escuridão, mas com a certeza
de que Jesus é a promessa e o seu cumprimento.
Oração
Maria, Mãe de Deus e mulher da nossa raça,
Vós que nos gerais maternamente n’Aquele que gerastes, sustentai em nós a fé
nas horas tenebrosas, ensinai-nos a esperança contra toda a esperança. Guardai
a Igreja inteira numa vigilância fiel, como foi a vossa fidelidade,
humildemente dócil aos desígnios de Deus, que nos atraem para onde não
pensaríamos em ir; que nos associam, para além de todas as previsões, à obra da
salvação.
Pater
noster
Salve,
Regina, mater misericordiae;
vita, dulcedo et spes nostra, salve.
vita, dulcedo et spes nostra, salve.
XII ESTAÇÃO
Jesus morre na cruz
Do Evangelho segundo São João
Jesus disse: «Tenho sede!» Havia ali uma
vasilha cheia de vinagre. Então, ensopando no vinagre uma esponja fixada num
ramo de hissope, chegaram-Lha à boca. Quando tomou o vinagre, Jesus disse:
«Tudo está consumado». E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. (…) Ao
chegarem a Jesus, vendo que já estava morto, não Lhe quebraram as pernas. Porém
um dos soldados traspassou-Lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e
água. Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho delas e o seu testemunho
é verdadeiro. E ele bem sabe que diz a verdade, para vós crerdes também (19,
28-30.33-35).
Meditação
Agora, tudo está consumado. A tarefa de
Jesus está concluída. Saíra do Pai para a missão da misericórdia. Esta foi
cumprida com uma fidelidade levada até ao extremo do amor. Tudo está consumado.
Jesus entrega o seu espírito nas mãos do Pai.
É verdade que, aparentemente, tudo parece
cair no silêncio da morte que desce sobre o Gólgota e as três cruzes lá
erguidas. Neste dia da Paixão que está para terminar, quem passa por aquele
caminho, que pode compreender senão a derrota de Jesus, o colapso duma
esperança que havia encorajado a muitos, consolado os pobres, erguido os
humilhados, dando a entender aos discípulos que chegara o tempo em que Deus
realizaria as promessas anunciadas pelos profetas? Tudo isto parecia perdido,
destruído, caído por terra.
No meio de tanta decepção, porém, o
evangelista João faz-nos fixar os olhos num pequeno detalhe, detendo-se nele
com solenidade: água e sangue escorrem do peito do Crucificado. Oh maravilha! A
ferida aberta pela lança do soldado permite passar água e sangue que nos falam
de vida e de nascimento.
A mensagem é extremamente discreta, mas
muito eloquente para os corações que têm um pouco de memória. Do corpo de
Jesus, brota a fonte que o profeta viu sair do Templo. A fonte que cresce e se
torna um rio pujante, cujas águas curam e fecundam tudo aquilo que tocam à sua
passagem. Não definira Jesus, um dia, o seu corpo como o novo templo? E o
«sangue da aliança» acompanha a água. Não falara Jesus da sua carne e do seu
sangue como alimento para a vida eterna?
Oração
Senhor Jesus, nestes dias sagrados do
Mistério Pascal, renovai em nós a alegria do nosso Batismo. Contemplando a água
e o sangue que escorrem do vosso peito, ensinai-nos a reconhecer de que fonte é
gerada a nossa vida, de que amor está edificada a vossa Igreja, para qual
esperança nos escolhestes e enviastes a partilhar com o mundo. Aqui está a
fonte de vida que lava todo o universo, jorrando da chaga de Cristo. O nosso
Batismo seja para nós a única glória, numa ação de graças cheia de admiração.
Pater noster
O Cordeiro, que foi imolado,
é digno de receber o poder e a riqueza,
a sabedoria e a força,
a honra, a glória e o louvor,
pelos séculos dos séculos.
é digno de receber o poder e a riqueza,
a sabedoria e a força,
a honra, a glória e o louvor,
pelos séculos dos séculos.
XIII ESTAÇÃO
Jesus é descido da cruz
Do
Evangelho segundo São Lucas
José
de Arimateia, descendo-O da cruz, envolveu-O num lençol e depositou-O num
sepulcro talhado na rocha, onde ainda ninguém tinha sido sepultado (23, 53).
Meditação
Gestos de ternura e consideração pelo corpo
profanado e humilhado de Jesus. Encontram-se ao pé da cruz alguns homens e
mulheres. José, natural de Arimateia, homem «reto e justo» (Lc 23, 50), que pede o corpo a Pilatos,
como refere São Lucas; Nicodemos, aquele que fora ter com Jesus de noite,
acrescenta São João; e algumas mulheres que, obstinadamente fiéis, observam.
A meditação da Igreja quis juntar-lhes a
Virgem Maria, também Ela muito provavelmente presente naquele momento.
Maria, Mãe de piedade, que recebe nos seus
braços o corpo nascido da sua carne e que, ternamente, discretamente,
acompanhou no decorrer dos anos, como sempre cuida do próprio filho uma mãe.
Agora o corpo que Ela recolhe é imenso, como
a sua dor, como a nova criação que tem origem da paixão de amor que atravessou
o coração do filho e da mãe.
Agora, no grande silêncio que desceu depois
dos gritos dos soldados, das zombarias dos transeuntes e dos rumores da
crucifixão, os gestos são apenas de doçura, de respeitosa carícia. José desce o
corpo, que se abandona entre os seus braços. Envolve-o num lençol, depõe-no
dentro dum sepulcro inteiramente novo, que no jardim, mesmo ao lado, aguardava
o seu hóspede.
Jesus é arrancado das mãos dos seus
assassinos. Agora, na morte, encontra-se entre as mãos da ternura e da
compaixão.
A violência dos homens homicidas recuou para
muito longe. Voltou, ao lugar do suplício, a doçura.
Doçura de Deus e daqueles que Lhe pertencem,
os mansos de coração a quem Jesus prometeu um dia que haveriam de possuir a
terra. Doçura vinda da criação e do homem à imagem de Deus. Doçura do fim,
quando todas as lágrimas forem enxugadas, quando o lobo habitar com o cordeiro,
porque o conhecimento de Deus terá chegado a toda a carne (cf. Is 11, 6.9).
Cântico a Maria
Não choreis mais, Maria! O vosso filho,
nosso Senhor, adormeceu na paz. E o Pai d’Ele, na glória, abre as portas da
vida!
Alegrai-Vos, Maria! Jesus ressuscitado
venceu a morte!
Pater noster
Na vossa paz, Senhor, me deito,
adormeço
e acordo: Vós sois o meu apoio.
e acordo: Vós sois o meu apoio.
XIV ESTAÇÃO
Jesus no sepulcro e as mulheres
Do Evangelho segundo São Lucas
As mulheres que tinham vindo com Ele da
Galileia acompanharam José, observaram o túmulo e viram como o corpo de Jesus
fora depositado. Ao regressar, prepararam aromas e perfumes; e, durante o
sábado, observaram o descanso, conforme o preceito (23, 55-56).
Meditação
As mulheres foram-se embora. Aquele que
tinham acompanhado, caminhando tenazes e solícitas pelas estradas da Galileia,
já não está cá. Por companhia, nesta tarde, Ele não lhes deixa senão a visão
que nelas se gravou do seu túmulo e do lençol onde descansa agora. Recordação
pobre e preciosa de dias ardorosos que se foram. Solidão e silêncio. Aliás
aproxima-se shabbat, que
convida Israel a cessar o trabalho, como Deus o cessou quando completou a
criação, realizada sob a sua bênção.
Hoje trata-se de outra coisa que é levada a
cumprimento; por agora oculta e impenetrável. Shabbat,
dia em que devem permanecer imóveis, no recolhimento do coração e da memória
velada pelas lágrimas. E na preparação também dos perfumes e aromas com que
prestarão a sua última homenagem ao corpo d’Ele, amanhã, de manhãzinha cedo.
Mas, com aquele gesto, preparam-se apenas
para embalsamar a sua esperança? E se Deus tivesse preparado para a sua
solicitude uma resposta que elas não podem sequer prever, imaginar, intuir: a
descoberta dum túmulo vazio..., o anúncio de que Ele já não está ali, porque
despedaçou as portas da morte?
Oração
Senhor, nosso Deus, dignai-vos ver e
abençoar todos os gestos das mulheres que honram, neste mundo, a fragilidade
dos corpos que elas circundam de doçura e consideração. E a nós, que vos
acompanhamos ao longo deste caminho de amor até ao fim, dignai-vos guardar-nos,
com as mulheres do Evangelho, na oração e na esperança que sabemos
correspondidas pela ressurreição de Jesus, que a vossa Igreja se prepara para
celebrar no júbilo da Noite Pascal.
Pater
noster
A Vós a glória e o poder pelos
séculos dos séculos Amém.
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Santa Sé
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