terça-feira, 11 de abril de 2017

Meditações da Via-Sacra 2017 com o Papa Francisco


DEPARTAMENTO PARA AS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS
DO SUMO PONTÍFICE

VIA-SACRA
NO COLISEU

PRESIDIDA POR SUA SANTIDADE
O PAPA FRANCISCO

ROMA, 14 DE ABRIL DE 2017
SEXTA-FEIRA SANTA
DO ANO 2017


MEDITAÇÕES 
preparadas por
Anne-Marie Pelletier

INTRODUÇÃO

Por fim, a Hora chegou. O caminho de Jesus pelas estradas poeirentas da Galileia e da Judeia, ao encontro dos corpos e dos corações atribulados, impelido pela urgência de anunciar o Reino…, esse caminho detém-se aqui, hoje. Na colina do Gólgota. Hoje a cruz atravanca a estrada. Jesus não irá mais longe.

Impossível ir mais longe!

Aqui o amor de Deus obtém a sua medida plena: amor sem medida.

Hoje, o amor do Pai, que deseja que todos os homens se salvem por intermédio do Filho, vai até ao extremo, onde deixamos de ter palavras, onde ficamos desorientados, onde a nossa religiosidade é ultrapassada pelo excesso dos desígnios de Deus.

Com efeito, o sucedido no Gólgota é, contra todas as aparências, questão de vida, de graça e de paz. Trata-se, não do reino do mal que conhecemos demasiado bem, mas da vitória do amor.

E, precisamente sob a mesma cruz, trata-se do nosso mundo, com todas as suas quedas e os seus sofrimentos, os seus apelos e as suas revoltas, tudo aquilo que clama a Deus, hoje, a partir das terras de miséria ou de guerra, nas famílias dilaceradas, nas prisões, nas barcaças sobrecarregadas de migrantes…

Tantas lágrimas, tanta miséria no cálice que o Filho bebe por nós.

Tantas lágrimas, tanta miséria que não acabam perdidas no oceano do tempo, mas são recolhidas por Ele, para ser transfiguradas no mistério de um amor em que o mal é consumido.

É da invencível fidelidade de Deus à nossa humanidade que se trata no Gólgota. É um nascimento que lá se realiza!

Devemos ter a coragem de dizer que a alegria do Evangelho é a verdade deste momento!

Se o nosso olhar não alcança esta verdade, então continuamos prisioneiros nas redes do sofrimento e da morte. E tornamos vã, para nós, a Paixão de Cristo.

Oração

Senhor, os nossos olhos estão ofuscados. Como acompanhar-Vos tão longe? «Misericórdia» é o vosso nome. Mas este nome é uma loucura. Rompam-se os odres velhos dos nossos corações! Curai o nosso olhar para que se ilumine com a boa notícia do Evangelho, na hora em que estamos ao pé da Cruz do vosso Filho. E nós poderemos celebrar «a largura, o comprimento, a altura e a profundidade» (Ef 3, 18) do amor de Cristo, com o coração consolado e encandeado.  

I ESTAÇÃO
Jesus é condenado à morte

Do Evangelho segundo São Lucas

Quando amanheceu, reuniu-se o Conselho dos anciãos do povo, Sumos sacerdotes e doutores da Lei, que O levaram ao Sinédrio (22, 66).

Do Evangelho segundo São Marcos

E todos sentenciavam que Ele era réu de morte. Depois, alguns começaram a cuspir-Lhe, a cobrir-Lhe o rosto com um véu e, batendo-Lhe, a dizer: «Profetiza!» E os guardas davam-Lhe bofetadas (14, 64-65).

Meditação

Não foram necessários muitos debates para se pronunciarem os homens do Sinédrio. Já há muito tempo que a causa estava decidida. Jesus deve morrer!

Já pensavam assim aqueles que queriam atirá-Lo pela encosta abaixo da colina, quando, na sinagoga de Nazaré, Jesus abrira o livro e aplicara a Si mesmo as palavras de Isaías: «O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu para (…) proclamar um ano favorável da parte do Senhor» (Lc 4, 18.19).

Já quando curara o paralítico na piscina de Betzatá, inaugurando o sábado de Deus que liberta de todas as escravidões, se multiplicaram as murmurações homicidas contra Ele (cf. Jo 5, 1-18).

E ao longo do último trecho de estrada, enquanto subia a Jerusalém para a Páscoa, o nó fora-se inexoravelmente apertando: Ele não mais escaparia aos seus inimigos (cf. Jo 11, 45-57).

Mas devemos ir, com a memória, ainda mais longe começando de Belém. Desde os dias do seu nascimento, Herodes decretara que Ele devia morrer. A espada dos esbirros do rei usurpador massacrou os meninos de Belém. Então, Jesus escapou à sua fúria; mas só durante um certo tempo. A verdade é que a sua não passava duma vida pendente. No pranto de Raquel pelos seus filhos que já não existem, ressoa, intermitente, a dolorosa profecia que Simeão anunciará a Maria (cf. Mt 2, 16-18; Lc 2, 34-35).

Oração

Senhor Jesus, Filho predileto, que viestes visitar-nos, passando entre nós a fazer o bem, trazendo de volta à vida aqueles que habitam na sombra da morte, Vós conheceis os nossos corações tortuosos. Afirmamos ser amigos do bem e de querer a vida; mas somos pecadores e cúmplices da morte. Proclamamo-nos vossos discípulos, mas tomamos estradas que se perdem longe dos vossos pensamentos, longe da vossa justiça e da vossa misericórdia. Não nos abandoneis às nossas violências. Que não se esgote a vossa paciência para conosco. Livrai-nos do mal!

Pater noster

«Meu Povo, que mal te fiz Eu? Em que te contristei? Responde-me».

II ESTAÇÃO
Jesus é renegado por Pedro

Do Evangelho segundo São Lucas

Cerca de uma hora mais tarde, um outro afirmou com insistência: «Com certeza este estava com Ele; além disso, é galileu». Pedro respondeu: «Homem, não sei o que dizes». E, no mesmo instante, estando ele ainda a falar, cantou um galo. Voltando-Se, o Senhor fixou os olhos em Pedro; e Pedro recordou-se da palavra do Senhor, quando lhe disse: «Hoje, antes de o galo cantar, irás negar-Me três vezes». E, vindo para fora, chorou amargamente (22, 59-62).

Meditação

No pátio do Sinédrio, ao redor dum braseiro, Pedro e mais alguém aquecem-se naquelas horas frias da noite, entrecortadas por idas e vindas febris. No interior, a sorte de Jesus está prestes a ser decidida, frente a frente com os seus acusadores. Pedirão a sua morte.

Como uma maré que sobe, ao redor cresce a hostilidade. Como se incendeia o restolho, assim cresce e se multiplica o ódio. Bem depressa uma multidão vociferante vai exigir de Pilatos a graça para Barrabás e a condenação de Jesus.

Difícil declarar-se amigo de um condenado à morte, sem ser traspassado por um arrepio de terror. A intrépida fidelidade de Pedro não consegue resistir às suspeitas da criada, a porteira do lugar.

Reconhecer que é discípulo do rabi galileu, seria dar mais peso à fidelidade a Jesus do que à própria vida! Quando se exige tal coragem, a verdade tem dificuldade em encontrar testemunhas... Os homens estão feitos de um modo tal, que muitos preferem a mentira à verdade; e Pedro pertence à nossa humanidade. Trai, por três vezes. Depois cruza-se com o olhar de Jesus. E as suas lágrimas caem, amargas e contudo doces, como água que lava a imundície.

Brevemente, alguns dias mais tarde, junto doutras brasas acesas, na margem do lago, Pedro reconhecerá o seu Senhor ressuscitado, que lhe confiará o cuidado das suas ovelhas. Pedro aprenderá o perdão sem medida que o Ressuscitado pronuncia sobre todas as nossas traições. E terá parte numa fidelidade que, a partir de então, lhe fará aceitar a própria morte como uma oferta unida à de Cristo.

Oração

Senhor, nosso Deus, quisestes que fosse Pedro, o discípulo renegado e perdoado, a receber o encargo de guiar o vosso rebanho. Imprimi nos nossos corações a confiança e a alegria de saber que, em Vós, podemos atravessar os precipícios do medo e da infidelidade. Fazei que, instruídos por Pedro, todos os vossos discípulos sejam as testemunhas do olhar que Vós pousais sobre as nossas quedas. Que jamais as nossas durezas ou os nossos desesperos tornem vã a Ressurreição do vosso Filho!

Pater noster
Cristo morto pelos nossos pecados,
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.

III ESTAÇÃO
Jesus e Pilatos

Do Evangelho segundo São Marcos

Logo de manhã, os sumos sacerdotes reuniram-se em conselho com os anciãos e os doutores da Lei e todo o Sinédrio; e, tendo manietado Jesus, levaram-No e entregaram-No a Pilatos. (…) Os sumos sacerdotes acusavam-No de muitas coisas. (…) Pilatos, desejando agradar à multidão, soltou-lhes Barrabás; e, depois de mandar flagelar Jesus, entregou-O para ser crucificado (15, 1.3.15).

Do Evangelho segundo São Mateus

Pilatos, vendo que nada conseguia e que o tumulto aumentava cada vez mais, mandou vir água e lavou as mãos na presença da multidão, dizendo: «Estou inocente deste sangue. Isso é convosco» (27, 24).

Do Livro do Profeta Isaías

Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas perdidas, cada um seguindo o seu caminho. Mas o Senhor carregou sobre Ele todos os nossos crimes (53, 6).

Meditação

Roma de César Augusto, a nação civilizadora, cujas legiões se propõem como missão conquistar os povos para lhes levar os benefícios do seu justo ordenamento.

Roma, presente também na Paixão de Jesus na pessoa de Pilatos, o representante do Imperador, o garante do direito e da justiça em terra estrangeira.

E contudo o próprio Pilatos, que declara não encontrar qualquer culpa em Jesus, é aquele que ratifica a sua condenação à morte. No Pretório, onde Jesus é processado, a verdade vem à luz: a justiça dos gentios não é superior à do Sinédrio dos judeus!

Sem dúvida este Justo, que, por estranhos motivos, atrai sobre Si os pensamentos homicidas do coração humano, reconcilia judeus e gentios. Por agora, porém, fá-lo tornando-os igualmente cúmplices da morte d’Ele mesmo. Todavia vai chegar o momento – antes, está perto – em que este Justo os reconciliará de outra forma, por meio da Cruz e dum perdão que os alcançará a todos, judeus e gentios, e juntos os curará das suas covardias e libertá-los-á da sua violência comum.

Única condição para se ter parte neste dom: será confessar a inocência do único Inocente, o Cordeiro de Deus imolado pelo pecado do mundo; será renunciar à presunção que murmura dentro de nós: «Estou inocente do sangue deste homem»; será declarar-se culpado, confiando que um amor infinito envolve a todos, judeus e gentios, e que Deus chama a todos para se tornarem seus filhos.

Oração

Senhor, nosso Deus, diante de Jesus entregue e condenado, nada mais sabemos fazer que desculpar-nos e acusar os outros. Durante muito tempo nós, cristãos, atribuímos a Israel, vosso povo, o peso da vossa condenação à morte. Durante muito tempo, ignoramos que devíamos reconhecer-nos todos cúmplices no pecado, para sermos todos salvos pelo sangue de Jesus crucificado. Concedei-nos a graça de reconhecer, no vosso Filho, o Inocente: o único em toda a história. Ele que aceitou ser «feito pecado por nós» (cf. 2 Cor 5, 21), para que, por seu intermédio, pudésseis reencontrar-nos a nós, humanidade recriada na inocência em que nos criastes e na qual nos constituís vossos filhos.

Pater noster

Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?

IV ESTAÇÃO
Jesus, rei da glória

Do Evangelho segundo São Marcos

Os soldados levaram-No para dentro do pátio, isto é, para o pretório, e convocaram toda a coorte. Revestiram-No de um manto de púrpura e puseram-Lhe uma coroa de espinhos, que tinham entretecido. Depois começaram a saudá-Lo: «Salve! O Rei dos judeus!» (15, 16-18).

Do Livro do profeta Isaías

Vimo-Lo sem aspeto atraente, desprezado e abandonado pelos homens, como alguém cheio de dores, habituado ao sofrimento, diante do qual se tapa o rosto, menosprezado e desconsiderado. Na verdade, Ele tomou sobre Si as nossas doenças, carregou as nossas dores. Nós O reputávamos como um leproso, ferido por Deus e humilhado (53, 2-4).

Meditação

Banalidade do mal. São inúmeros os homens, as mulheres e até as crianças abusados, humilhados, torturados, assassinados, sob todas as dimensões do céu e em cada momento da história.

Sem buscar proteção na condição divina que Lhe é própria, Jesus integra-Se no terrível cortejo dos sofrimentos que o homem inflige ao homem. Conhece o abandono dos humilhados e dos mais desvalidos.

Mas, que ajuda nos pode dar o sofrimento de mais um inocente?

Aquele que é um de nós é, antes de mais nada, o Filho predileto do Pai, que vem cumprir toda a justiça com a sua obediência.

E, de repente, todos os sinais se invertem. Eis que as palavras e os gestos de zombaria dos seus torturadores nos desvendam – ó paradoxo absoluto – a verdade insondável: a verdadeira e única realeza, manifestada como um amor que nada mais quis saber senão a vontade do Pai e o seu desejo que todos os homens se salvem. «Não quiseste sacrifícios nem oblações (…). Então eu disse: “Aqui estou! No livro da Lei está escrito aquilo que devo fazer”» (Sal 40/39, 7.8).

Proclama-o esta hora de Sexta-feira Santa: há apenas uma glória neste mundo e no próximo, a glória de conhecer e cumprir a vontade do Pai. Nenhum de nós pode aspirar a uma dignidade maior do que ser filho n’Aquele que, por nós, Se fez obediente até à morte de cruz.

Oração

Senhor, nosso Deus, nós Vos pedimos: Neste dia santo que leva a cumprimento a revelação, derrubai os ídolos em nós e no nosso mundo. Vós conheceis o seu poder sobre as nossas mentes e os nossos corações. Derrubai em nós as figuras enganadoras do sucesso e da glória. Derrubai em nós as imagens que sempre reaparecem de um Deus à medida dos nossos pensamentos, um Deus distante, tão diferente do rosto revelado na Aliança e que se manifesta hoje em Jesus, para além de toda a previsão, acima de toda a esperança. Ele que confessamos como o «resplendor da [vossa] glória» (Heb 1,3). Fazei que entremos na alegria eterna, que nos faz aclamar, em Jesus vestido de púrpura e coroado de espinhos, o rei da glória que é cantado no Salmo: «Ó portas, levantai os vossos umbrais! Alteai-vos, pórticos eternos, que vai entrar o rei da glória» (24, 9).

Pater noster

Ó portas, levantai os vossos umbrais!
Alteai-vos, pórticos eternos,
que vai entrar o rei da glória.

V ESTAÇÃO
Jesus carrega a cruz

Do Livro das Lamentações

Ó vós todos que passais pelo caminho, olhai e vede se existe dor igual à dor que me atormenta, pois o Senhor feriu-me no dia da sua ardente cólera (1, 12).

Do Salmo 146

Feliz de quem tem por auxílio o Deus de Jacob, de quem põe a sua esperança no Senhor, seu Deus. (…) O Senhor liberta os prisioneiros. O Senhor dá vista aos cegos, o Senhor levanta os abatidos (…). O Senhor protege os que vivem em terra estranha e ampara o órfão e a viúva» (146/145, 5.7-8.9).

Meditação

Ao longo do duro caminho do Gólgota, Jesus não carregou a cruz como um troféu! Não se parece nada com os heróis da nossa fantasia que abatem, triunfantes, os seus inimigos malvados.

Passo a passo foi caminhando, o corpo sempre mais pesado e mais lento. Sentiu a sua carne ferida pelo madeiro do suplício, as pernas enfraquecidas sob a carga.

De geração em geração, a Igreja meditou sobre este caminho marcado por tropeções e quedas.

Jesus cai, levanta-Se; depois cai de novo, retoma o caminho desgastante, provavelmente sob os golpes dos guardas que o escoltam, porque é assim que são tratados, maltratados, os condenados neste mundo.

Aquele que fez levantar os corpos do leito, endireitar a mulher corcunda, arrancar do leito de morte a filha de Jairo, pôs de pé tantos aflitos, ei-Lo hoje afundado no pó.
O Altíssimo está caído por terra.

Fixemos o olhar em Jesus. Através d’Ele, o Altíssimo ensina-nos – lição incrível – que é ao mesmo tempo o mais Humilde, pronto a descer até nós, e ainda mais abaixo se necessário, para que ninguém se perca nos tugúrios da própria miséria.

Oração

Senhor, nosso Deus, Vós desceis nas profundezas da nossa noite, sem pôr limites à vossa humilhação, porque é nela que alcançais a terra, frequentemente ingrata, por vezes devastada, das nossas vidas. Nós Vos suplicamos: fazei que a vossa Igreja possa testemunhar que, em Vós, o Altíssimo e o mais Humilde são um único rosto. Concedei-lhe a graça de levar, a todos aqueles que caem, a boa-nova do Evangelho: não há queda que possa subtrair-se à vossa misericórdia; não há perda, nem abismo de tal forma profundo onde Vós não possais reencontrar quem se extraviou.

Pater noster

Eis que venho, ó Deus, para fazer a vossa vontade.

VI ESTAÇÃO
Jesus e Simão de Cirene

Do Evangelho segundo São Lucas

Quando O iam conduzindo, lançaram mão de um certo Simão de Cirene, que voltava do campo, e carregaram-no com a cruz atrás de Jesus (23, 26).

Do Evangelho segundo São Mateus

«Senhor, quando foi que Te vimos com fome e Te demos de comer, ou com sede e Te demos de beber? Quando Te vimos peregrino e Te recolhemos, ou nu e Te vestimos? E quando Te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-Te?» (25, 37-39).

Meditação

Jesus tropeça ao longo do caminho, os ombros esmagados sob o peso da cruz. Mas é preciso avançar, caminhar mais e mais, porque a meta da trupe que pressiona Jesus, é o Gólgota, o sinistro «Lugar da Caveira», fora das muralhas da cidade, naquele momento passa por ali um homem, de braços robustos. Parece alheio aos acontecimentos do dia. Está regressando a casa, desconhecendo totalmente a história do rabi Jesus, quando se vê recrutado pelos guardas para levar a cruz.

Que terá ele sabido do condenado impelido pelos guardas para o suplício? Que poderia conhecer d’Aquele que «já não tinha aspeto de homem», como o servo desfigurado de Isaías.

Acerca da sua surpresa, porventura duma recusa inicial, da compaixão que o tocou, nada nos é dito. O Evangelho conservou apenas a recordação do seu nome: Simão, originário de Cirene. Porém o Evangelho quis trazer até nós o nome deste líbio e o seu gesto humilde de ajuda, nomeadamente para nos ensinar que, ao aliviar as dores dum condenado à morte, Simão aliviou a dor de Jesus, o Filho de Deus, que cruzou a sua estrada na condição de escravo que assumira por nós, que assumira por ele, para a salvação do mundo. Sem que ele o soubesse.

Oração

Senhor, nosso Deus, revelastes-nos que, em cada pobre que está nu, preso, sedento, sois Vós que nos apareceis, e sois Vós que nós acolhemos, visitamos, vestimos, dessedentamos: «Era peregrino e recolhestes-Me, estava nu e destes-Me que vestir, adoeci e visitastes-Me, estive na prisão e fostes ter comigo» (Mt 25, 35-36). Mistério do vosso encontro com a nossa humanidade! Assim vindes ter com cada homem! Ninguém está excluído deste encontro, se aceitar ser homem de compaixão. Nós Vos apresentamos, como uma oferta santa, todos os gestos de bondade, hospitalidade e dedicação que dia a dia são feitos neste mundo. Dignai-Vos reconhecê-los como a verdade da nossa humanidade, que fala mais alto que todos os gestos de rejeição e de ódio. Dignai-Vos abençoar os homens e as mulheres de compaixão que Vos dão glória, mesmo que não saibam ainda pronunciar o vosso nome.

Pater noster

Cristo morto pelos nossos pecados,
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.

VII ESTAÇÃO
Jesus e as filhas de Jerusalém

Do Evangelho segundo São Lucas

Seguiam Jesus uma grande multidão de povo e umas mulheres que batiam no peito e se lamentavam por Ele. Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes: «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos. (…) Porque, se tratam assim a árvore verde, o que não acontecerá à seca?» (23, 27-28.31).

Meditação

O pranto que Jesus confia às filhas de Jerusalém como uma obra de compaixão, tal pranto das mulheres nunca falta neste mundo.

Desce silenciosamente pelas faces das mulheres. E mais vezes ainda, provavelmente de forma invisível no seu coração, como as lágrimas de sangue de que fala Catarina de Sena.

Não que as lágrimas estejam reservadas às mulheres, como se a sua sorte fosse a de chorar, passivas e impotentes, dentro duma história que só os homens deveriam escrever.

Na verdade, os seus lamentos são também, e antes de mais nada, todos aqueles que elas recolhem, longe de todo o olhar e de toda a celebração, num mundo onde há muito para se chorar. Pranto das crianças aterrorizadas, dos feridos nos campos de batalha que invocam uma mãe, pranto solitário dos doentes e dos moribundos no limiar do desconhecido. Pranto de desvario, que corre pela face deste mundo que foi criado, no primeiro dia, para lágrimas de alegria, na exultação comum do homem e da mulher.

E também Etty Hillesum, mulher forte de Israel que se manteve de pé na tempestade da perseguição nazista e que defendeu até ao último momento a bondade da vida, nos sugere ao ouvido este segredo que ela intuiu no fim da sua estrada: há lágrimas para consolar no rosto de Deus, quando chora pela miséria dos seus filhos. No inferno que submerge o mundo, ela ousa rezar a Deus: «Procurarei ajudar-Te», diz-Lhe. Audácia tão feminina e tão divina!

Oração

Senhor, nosso Deus, Deus de ternura e de compaixão, Deus cheio de amor e fidelidade, ensinai-nos, nos nossos dias felizes, a não desprezar as lágrimas dos pobres que clamam por Vós e que nos pedem ajuda. Ensinai-nos a não passar indiferentes junto deles. Ensinai-nos a ter a coragem de chorar com eles. Ensinai-nos também, na noite dos nossos sofrimentos, das nossas solidões e das nossas deceções, a ouvir a palavra de graça que Vós nos revelastes na montanha: «Felizes os que choram, porque serão consolados» (Mt 5, 4).

Pater noster

Cristo morto pelos nossos pecados,
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.

VIII ESTAÇÃO
Jesus é despojado das suas vestes

Do Evangelho segundo São João

Os soldados, depois de terem crucificado Jesus, pegaram na roupa d’Ele e fizeram quatro partes, uma para cada soldado, exceto a túnica (19, 23).

Do Livro de Job

«Saí nu do ventre da minha mãe, 
e nu voltarei para lá» (1, 21).


Meditação

O corpo humilhado de Jesus acaba desnudado. Exposto aos olhares de escárnio e desprezo. O corpo de Jesus coberto de chagas e destinado ao suplício extremo da crucifixão. Humanamente falando, que mais se poderia fazer senão baixar os olhos para não aumentar a sua desonra?

Mas o Espírito vem em ajuda da nossa confusão. Ensina-nos a compreender a linguagem de Deus, a linguagem da kenosi, este abaixamento de Deus para nos alcançar onde estamos. É esta linguagem de Deus que nos fala o teólogo ortodoxo Christos Yannaras: «Linguagem da kenosi: Jesus menino nu na manjedoura; despojado no rio enquanto recebe o batismo como um servo; suspenso na árvore da cruz, nu, como um malfeitor. Através de tudo isso, Ele manifestou o seu amor por nós».

Entrando neste mistério de graça, podemos voltar a abrir os olhos sobre o corpo martirizado de Jesus. Então começamos a vislumbrar o que os nossos olhos não podem ver: a sua nudez refulge da mesma luz que irradiavam as suas vestes no momento da Transfiguração.

Luz que afugenta todas as trevas.

Luz irresistível do amor levado até ao extremo.

Oração

Senhor, nosso Deus, colocamos diante dos vossos olhos a multidão imensa dos homens que sofrem a tortura, a massa assustadora dos corpos maltratados, tremendo de angústia ao aproximar-se os golpes, agonizantes em tugúrios miseráveis. Nós Vos suplicamos, acolhei o seu gemido. O mal deixa-nos sem voz nem ajuda. Mas Vós sabeis o que nós não sabemos. Sabeis encontrar uma saída no caos e na escuridão do mal. Sabeis fazer brilhar, já na Paixão do vosso Filho predileto, a vida da ressurreição. Aumentai em nós a fé! Nós Vos apresentamos também a loucura dos torturadores e de quem os comanda. Também esta nos deixa sem palavras... senão para Vos suplicar e implorar, por entre lágrimas, com as palavras da oração que Vós nos ensinastes: «Livrai-nos do mal»!

Pater noster

Cristo morto pelos nossos pecados,
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.

IX ESTAÇÃO
Jesus é crucificado

Do Evangelho segundo São Lucas

Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, crucificaram-No a Ele e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (23, 33-34).

Do Livro do profeta Isaías

O castigo que nos salva caiu sobre Ele, fomos curados pelas suas chagas (53, 5).

Meditação

Verdadeiramente Deus está lá onde não deveria estar!

O Filho predileto, o Santo de Deus, é aquele corpo exposto numa cruz de infâmia, abandonado à desonra, no meio de dois malfeitores. Homem das dores, de quem nos afastamos; para falar verdade, como nos afastamos de muitos seres humanos desfigurados que cruzam as nossas estradas.

O Verbo de Deus, em quem tudo foi criado, não passa de uma carne muda e sofredora. A crueldade da nossa humanidade assanhou-se contra Ele, e venceu. Sim, Deus está lá onde não deveria estar, mas onde nós precisamos tanto que esteja!

Viera para partilhar conosco a sua vida. «Tomai!», disse Ele sem cessar enquanto oferecia a sua cura aos doentes, o seu perdão aos corações transviados, o seu corpo na ceia pascal.

Mas viu-Se caído nas nossas mãos, em território de morte e violência: a violência que nos deixa atónitos na atualidade do mundo; e a que se insinua em cada um. Bem o sabiam os monges assassinados em Tibrine, que, à prece «Desarmai-os!», ajuntavam a súplica: «Desarmai-nos!»

Era necessário que a doçura de Deus visitasse o nosso inferno; era a única maneira de nos livrar do mal.

Era necessário que Jesus Cristo trouxesse a ternura infinita de Deus até ao coração do pecado do mundo.

Era necessário isto para que a morte, colocada perante a vida de Deus, recuasse e caísse, como um inimigo que encontrou alguém mais forte do que ele, e desaparece no nada.

Oração

Senhor, nosso Deus, acolhei o nosso louvor silencioso. Como os reis que ficam boquiabertos diante da obra do Servo revelada pela profecia de Isaías (cf. 52, 15), assim permanecemos estupefatos diante do Cordeiro imolado pela vida nossa e do mundo; e confessamos que, pelas vossas chagas, fomos curados. «Como retribuirei ao Senhor todos os seus benefícios para comigo? (…) Hei de oferecer-Vos sacrifícios de louvor invocando, Senhor, o vosso nome» (Sal 116, 12.17).

Pater noster

Cristo morto pelos nossos pecados,
Cristo ressuscitado para nossa vida,
nós Vos pedimos, tende piedade de nós.

X ESTAÇÃO
Jesus é escarnecido na cruz

Do Evangelho segundo São Lucas

Os chefes zombavam, dizendo: «Salvou os outros; salve-Se a Si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito». Os soldados também troçavam d’Ele. Aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam: «Se és o rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo!» E por cima d’Ele havia uma inscrição: «Este é o rei dos judeus». Ora, um dos malfeitores que tinham sido crucificados insultava-O, dizendo: «Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também» (23, 35-39).

«Se és Filho de Deus, diz a esta pedra que se transforme em pão. (…) Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, pois está escrito: (…) Os anjos hão de levar-Te nas suas mãos» (4, 3.9-11).

Meditação

Não poderia Jesus ter descido da cruz? Dificilmente ousamos pôr-nos esta pergunta: porventura não a põe o Evangelho na boca dos ímpios?

E todavia ela persegue-nos, na medida em que nós ainda fazemos parte do mundo da tentação, que Jesus enfrentou durante aqueles quarenta dias no deserto, prelúdio e início do seu ministério: «Se és Filho de Deus, diz a esta pedra que se torne pão, atira-Te abaixo do pináculo do templo, porque Deus vela por quem é seu amigo». Mas, na medida em que, batizados na morte e ressurreição de Jesus Cristo, O seguimos no seu caminho, os desafios do Maligno já não têm poder sobre nós, ficam reduzidos a nada, a sua mentira é desvendada.

Descobre-se então a imperiosa necessidade daquele «era necessário» (Lc 24, 26) que Jesus ensina com paciência e ardor àqueles que caminhavam pela estrada de Emaús. «Era necessário» que Cristo entrasse nesta obediência e nesta impotência, para nos alcançar na impotência a que nos reduziu a nossa desobediência.

Começamos, assim, a entender que «só o Deus sofredor pode salvar», como escrevia o pastor Dietrich Bonhoeffer poucos meses antes de morrer assassinado, quando, experimentando até ao fundo o poder do mal, pôde resumir, em tal verdade simples e vertiginosa, a profissão de fé cristã.

Oração

Senhor nosso Deus, quem nos livrará das ciladas do poder segundo o mundo? Quem nos livrará da tirania das mentiras, que nos fazem exaltar os poderosos e, por nossa vez, correr atrás das falsas glórias? Só Vós podeis converter os nossos corações. Só Vós podeis fazer-nos amar as sendas da humildade. Só Vós..., que nos revelais que não há vitória senão no amor, e tudo o resto não passa de palha que o vento leva, miragem que desaparece face à vossa verdade. Nós Vos pedimos, Senhor: dissipai as mentiras que aspiram a reinar nos nossos corações e no mundo. Fazei-nos viver segundo os vossos caminhos, para que o mundo reconheça o poder da Cruz.

Pater noster

Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?

XI ESTAÇÃO
Jesus e sua Mãe

Do Evangelho segundo São João

Junto à cruz de Jesus estavam, de pé, sua Mãe e a irmã de sua Mãe, Maria, a mulher de Clopas, e Maria Madalena. Então, Jesus, ao ver ali ao pé a sua Mãe e o discípulo que Ele amava, disse à Mãe: «Mulher, eis o teu filho!» Depois, disse ao discípulo: «Eis a tua Mãe!» E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-A como sua (19, 25-27).

Meditação

Maria, também Ela, chegou ao fim do caminho. Ei-La chegada àquele dia de que falava o velho Simeão. Quando levantara com seus braços trémulos o Menino, e a sua ação de graças se prolongou em palavras misteriosas, que entrelaçavam conjuntamente drama e esperança, dor e salvação.

«Este Menino – proclamara –está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma espada trespassará a tua alma. Assim hão de revelar-se os pensamentos de muitos corações» (Lc 2, 34-35).

Já a visita do anjo tinha feito ressoar no seu coração o anúncio incrível: Deus escolhera a sua vida para fazer desabrochar a novidade prometida a Israel, «o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram» (1 Cor 2, 9; cf. Is64, 3). E Ela consentira naquele projeto divino, que teria começado por subverter a sua carne e teria depois acompanhado por caminhos imprevisíveis o filho nascido do seu ventre.

Durante os dias tão comuns de Nazaré, depois no tempo da vida pública, quando houve necessidade de dar espaço a outra família, a dos discípulos, aqueles estranhos que Jesus fazia seus irmãos, irmãs, mães, Ela conservara estas coisas no seu coração. Tinha-as confiado à grande paciência da sua fé.

Hoje é o tempo da realização. A lâmina que perfurou o lado do Filho, perfura também o coração d’Ela. Também Maria mergulha na confiança sem apoio, em que Jesus vive profundamente a obediência ao Pai.

De pé, Ela não deserta. Stabat Mater. Na escuridão, mas com a certeza de que Deus mantém as promessas. Na escuridão, mas com a certeza de que Jesus é a promessa e o seu cumprimento.

Oração

Maria, Mãe de Deus e mulher da nossa raça, Vós que nos gerais maternamente n’Aquele que gerastes, sustentai em nós a fé nas horas tenebrosas, ensinai-nos a esperança contra toda a esperança. Guardai a Igreja inteira numa vigilância fiel, como foi a vossa fidelidade, humildemente dócil aos desígnios de Deus, que nos atraem para onde não pensaríamos em ir; que nos associam, para além de todas as previsões, à obra da salvação.

Pater noster

Salve, Regina, mater misericordiae;
vita, dulcedo et spes nostra, salve.

XII ESTAÇÃO
Jesus morre na cruz

Do Evangelho segundo São João

Jesus disse: «Tenho sede!» Havia ali uma vasilha cheia de vinagre. Então, ensopando no vinagre uma esponja fixada num ramo de hissope, chegaram-Lha à boca. Quando tomou o vinagre, Jesus disse: «Tudo está consumado». E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. (…) Ao chegarem a Jesus, vendo que já estava morto, não Lhe quebraram as pernas. Porém um dos soldados traspassou-Lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água. Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho delas e o seu testemunho é verdadeiro. E ele bem sabe que diz a verdade, para vós crerdes também (19, 28-30.33-35).

Meditação

Agora, tudo está consumado. A tarefa de Jesus está concluída. Saíra do Pai para a missão da misericórdia. Esta foi cumprida com uma fidelidade levada até ao extremo do amor. Tudo está consumado. Jesus entrega o seu espírito nas mãos do Pai.

É verdade que, aparentemente, tudo parece cair no silêncio da morte que desce sobre o Gólgota e as três cruzes lá erguidas. Neste dia da Paixão que está para terminar, quem passa por aquele caminho, que pode compreender senão a derrota de Jesus, o colapso duma esperança que havia encorajado a muitos, consolado os pobres, erguido os humilhados, dando a entender aos discípulos que chegara o tempo em que Deus realizaria as promessas anunciadas pelos profetas? Tudo isto parecia perdido, destruído, caído por terra.

No meio de tanta decepção, porém, o evangelista João faz-nos fixar os olhos num pequeno detalhe, detendo-se nele com solenidade: água e sangue escorrem do peito do Crucificado. Oh maravilha! A ferida aberta pela lança do soldado permite passar água e sangue que nos falam de vida e de nascimento.

A mensagem é extremamente discreta, mas muito eloquente para os corações que têm um pouco de memória. Do corpo de Jesus, brota a fonte que o profeta viu sair do Templo. A fonte que cresce e se torna um rio pujante, cujas águas curam e fecundam tudo aquilo que tocam à sua passagem. Não definira Jesus, um dia, o seu corpo como o novo templo? E o «sangue da aliança» acompanha a água. Não falara Jesus da sua carne e do seu sangue como alimento para a vida eterna?

Oração

Senhor Jesus, nestes dias sagrados do Mistério Pascal, renovai em nós a alegria do nosso Batismo. Contemplando a água e o sangue que escorrem do vosso peito, ensinai-nos a reconhecer de que fonte é gerada a nossa vida, de que amor está edificada a vossa Igreja, para qual esperança nos escolhestes e enviastes a partilhar com o mundo. Aqui está a fonte de vida que lava todo o universo, jorrando da chaga de Cristo. O nosso Batismo seja para nós a única glória, numa ação de graças cheia de admiração.

Pater noster

O Cordeiro, que foi imolado,
é digno de receber o poder e a riqueza,
a sabedoria e a força,
a honra, a glória e o louvor,
pelos séculos dos séculos.

XIII ESTAÇÃO
Jesus é descido da cruz

Do Evangelho segundo São Lucas

José de Arimateia, descendo-O da cruz, envolveu-O num lençol e depositou-O num sepulcro talhado na rocha, onde ainda ninguém tinha sido sepultado (23, 53).

Meditação

Gestos de ternura e consideração pelo corpo profanado e humilhado de Jesus. Encontram-se ao pé da cruz alguns homens e mulheres. José, natural de Arimateia, homem «reto e justo» (Lc 23, 50), que pede o corpo a Pilatos, como refere São Lucas; Nicodemos, aquele que fora ter com Jesus de noite, acrescenta São João; e algumas mulheres que, obstinadamente fiéis, observam.

A meditação da Igreja quis juntar-lhes a Virgem Maria, também Ela muito provavelmente presente naquele momento.

Maria, Mãe de piedade, que recebe nos seus braços o corpo nascido da sua carne e que, ternamente, discretamente, acompanhou no decorrer dos anos, como sempre cuida do próprio filho uma mãe.

Agora o corpo que Ela recolhe é imenso, como a sua dor, como a nova criação que tem origem da paixão de amor que atravessou o coração do filho e da mãe.

Agora, no grande silêncio que desceu depois dos gritos dos soldados, das zombarias dos transeuntes e dos rumores da crucifixão, os gestos são apenas de doçura, de respeitosa carícia. José desce o corpo, que se abandona entre os seus braços. Envolve-o num lençol, depõe-no dentro dum sepulcro inteiramente novo, que no jardim, mesmo ao lado, aguardava o seu hóspede.

Jesus é arrancado das mãos dos seus assassinos. Agora, na morte, encontra-se entre as mãos da ternura e da compaixão.

A violência dos homens homicidas recuou para muito longe. Voltou, ao lugar do suplício, a doçura.

Doçura de Deus e daqueles que Lhe pertencem, os mansos de coração a quem Jesus prometeu um dia que haveriam de possuir a terra. Doçura vinda da criação e do homem à imagem de Deus. Doçura do fim, quando todas as lágrimas forem enxugadas, quando o lobo habitar com o cordeiro, porque o conhecimento de Deus terá chegado a toda a carne (cf. Is 11, 6.9).

Cântico a Maria

Não choreis mais, Maria! O vosso filho, nosso Senhor, adormeceu na paz. E o Pai d’Ele, na glória, abre as portas da vida!

Alegrai-Vos, Maria! Jesus ressuscitado venceu a morte!

Pater noster

Na vossa paz, Senhor, me deito, adormeço
e acordo: Vós sois o meu apoio.

XIV ESTAÇÃO
Jesus no sepulcro e as mulheres

Do Evangelho segundo São Lucas

As mulheres que tinham vindo com Ele da Galileia acompanharam José, observaram o túmulo e viram como o corpo de Jesus fora depositado. Ao regressar, prepararam aromas e perfumes; e, durante o sábado, observaram o descanso, conforme o preceito (23, 55-56).

Meditação

As mulheres foram-se embora. Aquele que tinham acompanhado, caminhando tenazes e solícitas pelas estradas da Galileia, já não está cá. Por companhia, nesta tarde, Ele não lhes deixa senão a visão que nelas se gravou do seu túmulo e do lençol onde descansa agora. Recordação pobre e preciosa de dias ardorosos que se foram. Solidão e silêncio. Aliás aproxima-se shabbat, que convida Israel a cessar o trabalho, como Deus o cessou quando completou a criação, realizada sob a sua bênção.

Hoje trata-se de outra coisa que é levada a cumprimento; por agora oculta e impenetrável. Shabbat, dia em que devem permanecer imóveis, no recolhimento do coração e da memória velada pelas lágrimas. E na preparação também dos perfumes e aromas com que prestarão a sua última homenagem ao corpo d’Ele, amanhã, de manhãzinha cedo.

Mas, com aquele gesto, preparam-se apenas para embalsamar a sua esperança? E se Deus tivesse preparado para a sua solicitude uma resposta que elas não podem sequer prever, imaginar, intuir: a descoberta dum túmulo vazio..., o anúncio de que Ele já não está ali, porque despedaçou as portas da morte?

Oração

Senhor, nosso Deus, dignai-vos ver e abençoar todos os gestos das mulheres que honram, neste mundo, a fragilidade dos corpos que elas circundam de doçura e consideração. E a nós, que vos acompanhamos ao longo deste caminho de amor até ao fim, dignai-vos guardar-nos, com as mulheres do Evangelho, na oração e na esperança que sabemos correspondidas pela ressurreição de Jesus, que a vossa Igreja se prepara para celebrar no júbilo da Noite Pascal.

Pater noster

A Vós a glória e o poder pelos séculos dos séculos Amém.
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Santa Sé

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