Há palavras que nascem eternas. Há gritos de dor
que, embora tenham ecoado séculos e séculos atrás, continuam inquietando as
atuais gerações. Em todos os tempos, muitos homens e mulheres perceberam que
seus sofrimentos, sua experiência de abandono e de solidão foram vividos antes
por Jesus de Nazaré. Na Semana Santa que está começando seremos confrontados
com a observação que o Mestre fez aos amigos, quando eles o abandonaram: “A
minha alma está triste até a morte. Permanecei aqui e vigiai comigo...” (Mt 26,38).
Depois, fez um pedido a esses mesmos amigos: “Vigiai e orai, para que não
entreis em tentação”.
Seus apelos não tiveram eco. Por isso, sozinho,
dirigiu-se àquele que podia livrá-lo daquele momento: “Meu pai, se é possível,
que passe de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas como tu
queres” (Mt 26,39).
Na dor de Jesus Cristo estava a dor da humanidade.
Na entrega que fez de si mesmo ao Pai e na aceitação do cálice que não
escolhera, Cristo tinha presente os sofrimentos inesperados da jovem que ficou
paralítica, após um acidente de carro, e a dor daquele casal que não conseguia
dar aos filhos o pão, a saúde e a escola de que necessitavam. Tinha presente a
jovem esposa que perdeu o marido inesperadamente e a criança que viu,
impotente, seus pais se separarem. Tinha presente também a angústia e a dor sem
limites dos familiares das 150 vítimas do acidente aéreo nos Alpes franceses. É
imenso o cálice, é enorme a dor da humanidade, mas infinitamente maiores são o
amor e misericórdia do Filho de Deus, ao ver o sofrimento de tantos homens e
mulheres, de inúmeros jovens e crianças.
Todas as dores, todos os sofrimentos da humanidade
foram vividos por Jesus Cristo, a partir da noite daquela Quinta-feira Santa,
no Horto das Oliveiras. Foi uma noite, pois, que começou a transformar as
trevas em luz; noite marcada pela esperança, já que sementes de amor foram
lançadas por terra e regadas com lágrimas de sangue. Noite para ficar na
história, para iluminar nossa história e para dar sentido a nossos passos.
Noite para acordar céticos, pessimistas e derrotistas, porque ligada à manhã da
ressurreição. Noite em que se ouviu uma exclamação e um pedido: “Minha alma
está triste até a morte. Permanecei aqui e vigiai comigo!” (Mt 26,38).
Não é essa exclamação e esse pedido que continuam
ecoando no coração do mundo?...
Dom Murilo
S. R. Krieger
Arcebispo de
São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil
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