Na primeira carta à comunidade de Corinto, Paulo se
vê obrigado a defender-se da pouca consideração de alguns cristãos, que colocam
em dúvida ou negam a sua identidade de apóstolo. Paulo reivindica a pleno
direito esse título, por ter “visto Jesus” (cf 9,1), e explica o porquê de sua
atitude humilde e simples, que renuncia a todo tipo de retribuição pelo seu
trabalho. Embora tendo a autoridade e os direitos de apóstolo, a sua estratégia
evangélica é fazer-se “servo de todos”.
Ele se solidariza com todo tipo de pessoas, até
tornar-se uma delas, com o objetivo de levar-lhes a novidade do Evangelho.
Cinco vezes repete “me fiz” um com o outro: por amor aos judeus, submete-se à
lei de Moisés, embora sabendo não estar mais vinculado a ela; com os que não
seguem essa lei, também ele vive como se não a tivesse, embora possuindo uma
lei exigente: o próprio Jesus; com os fracos (talvez cristãos escrupulosos,
incertos de comer ou não carnes imoladas aos ídolos) ele se faz fraco, embora sendo
“forte” e livre: faz-se “tudo a todos”.
Age assim para “ganhar” todos a Cristo, para
“salvar” a qualquer custo ao menos alguns. Não tem expectativas triunfalistas:
bem sabe que só alguns corresponderão; mas ama a todos seguindo o exemplo do
Senhor, que veio “para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mt 20,28).
Quem se fez um conosco mais do que Jesus? Ele que era Deus, “despojou-se,
assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano” (Fil 2,7).
“Para
todos eu me fiz tudo”.
Chiara Lubich fez dessa palavra um dos princípios
da sua “arte de amar”, sintetizada no “fazer-se um”, expressão da diplomacia da
caridade: «Quando alguém chora, devemos chorar com ele. E se sorri, alegrar-nos
com ele. Assim a cruz é dividida e carregada por muitos ombros, a alegria é
multiplicada e compartilhada por muitos corações. [...] “Fazer-se um” com o
próximo, por amor de Jesus, com o amor de Jesus, até que o próximo, docemente
ferido pelo amor de Deus em nós, queira “fazer-se um” conosco, em comunhão recíproca
de ajudas, de ideais, de projetos, de afetos. [...] Essa é a diplomacia da
caridade, que tem da diplomacia comum muitas expressões e manifestações, e que
por isso não diz tudo o que poderia dizer, porque o irmão não gostaria, nem
seria do agrado de Deus; sabe esperar, sabe falar, atingir a meta. Divina
diplomacia do Verbo que se fez carne para nos divinizar»1.
Com fina pedagogia, Chiara identifica também os
obstáculos no “fazer-se um”: «Às vezes são as distrações, outras vezes o mau
desejo de dizer apressadamente a nossa ideia, de dar o nosso conselho de modo
inoportuno. Em outras ocasiões estamos poucos dispostos a nos “fazermos um” com
o próximo, porque consideramos que ele não compreende o nosso amor, ou somos
freados por outros julgamentos relativos a ele. Em certos casos somos impedidos
devido a um recôndito interesse de conquista-lo à nossa causa». Por isso «é
realmente necessário eliminar ou pospor tudo o que preenche a nossa mente e o
nosso coração para nos “fazermos um” com os outros»2. Trata-se, portanto, de um
amor contínuo e infatigável, perseverante e desinteressado que, por sua vez,
confia-se no amor maior e mais potente de Deus.
São indicações preciosas: escutar sinceramente o
outro, entendê-lo no seu âmago, identificando-se com o que ele vive e sente,
compartilhando preocupações e alegrias.
“Para
todos eu me fiz tudo”.
Não se trata de renunciar às próprias convicções,
como se aprovássemos sem crítica qualquer atitude do outro, ou não tivéssemos
uma proposta de vida e um pensamento nosso. Tendo amado até o ponto de
“tornar-se o outro”, pode-se e deve-se expressar a própria ideia, como profundo
dom de amor, mesmo que seja doloroso. “Fazer-se um” não é fraqueza, busca de
uma convivência tranquila e pacífica, mas expressão de uma pessoa livre que se
coloca a serviço com coragem e determinação.
Também é importante lembrar a razão do fazer-se um:
“… para certamente salvar alguns”, para entrar no outro, fazer emergir o bem e
a verdade que já se encontram nele, queimar eventuais erros e depositar ali a
semente do Evangelho. É uma missão que não aceita limites nem desculpas, porque
confiada a nós pelo próprio Deus, a ser cumprida “certamente”, com aquela
criatividade que só pode vir do amor.
Também a política e o comércio têm interesse pelas pessoas,
querem conhecer seus pensamentos, captar suas exigências e necessidades, mas
sempre com a intenção de tirar proveito. Enquanto que “a diplomacia divina”,
como diz ainda Chiara, «tem isso de grande e de seu, talvez de somente seu: ela
é movida pelo bem do outro, portanto é isenta de qualquer sombra de egoísmo»3.
Portanto, fazer-se um para ajudar todos a crescer
no amor, contribuindo assim na realização da fraternidade universal, o sonho de
Deus para a humanidade, a causa pela qual Jesus deu a sua vida.
Fabio Ciardi
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1 – “Diplomacia divina”, em Ideal e Luz, São
Paulo: Brasiliense/Cidade Nova, 2003, p. 290-291.
2 – A vida, uma viagem, São Paulo: Cidade
Nova, 1995. 3 – “Diplomacia Divina”, op.cit.p.291.
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Movimento dos Focolares
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