HOMILIA
Santa
Missa na Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus
Basílica
Vaticana
Sexta-feira,
1º de janeiro de 2016
Ouvimos as palavras do apóstolo Paulo: «Quando
chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher»
(Gl 4, 4).
Que significa Jesus nasceu na «plenitude do tempo»?
Se o nosso olhar se fixa no momento histórico, podemos imediatamente ficar
decepcionados. Sobre grande parte do mundo conhecido de então, dominava Roma
com o seu poderio militar. O imperador Augusto chegara ao poder depois de cinco
guerras civis. Também Israel fora conquistado pelo Império Romano e o povo
eleito estava privado da liberdade. Por conseguinte, aquele não era certamente
o tempo melhor para os contemporâneos de Jesus. Portanto, se queremos definir o
clímax do tempo, não é para a esfera geopolítica que devemos olhar.
É necessária uma interpretação diferente, que
entenda a plenitude a partir de Deus. No momento em que Deus estabelece ter
chegado a hora de cumprir a promessa feita, realiza-se então, para a
humanidade, a plenitude do tempo. Por isso, não é a história que decide acerca
do nascimento de Cristo; mas, ao invés, é a sua vinda ao mundo que permite à
história chegar à sua plenitude. É por isso que se começa, do nascimento do
Filho de Deus, o cálculo duma nova era, ou seja, a que vê o cumprimento da
antiga promessa. Como escreve o autor da Carta aos Hebreus, «muitas vezes e de
muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos
profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho, a
quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de quem fez o mundo.
Este Filho é resplendor da sua glória e imagem fiel da sua substância e tudo
sustenta com a sua palavra poderosa» (1, 1-3). Assim, a plenitude do tempo é a
presença de Deus em pessoa na nossa história. Agora, podemos ver a sua glória
que refulge na pobreza dum estábulo, e ser encorajados e sustentados pelo seu
Verbo que Se fez «pequeno» numa criança. Graças a Ele, o nosso tempo pode
encontrar a sua plenitude.
Este mistério, porém, sempre contrasta com a
dramática experiência histórica. Cada dia, quereríamos ser sustentados pelos
sinais da presença de Deus, mas o que constatamos são sinais opostos,
negativos, que fazem antes senti-Lo como ausente. A plenitude do tempo parece
esboroar-se perante as inúmeras formas de injustiça e violência que ferem
diariamente a humanidade. Às vezes perguntamo-nos: Como é possível que perdure
a prepotência do homem sobre o homem? Que a arrogância do mais forte continue a
humilhar o mais fraco, relegando-o para as margens mais esquálidas do nosso
mundo? Até quando a maldade humana semeará na terra violência e ódio, causando
vítimas inocentes? Como pode ser o tempo da plenitude este que coloca diante
dos nossos olhos multidões de homens, mulheres e crianças que fogem da guerra,
da fome, da perseguição, dispostos a arriscar a vida para verem respeitados os
seus direitos fundamentais? Um rio de miséria, alimentado pelo pecado, parece
contradizer a plenitude do tempo realizada por Cristo.
Contudo este rio alagador nada pode contra o oceano
de misericórdia que inunda o nosso mundo. Todos nós somos chamados a mergulhar
neste oceano, a deixarmo-nos regenerar, para vencer a indiferença que impede a
solidariedade e sair da falsa neutralidade que dificulta a partilha. A graça de
Cristo, que realiza a expectativa da salvação, impele a tornar-nos seus
cooperadores na construção dum mundo mais justo e fraterno, onde cada pessoa e
cada criatura possam viver em paz, na harmonia da criação primordial de Deus.
No início dum novo ano, a Igreja faz-nos
contemplar, como ícone de paz, a maternidade divina de Maria. A antiga promessa
realiza-se na sua pessoa, que acreditou nas palavras do Anjo, concebeu o Filho,
tornou-Se Mãe do Senhor. Através d’Ela, por meio do seu «sim», chegou a
plenitude do tempo. O Evangelho, que escutámos, diz que a Virgem «conservava
todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (Lc 2, 19). Aparece-nos como
vaso sempre cheio da memória de Jesus, Sede da Sabedoria, onde recorrer para
termos a interpretação coerente do seu ensinamento. Hoje dá-nos a possibilidade
de individuar o sentido dos acontecimentos que nos tocam pessoalmente a nós, às
nossas famílias, aos nossos países e ao mundo inteiro. Aonde não pode chegar a
razão dos filósofos, nem as negociações da política, consegue fazê-lo a força
da fé que a graça do Evangelho de Cristo nos traz e que pode abrir sempre novos
caminhos à razão e às negociações.
Feliz sois Vós, ó Maria, por terdes dado ao mundo o
Filho de Deus; mas mais feliz ainda sois porque acreditastes n’Ele. Cheia de
fé, concebestes Jesus, primeiro no coração e depois no seio, para Vos tornardes
Mãe de todos os crentes (cf. Santo Agostinho, Sermo 215, 4). Lançai sobre nós a
vossa bênção neste dia que Vos é consagrado; mostrai-nos o rosto do vosso Filho
Jesus, que dá ao mundo inteiro a misericórdia e a paz.
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Boletim da
Santa Sé
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