A renúncia do Papa Bento XVI
suscitou na mídia e em boa parte dos fiéis, especulações acerca de profecias
apocalípticas sobre o futuro da Igreja. Dentre elas, a que mais chamou a
atenção foi a famosa “Profecia de São Malaquias” que, segundo
a lenda, anunciava o fim da Igreja e do mundo ainda neste século.
Apesar dessas previsões catastróficas alimentarem a imaginação de
inúmeras pessoas, a verdade é que elas carecem de fundamento e lógica,
como já demonstraram vários teólogos, inclusive o estimado monge beneditino,
Dom Estevão Bettencourt, na sua revista “Pergunte e Responderemos”.
Mas não é sobre a profecia de São
Malaquias que queremos falar aqui. Nossa atenção, devido às circunstâncias,
volta-se para as palavras do jovem teólogo da Baviera, Padre Joseph Ratzinger,
proferidas há pouco mais de 40 anos, logo após o término do Concílio Vaticano
II.
Em um contexto de crise de fé e
revolução cultural, o então professor de teologia da Universidade de Tübingen
via-se cada vez mais sozinho diante da postura marcadamente liberal de seus
colegas teólogos, como por exemplo, Küng, Schillebeeckx e Rahner. Olhando
também para os outros setores da Igreja, Padre Ratzinger via nos “sinais dos
tempos” um presságio do processo de simplificação que o catolicismo teria de
enfrentar nos anos seguintes.
Uma Igreja pequena,
forçada a abandonar importantes lugares de culto e com menos influência na
política. Esse era o perfil que a Igreja Católica viria a ter nos próximos
anos, segundo Ratzinger. O futuro papa estava convencido de que a fé católica iria passar por um
período similar ao do Iluminismo e da Revolução Francesa, época marcada por
constantes martírios de cristãos e perseguições a padres e bispos que
culminaram na prisão de Pio VI e sua morte no cárcere em 1799. A Igreja estava
lutando contra uma força, cujo principal objetivo era aniquilá-la
definitivamente, confiscando suas propriedades e dissolvendo ordens religiosas.
Apesar da aparente visão
pessimista, o jovem Joseph Ratzinger também apresentava um balanço positivo da
crise. O teólogo alemão afirmava que desse período resultaria uma Igreja mais
simples e mais espiritual, na qual as pessoas poderiam encontrar respostas em
meio ao caos de uma humanidade corrompida e sem Deus. Esses apontamentos feitos
por Ratzinger faziam parte de uma série de cinco homilias radiofônicas, proferidas em 1969. Essas
mensagens foram publicadas em livro sob o título de “Fé e Futuro”.
“A Igreja diminuirá
de tamanho. Mas dessa provação sairá uma Igreja que terá extraído uma grande
força do processo de simplificação que atravessou, da capacidade renovada de
olhar para dentro de si. Porque os habitantes de um mundo rigorosamente
planificado se sentirão indizivelmente sós. E descobrirão, então, a pequena
comunidade de fiéis como algo completamente novo. Como uma esperança que lhes
cabe, como uma resposta que sempre procuraram secretamente”
Depois de 40 anos desses pronunciamentos, o já então papa Bento
XVI não mudou de opinião. É o que pode-se concluir lendo um de seus discursos
feitos para os trabalhadores católicos em Freiburg, durante viagem apostólica a
Alemanha, em 2011.
Citando Madre Teresa de Calcutá,
o Santo Padre constatava uma considerável “diminuição da prática religiosa” e
“afastamento duma parte notável de batizados da vida da Igreja” nas últimas
décadas. O Santo Padre se pergunta: “Porventura não deverá a Igreja mudar? Não
deverá ela, nos seus serviços e nas suas estruturas, adaptar-se ao tempo
presente, para chegar às pessoas de hoje que vivem em estado de busca e na
dúvida?”.
O Papa alemão respondia que sim, a Igreja deveria mudar, mas essa mudança
deveria partir do próprio eu.“Uma vez alguém instou a beata Madre
Teresa a dizer qual seria, segundo ela, a primeira coisa a mudar na Igreja. A sua reposta
foi: “tu e eu!”, ensinou. Bento XVI pedia no discurso uma reforma da Igreja que
se baseasse na sua “desmundanização”, corroborando o que explicou em
outra ocasião a um jornalista, durante viagem ao Reino Unido, sobre como a
Igreja deveria fazer para agradar o homem moderno.
“Diria que uma
Igreja que procura sobretudo ser atraente já estaria num caminho errado, porque
a Igreja não trabalha para si, não trabalha para aumentar os próprios números
e, assim, o próprio poder. A Igreja está a serviço de um Outro: não
serve a si mesma, para ser um corpo forte, mas serve para tornar acessível o
anúncio de Jesus Cristo, as grandes verdades e as grandes forças de amor, de
reconciliação que apareceu nesta figura e que provém sempre da presença de
Jesus Cristo. Neste
sentido a Igreja não procura tornar-se atraente, mas deve ser transparente para Jesus Cristo e, na
medida em que não é para si mesma, como corpo forte, poderosa no mundo, que
pretende ter poder, mas faz-se simplesmente voz de um Outro, torna-se realmente
transparência para a grande figura de Cristo e para as grandes verdades que Ele
trouxe à humanidade”.
Esses textos ajudam-nos a
entender os recentes fatos e interpretar os pedidos de reforma da Igreja
pedidos por Bento XVI nos seus discursos pós-renúncia. De
maneira alguma esses pedidos fazem referência a uma abertura da Igreja para
exigências ideológicas do mundo moderno, como quiseram sugerir alguns
jornalistas. Muito pelo contrário, o Papa fala de uma purificação da ação pastoral da
Igreja diante do homem moderno, de forma que ela se livre dos ranços apregoados
pelo modernismo. Trata-se de conservar a fiel doutrina de Cristo e apresentá-la
de modo transparente e sem descontos. A Igreja enquanto tal é santa, imaculada.
Mas seus membros carecem de uma constante conversão e é neste sentido que a
reforma deve seguir. A Igreja precisa estar segura de sua própria identidade que está inserida
na sua longa tradição de dois mil anos, caso contrário, toda reforma não
passará de uma reforma inútil.
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Com. Shalom
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