A Líbia desabou no caos em 2011, depois da
derrubada do ditador Muamar Kadafi por forças da Otan. Kadafi tinha chefiado o
país durante décadas de modo sanguinário – péssimo com ele, mas… incrivelmente,
pior ainda sem ele.
Várias facções se engalfinham pelo poder e se
autoproclamam as legítimas autoridades sobre porções do país em frangalhos. O
cenário de terra de ninguém não foi desperdiçado pelos terroristas do Estado
Islâmico (EI), que transformaram algumas partes da Líbia em territórios do seu
“califado”.
A maioria dos combatentes do EI na Líbia são
estrangeiros da Tunísia, do Iraque e da Síria. A ONU estima que eles sejam de 2
mil a 3 mil. Cerca de 1,5 mil estão na cidade de Sirte, situada na costa, onde
a milícia fanática impõe o extremismo da lei islâmica desde as regras de
vestuário, segregação nas escolas e policiamento “religioso” até punições que
incluem amputações, decapitações e crucificações públicas.
Este cartaz, em imagem divulgada pela rede
britânica BBC, diz:
“Instruções
para vestir o hijab de acordo com a sharia:
Deve ser fechado e não revelar nada
Deve ser folgado (não apertado)
Deve cobrir todo o corpo
Não deve ser atraente
Não deve lembrar as roupas de infiéis ou homens
Não deve ser ornamentado e chamar a atenção
Não deve ser perfumado”.
A BBC conseguiu conversar com ex-moradores de
Sirte.
Seus relatos são chocantes:
“Eu
trabalhava como pediatra no Hospital Ibn Sina. Agora, estou em Trípoli, para
onde escapei com minha família em agosto de 2015, quando os conflitos estavam
começando. Mas, como todos os outros, ainda tenho parentes morando em Sirte. Às
vezes entramos em contato com eles pela internet, via satélite. Em geral, lá
não há mais acesso à rede ou a linhas telefônicas. Quem continua na cidade são
os que têm menos condições financeiras. Têm chegado a nós notícias de que estão
faltando remédios nos hospitais. A matança é inacreditável. Eu perdi quatro
primos do lado paterno, cinco do lado materno, outros três parentes e dois
vizinhos. Um primo foi crucificado na rotatória Zaafran, outro na rotatória
Gharbiyat e um terceiro foi decapitado. O quarto foi morto por um tanque de
mísseis. Uma amiga perdeu três irmãos mais novos. A situação é trágica: seu
irmão foi morto em um ataque suicida em 7 de janeiro. Ele estava prestes a se
formar na escola militar. Eu culpo os países da região pelo Estado Islâmico.
Odeio ouvir o nome de alguns deles agora: Egito, Tunísia, Catar, Argélia,
Sudão, Afeganistão, Síria. Meu pai é um policial veterano e estava sendo
ameaçado em Sirte. Todos que trabalham na polícia podem ser sequestrados ou
mortos se não se juntarem a eles” (Bint Elferagani, médico).
“Não se
tratou de uma invasão em si. Jihadistas locais declararam aliança com o EI e
receberam reforço de homens que fugiram das forças do general Khalifa Haftar em
Benghazi. Há pessoas de outras nacionalidades nas fileiras do Estado Islâmico.
Não são apenas árabes. Houve um desfile especial de boas-vindas para
combatentes do Boko Haram, vindos da Nigéria. No início, a sensação era a de
que eles estavam mais preocupados em conquistar a fidelidade e a obediência da
sociedade tribal de Sirte. Em agosto (2015), as regras de vestuário e
comportamento começaram a ser mais implementadas. Foi quando também começaram
as crucificações e chicoteamentos de condenados, geralmente após as orações de
sexta-feira” (Al-Warfali, ex-morador de Sirte).
“Ainda temos
parentes e amigos na cidade. Temos escutado que praticamente não existem
remédios nos hospitais. Pelo que sabemos, não há gasolina. O EI deve ter tomado
Sirte com a ajuda dos militantes pró-Khadafi, que chegaram lá com o pretexto de
expulsar soldados de Misrata. Eles começaram a crucificar pessoas na entrada da
cidade dois meses após tomá-la. Seu ‘crime’ era serem espiões do Líbia Dawn
(grupo islâmico rival). Eu vi ao menos uma pessoa sendo crucificada. Depois,
ouvi e li sobre outras 17, entre elas um amigo e seu irmão (um clérigo
salafista). Ambos já estavam mortos quando foram crucificados” (Ibrahim,
autônomo).
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Aleteia
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